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O mundo plano do leite

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 01/07/2006

7 MIN DE LEITURA

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No último dia 29, tivemos mais uma prova da evolução da cadeia produtiva do leite, que vem fazendo sua lição de casa e se tornando competitiva em um espaço exíguo de tempo. A prova ocorreu no debate "Onde estamos? Para onde vamos?", promovido pela Associação Brasileira dos Criadores de Girolando, durante a Megaleite, em Uberaba.

O debate, moderado pelo grande repórter José Hamilton Ribeiro, da Rede Globo, teve como entrevistados Jacques Gontijo, da Itambé, Rodrigo Alvim, da CNA, e Maçao Tadano, do MAPA (Roberto Rodrigues, o convidado original, havia deixado o governo no dia anterior). Como entrevistadores, além de mim, André Mesquita, da Serlac, Fernando Brasileiro, da Girolando, Lino Rodrigues, da FEA/USP e ASBIA, Paulo Martins, da Embrapa Gado de Leite, René Machado, da DPA, Roberto Jank, da Agrindus, Láctea e Leite Brasil.

Os temas do debate em nada se assemelharam a discussões setoriais do passado, normalmente marcadas por pleitos paternalistas, acusações infrutíferas e por um grande desconhecimento das características do mercado interno e externo, que impediam uma discussão mais objetiva e voltada para o futuro. Aliás, dado o histórico de relacionamento entre os agentes e a restrita transparência, a realização de eventos semelhantes por si só já era algo improvável.

Dessa vez, não. Estavam ali, para discutir os problemas, as soluções e as aspirações do setor, lideranças de produtores e da indústria, a pesquisa, o governo e prestadores de serviço. Vale aqui o registro de que o pioneirismo de realização desse tipo de evento foi a Leite Brasil, junto a Faesp, através dos já tradicionais debates da Expomilk. A Girolando soube trabalhar o modelo de forma muito eficiente e merece o sucesso do evento, medido pela presença de algumas centenas de produtores e pela sensação de que estamos evoluindo.

O otimismo marcou o evento. Jacques Gontijo, da Itambé, acha que em 2015, estaremos consumindo cerca de 160 kg de leite per capita e exportando 3 bilhões de litros anuais, refletindo uma produção interna de cerca de 36 bilhões de litros (pelos meus cálculos), 44% maior do que a atual. São números expressivos, que demonstram não só o grande potencial de aumento da produção comentado também por Rodrigo Alvim, mas também a confiança em nossa capacidade de aumento do consumo interno e de participação no mercado externo. Confiança no setor pode parecer o mais básico dos insumos, mas em se tratando de um setor historicamente (auto)-desprezado, não deixa de ser uma mudança e tanto.

Falou-se também no papel do governo; em nenhum momento, mencionou-se medidas paternalistas. Pelo contrário, cobrou-se o papel de normatização e fiscalização, além de maior agilidade nas negociações internacionais ("por que fazemos tão poucos acordos bilaterais, ao contrário do Chile?", perguntou René Machado, da DPA), uma legislação mais condizente com as necessidades do mercado e a rápida ampliação dos laboratórios de análise de leite, para que não haja esse óbvio gargalo.

Paulo Martins, da Embrapa, centrou sua participação nas necessidades de pesquisa para que o setor venha a colher, de forma sustentável e crescente, os resultados que está se propondo atingir. A inovação e o desenvolvimento interno de novas tecnologias e produtos na área de alimentação, envolvendo lácteos, foi um dos pontos altos da discussão.

Abordou-se ainda a questão do marketing de lácteos, algo que vem fazendo parte de qualquer discussão na história recente do setor. Jacques, da Itambé, reforçou que sua empresa é a favor da iniciativa e fará parte desde o início, assim que houver um programa nacional. René, da DPA, perguntou a Alvim o que acha do impacto dos produtos subtitutos, que vem afetando o mercado de lácteos. Nova realidade, novas preocupações.

Roberto Jank, da Leite Brasil, Láctea Brasil e Agrindus, reconheceu que mudou muito a maneira pela qual os laticínios compram leite no país. Há apenas 10 anos, as práticas comerciais eram marcadas pela falta de transparência e pela relação de curtíssimo prazo. Hoje, começa-se a sinalizar (alguns laticínios, é verdade) preço com maior antecedência e há claras iniciativas no sentido de aumentar a fidelização e a capacitação da rede de fornecedores de leite.

