Global Dairy Congress, Istambul
Tirando o fato de ter de assistir a Brasil e México sozinho em um quarto de hotel e ainda por cima narrado em turco, a experiência em Istambul foi muito interessante, não só pelo evento em si, mas por conhecer essa cidade carregada de história, que já foi sede dos Impérios Bizantino, Romano e Otomano. Istambul é o elo entre Ocidente e Oriente: onde termina a Europa e onde começa o Oriente Médio.
Istambul, em meio ao estreito de Bósforo, separando Ásia e Europa e o Mar de Mármara do Mar Negro
Aprendi que o consumo de iogurte na Turquia é dos mais altos do mundo, acima de 30 kg por pessoa/ano, mais de 4 vezes acima do nosso (7,4 kg) e mais de 3 vezes o norte-americano. Na realidade, iogurte é uma palavra turca e - o leitor já deve imaginar – a iguaria foi mesmo inventada no país.
É da Turquia que, indiretamente, surgiu talvez o caso mais emblemático de sucesso no setor lácteo dos últimos 10 anos. Trata-se da Chobani (www.chobani.com), empresa norte-americana fundada pelo turco Hamdi Ulukaya, que se perguntava porque os iogurtes norte-americanos não eram tão saborosos quanto os de sua terra natal. Insight mais simples, impossível!
Simplicidade, sabor, e origem são as bases do iogurte grego da Chobani
Com base nessa percepção e na oportunidade de adquirir uma fábrica de iogurtes recém-fechada, no estado de Nova Iorque, Hamdi começou a produzir iogurte grego com as características que acreditava. Isso foi em 2005. Hoje, menos de 10 anos depois e faturamento projetado de US$ 1 bilhão/ano em 2014, a Chobani é a líder da categoria nos EUA e a terceira no mercado de iogurtes dos Estados Unidos. Hamdi foi eleito empreendedor do ano pela consultoria Ernst & Young em 2013, feito considerável ao lembrarmos que o segmento em que a empresa atua não está entre os que figuram normalmente em homenagens como esta.
Além da qualidade do produto, a empresa se baseia em ingredientes naturais, uso de leite próximo das fábricas e sustentabilidade, tornando-se a queridinha dos norte-americanos. Criou ainda uma loja-conceito no bairro SoHo, em Mahattan/NY, onde testa novas receitas e se aproxima do consumidor. É interessante notar como a Chobani expande as fronteiras do segmento, como por exemplo em receitas à base de salmão defumado e dill: assim como na Turquia, o iogurte é consumido misturado à comida e não apenas como componente do café da manhã.
Loja-conceito em Manhattan
Outro exemplo interessante vem da empresa Powerful Yogurt (https://www.powerful.yt), do venezuelano Carlos Ramirez, que foi fazer MBA nos EUA e por lá ficou. Ao pesquisar o mercado de iogurtes, percebeu uma série de mitos que criavam oportunidades. Um destes mitos era que produtos à base de proteínas lácteas eram buscados principalmente por “ratos” de academia: na verdade, 80% dos clientes eram pessoas normais, que apenas queriam se sentir melhor quanto às suas opções de consumo. Ainda, descobriu que o mercado de iogurtes gregos era movimentado principalmente por homens, ao contrário das crenças de que seriam mulheres as compradoras.
Com base nisso e com um enfoque de marketing disruptivo, ele lançou o Powerful Yogurt, unindo sabor, ingredientes naturais e da moda (sementes de quinoa e linhaça, por exemplo) e um teor mais elevado de proteína – 25 gramas em cerca de 237 gramas de produto (mais de 10%).
Além disso, a embalagem (além do próprio tamanho) e ações de marketing fazem com que o produto seja direcionado aos homens. Patrocínio de equipes de automobilismo e motociclismo, por exemplo, até a venda em locais próximos a academias de ginástica fazem parte da estratégia de marketing. Como parte da ação, está a campanha “find you innner abs” (ache seus músculos do abdomên, em tradução livre), na qual um ultrassom mostra os músculos do abdômen em pessoas normais, ainda que muitas vezes sob espessa camada de gordura.
Com a iniciativa, Remirez levou o prêmio de melhor iogurte na Global Dairy Award de 2013. O MilkPoint já trouxe matérias sobre a empresa (https://bit.ly/1mgA1Sh), que também foi retratada na palestra sobre Inovação do Professor Antônio Fernandes, da UFV, no II Encontro de Laticínios (Uberlândia, setembro de 2013). Como extensão da categoria, a empresa lançou barras de cereais com o mesmo conceito.
Outro caso interessante foi o recentemente retratado no post de Juliana Santin (https://bit.ly/1okj33V), sobre os iogurtes Nice Dreams, um licenciamento da marca Cheech and Chong, que remete a um filme do final da década de 70 em que dois jovens ganharam fortunas vendendo sorvete com maconha. No caso da linha Relaxation Ice Creams, da Bebida Beverage Company, o produto contém melatonina, valeriana (planta da Europa e Ásia que tem componentes relaxantes), rosa mosqueta e cânhamo (maconha, imagino que em doses aprovadas pelos órgãos reguladores dos EUA).
O objetivo é utilizar o iogurte turbinado com estes ingredientes como um vetor para reduzir o stress e aumentar o bem-estar de quem o consome.
Ainda que, neste caso específico e mesmo no exemplo do Powerful Yogurt provavelmente os produtos teriam dificuldades de serem registrados por aqui, o evento me deu a percepção de que inovamos pouco no Brasil.
Apesar de termos nichos potenciais de mercado nas diversas classes sociais, a tendência dos laticínios é pela commodity, caminho que via de regra não apresenta final feliz. Essa discussão é especialmente importante em momentos em que as margens estão baixas – e os dados indicam que parecem ser estruturalmente baixas em alguns produtos, exceto em raros momentos de escassez.
Licenciamento de tecnologias, parcerias estratégicas, investimento em P&D e foco em marketing (incluindo inteligência de marketing) são os caminhos para se reverter esse quadro. No entanto, poucas são as empresas que já perceberam isso e investem em inovação. A maioria, quando muito, copia tendências consolidadas achando que é inovação. Na maior parte das vezes, já não é mais.
Que empresas estão, de fato, estudando o mercado, identificando oportunidades, ousando em lançamentos não ortodoxos? Claro, há a questão da regulamentação, que parece aqui muito mais restritiva do que em países como os Estados Unidos. Para isso, é fundamental que o setor se organize e procure influenciar os legisladores, caso contrário dificilmente teremos nossas Chobanis por aqui.