A colocação não tem o objetivo, de forma alguma, de criar um sentimento negativo em relação a esta ou aquela candidatura de oposição, mesmo porquê as próprias normas de qualidade não são unanimidade no setor, havendo quem as defenda e quem delas discorde. Aliás, pela nossa enquete semanal - até de forma surpreendente - um terço dos respondentes são céticos em relação aos benefícios das normas para o produtor de leite:
O levantamento da questão da provável vitória de Lula afetar, de alguma forma, o cenário que hoje se descortina a partir da aprovação das normas, baseia-se no fato de ser o candidato mais identificado com a chamada importância social do campo, onde a fixação da população rural e a geração de empregos podem sobrepujar em importância o aumento de escala e a competitividade do setor.
Se isso é bom ou é ruim, depende muito do prisma de análise. Há países, como a Índia, onde a preocupação com a função social da produção de leite vem em primeiro lugar, ao passo que, em outras economias, como a norte-americana, o aumento da escala de produção e da eficiência produtiva são a tônica principal. Como somos a "Belíndia", mistura de Bélgica e Índia, como bem definiu Edmar Bacha há tempos atrás, é difícil apontar um caminho único a seguir, o que gerou e ainda gera posições conflitantes entre os vários integrantes da cadeia do leite.
Há alguns pontos que precisam ser colocados e que podem influenciar na questão que levanto nesse artigo. O primeiro ponto é que, a partir das reclamações dos pequenos produtores, houve flexibilização no texto da legislação, o que deve ter acomodado os interesses de todos, tanto é que os protestos cessaram a partir de 30 de abril (data da audiência pública) e, hoje, todos se antecipam em dizer que a adaptação às novas normas será relativamente fácil em seus respectivos Estados. Desta forma, faz sentido dizer que as normas não são tão excludentes como antes eram consideradas. A implantação de tanques comunitários, os financiamentos para aquisição de equipamentos e os prazos dilatados são aspectos favoráveis à corrente que considera a legislação adequada à realidade nacional.
O segundo ponto tem a ver com a própria caracterização recente da candidatura Lula, com um discurso que, não raro, é confundido com o discurso do próprio governo atual, falando-se de estímulo às exportações e outras estratégias que, até pouco tempo, não faziam parte das principais bandeiras do candidato. Até que ponto houve de fato uma alteração na forma de pensar do candidato, é algo que veremos caso seja eleito, mas não se pode deixar de notar que o "Lulinha paz e amor", que inclusive tem sido recebido de forma positiva por banqueiros e empresários, é algo novo no cenário político.
Com tudo isso, pode ser que nada efetivamente ocorra em relação a esse tema e que, em 2005, teremos finalmente implantadas as novas normas. Porém, não é descabido considerar que, se com Pratini de Moraes, a aprovação das normas resultou em um processo longo e penoso para os seus articuladores, ao menos em teoria, com Lula a discussão em torno desse assunto não deve ser facilitada.
Vale reforçar que esse artigo não tem o objetivo de lançar dúvidas sobre a candidatura Lula em relação ao setor leiteiro. Já que estamos falando de conjecturas, há até espaço para uma contrapartida na análise: considerando a maior identidade do candidato com a questão social e admitindo que o setor leiteiro se reveste de grande importância nessa questão, é também possível esperar que, caso a eleição de Lula se confirme, o setor leiteiro passe a ter voz mais ativa no cenário político.
PS 1: há a questão da legitimidade de uma possível interferência na lei. O próximo ministro da agricultura teria essa prerrogativa ? Isso é algo que gostaria de saber.
PS 2: muitos leitores solicitaram o texto atualizado das novas normas. No início da próxima semana (23/09) disponibilizaremos a Instrução Normativa aos usuários.