Lino Rodrigues, professor da FEA/USP e presidente da ASBIA, fez a provocação: "além de falar do potencial de crescimento na produção, que tal começarmos a abordar a questão da rentabilidade?" Sim, é uma questão relevante. Os dados do recém-divulgado Diagnóstico da Pecuária Leiteira de MG em 2005, belo trabalho coordenado pelo Prof. Sebastião Teixeira Gomes, da UFV, e viabilizado pela OCEMG, FAEMG, SENAR-MG e SEBRAE-MG, mostram que a rentabilidade média do capital investido na atividade foi inferior a 2% ao ano, muito baixo sob qualquer padrão de comparação. Com o crescimento de atividades como cana-de-açúcar e madeira, o setor tem diante de si um desafio significativo.

A prova final da evolução por que passa o setor talvez tenha sido a conversa que tive com um participante ao final do debate. Sua conclusão foi de que há um grande potencial futuro, mas só os eficientes é que participarão do jogo, tanto na produção como na indústria.

Pode-se argumentar que o cenário relativamente calmo do mercado de leite contribuiu para que o debate tenha sido marcado por estas questões e não por aspectos pontuais, como preços de leite. O argumento não deixa de ser válido. Afinal, embora não esteja nenhuma maravilha, o leite está melhor do que outras atividades do agronegócio. Porém, não acho que a principal razão seja essa. Mesmo durante a brusca queda de preços do ano passado, as manifestações não repetiram o passado, sugerindo que esteja realmente em curso uma mudança. Há, no entanto, outra possível explicação.

Ao longo do debate, fiquei pensando se não estávamos ali tratando de apenas um lado que compõe o complexo segmento leiteiro. Afinal, todos ali presentes eram, inequivocadamente, participantes do jogo, preparados para o aumento da competição, capazes de captar as oportunidades do mercado e se beneficiar delas.

Lembrei-me do ótimo livro do jornalista Thomas Friedman, "O Mundo é Plano", em que discorre como se deu aquilo que ele denominou "achatamento" do mundo, processo pelo qual produtos e serviços puderam ser desenvolvidos em regiões improváveis, antes tidas como bolsões de pobreza, como a Índia e a China. Friedman menciona como fatores-chave que determinaram o achatamento do mundo a queda do muro de Berlim, em 1989, a oferta pública de ações do Netscape, em 1995 (que propiciou enorme fluxo de recursos para instalação de infra-estrutura mundial de comunicação), a criação de softwares de fluxo de trabalho, que permitem a colaboração à distância, o advento de comunidades de colaboração auto-organizadas, a terceirização e por aí vai.

Essas rápidas mudanças criaram espaço para novos jogadores no mercado, sejam países, empresas ou pessoas. Friedman mostra o que fizeram e estão fazendo aqueles que sabem fazer a leitura correta da nova realidade e se posicionar frente a ela. São os que estão entrando no barco e fazendo-o andar, cada vez mais rápido. Ele mostra, também, que na esteira do mundo plano, há o "mundo não-plano", cheio ainda de países que estão ficando à margem desse processo, caracterizados por grande número de doentes (a exemplo dos aidéticos na África), incapacitados (sem a formação necessária para as crescentes demandas do mercado) e frustrados (a exemplo dos terroristas).

O debate de Uberaba havia reunido, afinal, integrantes do "mundo plano" do leite brasileiro, aqueles que já fazem parte do jogo, entenderam as novas regras e querem simplesmente não ter obstáculos desnecessários. Por isso, querem agilidade por parte do governo, acesso a diversos mercados, legislação tributária mais clara e marketing de lácteos para que o mercado cresça. Em suma, não têm medo da competição, mas sim de não poder competir.

A pergunta feita ao final do debate por Roberto Jank a Jacques Gontijo, trouxe à tona o "mundo não-plano" do leite. Com base no Diagnóstico do Leite em MG, que aponta que apenas o estrato dos produtores de mais de 1.000 litros diários é rentável, ele calculou que precisaríamos de apenas cerca de 50.000 produtores de leite no Brasil para produzirmos o que produzimos hoje. Supondo que temos hoje 800 mil produtores, Jank perguntou: "O que será feito dos outros 750.000 produtores?". A pergunta, como não poderia deixar de ser, ficou sem uma resposta definitiva, não só por parte do entrevistado, mas de todos os presentes. Afinal, lidar com o mundo não-plano do leite talvez seja tão difícil quanto com o de Friedman.

O mundo plano do leite está de parabéns, fazendo a lição de casa e olhando para frente. O mundo não-plano, porém, demanda uma discussão à parte, que procuraremos fazer em uma próxima oportunidade.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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RONALDO CASTRO MOREIRA

WENCESLAU BRAZ - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 08/07/2006

O texto reflete de uma forma objetiva a necessidade de profissionalização de toda a cadeia produtiva do leite de forma harmônica, visando a continuidade desta atividade no Brasil, pois, de outra forma, em breve estaríamos tomando "milk" e não "leite".

