Mesmo com toda a tecnologia disponível no século XXI, algumas fraudes em leite ainda podem passar despercebidas pela fiscalização. Por isso, o trabalho de pesquisas nessa área é importantíssimo! Entre os maiores desafios da atualidade, está a detecção da adição de soro no leite.
Muitos métodos já foram desenvolvidos para descobri-la, mas todos possuem suas fragilidades. Até pouco tempo, pensava-se que a cromatografia era imbatível nessa questão… mas infelizmente não é. Confira nessa matéria o porquê ainda estamos susceptíveis a essa fraude de origem imemorial!
O principal motivo é que a composição do soro é semelhante à composição do leite. Confira na tabela abaixo os valores médios das características físico-químicas do soro comparando-as com o leite.
É possível notar que o fator limitante para a adição de soro no leite é a diluição da concentração de gorduras e proteínas. Por isso, dependendo da quantidade adicionada, a detecção fica imperceptível nas análises de rotina, como densidade, crioscopia e acidez Dornic.
Assim, é necessário realizar outras provas específicas para a detecção de soro. Aqui, a grande questão é: vale a pena implantá-las na rotina das indústrias de laticínios? Veja quais são elas, suas vantagens e desvantagens:
- Detecção do ácido siálico
Essa é a metodologia oficial descrita pelo Ministério da Agricultura na Instrução Normativa 68 publicada em 14/12/06. É uma análise simples que envolve ataques ácidos, descarte do sobrenadante e leitura no espectofotômetro. O método é sensível a pequenas adições de soro (acima de 2%).
Na fabricação de queijos, durante a etapa de coagulação do leite, a quimosina contida no coalho cliva a caseína em duas moléculas: (1) a para-kappa-caseína, que faz parte da massa do queijo; e (2) o caseinomacropeptídeo, que é liberado no soro.
Um dos açúcares que compõem o caseinomacropeptídeo é o ácido siálico. Portanto, a presença de ácido siálico no leite funciona como um marcado, sendo indicativo da adição fraudulenta de soro.
A principal vantagem dessa técnica é o baixo custo e a facilidade de execução, mas possui algumas fragilidades. Uma de suas limitações, é que outros fatores também podem aumentar a concentração de ácido siálico no leite, como as enzimas proteolíticas dos psicrotróficos, as mastites e o período final da lactação. Nesses casos, aumenta-se a chance de resultados falso positivos.
- Eletroforese de proteínas
A eletroforese é uma técnica que permite a quantificação de cada uma das frações proteicas do leite. Normalmente, a proporção entre caseínas e proteínas do soro é de 4:1. Quando há adição fraudulenta de soro nas amostras, é possível detectar alterações nessa proporção e nos padrões individuais de cada fração proteica.
Apesar de ser uma técnica simples, requer um pouco mais de reagentes e maior custo em relação à detecção do ácido siálico. Também é um pouco mais demorada, o que pode ser um fator limitante para implantá-la na rotina. Na figura abaixo, é possível notar alterações abruptas de intensidade nas bandas de α e β caseína e β-lactoglobulina quando há a adição de apenas 0,5% de soro nas amostras de leite.
- Cromatografia líquida de alta eficiência - HPLC
Essa técnica permite a quantificação do caseinomacropeptídeo nas amostras de leite (aquele fragmento “marcador” da clivagem da kappa caseína pelo coalho). É uma análise bastante sensível, sendo capaz de identificar adições de soro em quantidades menores de 1%.
Como é uma técnica rápida e eficaz, também pode ser implantada na rotina. Porém, extremamente cara, uma vez que requer equipamentos de ponta e técnicos com exímios conhecimentos para realizar as análises (normalmente com nível superior).
A metodologia de HPLC também é regulamentada pelo Ministério da Agricultura, pela Instrução Normativa 07 de 02/03/2010, a qual descreve com detalhes a sua execução.
Uma das etapas prévias requer o tratamento das amostras com ácido, afim de remover proteínas interferentes na análise. A concentração de ácido é fundamental aqui! Sendo que altas concentrações removem proteínas em excesso (incluído o caseinomacropeptídeo).
Com esse fundamento em mente, podemos imaginar a seguinte situação: e se o soro de leite for propositalmente acidificado antes de adicioná-lo no leite? Será que essa acidificação causaria a remoção do caseinomacropeptídeo atrapalhando sua detecção?
Foi exatamente isso que um grupo de pesquisadores testou: se a acidificação do soro atrapalha a sua detecção pela metodologia de HPLC. A resposta infelizmente é SIM! E os resultados foram publicados esse ano na revista Journal of the Science of Food and Agriculture.
Para chegar nesses resultados, os pesquisadores adicionaram soro acidificado em diferentes proporções no leite. A fraude só foi detectada pelo HPLC quando as concentrações de soro foram maiores que 3,5% (o que corresponde a uma perda de 94% de sensibilidade).
Na pesquisa, foi usado ácido lático para acidificar o soro, porém, a fermentação microbiológica também pode diminuir o pH do soro, causando o mesmo efeito. Dessa forma, fica claro que a acidificação do soro, seja ela inadvertida ou deliberada, pode mascarar a sua adição fraudulenta no leite.
Vimos, portanto, três principais técnicas para a detecção de soro no leite, suas vantagens e desvantagens. Mais uma vez: é fundamental um rigoroso controle de qualidade em toda a cadeia produtiva do leite. E você? Como faz para detectar esse tipo de fraude aí na sua indústria? Para saber mais, entre em contato e deixe seu comentário! Também convido a todos a curtirem a fanpage do Mestrado em Ciência e Tecnologia de Leite da UNOPAR.
Abraços e até a próxima!
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Referências
ALVES, Érika de Pádua et al. Milk adulteration with acidified rennet whey: a limitation for the caseinomacropeptide detection by high-performance liquid chromatography. Journal of the Science of Food and Agriculture, 2017. Acessado em 15/05/2015 https://doi.org/10.1002/jsfa.8846
DE AQUINO, Leticia Fraga Matos Campos et al. Applying the SDS-PAGE technique to identify adulteration of milk with cheese whey. Veterinária e Zootecnia, v. 20, n. 2, Supl. 1, p. 220-221, 2013.