Parabéns.

Ronaldo Castro Moreira
EMATER-MG
RIVELINO ROVETTA

VITÓRIA - ESPÍRITO SANTO - PESQUISA/ENSINO

EM 06/07/2006

Parabéns pelos comentários sobre o evento. Infelizmente não pude participar, mas gostaria de fazer um pequeno comentário.

Sabemos que a pecuária leiteira é uma atividade de pequena margem de lucro por unidade de produto ($/litro), portanto, precisamos de uma certa escala de produção para obtermos boa rentabilidade - segundo o diagnóstico de MG, acima de 1000 l/dia.

Dos 750.000 produtores referidos, devemos observar o seguinte: sua escala de produção é baixa devido à baixa produtividade (litros/ha), ou é baixa devido ao tamanho da propriedade (áreas pequenas)? Na primeira situação, a tecnologia, quando bem empregada, resolve; já na segunda situação a atividade leiteira não vai ser um bom negócio.

Portanto, existem outras atividades que seriam mais rentáveis. Precisamos parar com a idéia de que atividade leiteira tem que resolver problema social.

Acho inevitável a saída de muitos produtores da atividade leiteira. E, com isso, facilitara ainda mais a organização dos produtores, para que o mundo plano possa fazer o barco andar ainda mais rápido.

<b>Resposta do Autor:</b>

Caro Rivelino,

Obrigado pelo comentário ao artigo. A principal razão da baixa rentabilidade é a baixa produtividade, tanto dos animais quanto da terra, o que resulta em baixo lucro por unidade de capital investido. É possível produzir bastante em áreas pequenas e, com isso, ter boa rentabilidade. O leite é uma atividade que permite exploração sustentável em áreas pequenas. A baixa escala é decorrente muito mais da má produtividade do que do tamanho das propriedades.

Um abraço,

Marcelo
ANDRÉ LUIZ COKELY RIBEIRO

DESCALVADO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 03/07/2006

Caro Marcelo,

Eu estive até o final do debate e confesso que aguardei o momento em que o assunto sobre tecnificação profissional fosse levantado. O fato é que na pesquisa, indústria, comércio e fomentos diversos a cadeia láctea está amparada por profissionais especializados em suas respectivas áreas, o que proporciona para estes setores, a partir já do planejamento, um grau de segurança e uma visão de presente/futuro quase exata.

O problema para o setor de produção da matéria-prima que alimenta toda essa cadeia, e nós, técnicos cientes, devemos nos preocupar, é que o "Executivo" não está preparado e também não está amparado profissionalmente. É fácil decidir o que fazer quando se tem vivência, recursos, empreendedorismo e informações atuais. Porém, ninguém o faz senão antes consultar os seus administradores, e estes o corpo técnico, certo?

Precisamos parar e discutir a respeito do corpo técnico praticamente inexistente no nosso setor. Somente 25% das informações (dados do Diagnóstico da Pecuária Leiteira de Minas Gerais - 2005) chegam aos produtores através do técnico, e mesmo assim nem todas são avaliadas e postas em prática sob acompanhamento. Talvez os 750 mil produtores possam ser salvos por nós até 2015.

André Cokely - Coordenador do Projeto Educampo de Frutal (MG).
ANGELO MARTINS ROSSI

BARRA MANSA - RIO DE JANEIRO

EM 03/07/2006

O mundo plano do leite está realmente de parabéns, pois conseguiu fazer o seu dever de casa e olhar para o futuro com otimismo e confiança.

E o mundo não plano do leite, o que tem a dizer? Vou tentar expressar o que ele sente contando-lhe uma pequena história, que é o retrato do setor.

Eu e mais três técnicos estamos tentando motivar 13 pequenos produtores de leite reunidos em uma associação a melhorar a sua qualidade de vida apresentando a realidade que vivem a melhores métodos de produção. Não querendo entrar no mérito da questão, de que o extrato de produtores com menos de 1.000 litros/dia deverá ser alijado do processo, me pergunto: se produtores com menos de 1.000 litros não são rentáveis, o que dizer dos que produzem menos de 1.000 litros diários, que é o universo em que eu e meus três malucos estamos navegando?

É um trabalho quase de "non sense", de uma formiguinha tentando dialogar com um elefante. Mas é necessário que existam malucos como eu, que aos setenta e quatro anos de idade e cinqüenta e quatro de atividade láctea ainda se sinta motivado a, junto a outros três malucos, dar sobre-vida a 13 produtores, que fazem mal o seu dever de casa, mas que mantêm a sua casa com o baixo valor obtido da sua atividade (e eles são parcela desses outros 749.987 produtores) do mundo não plano do leite. Eles não querem ser alijados do processo, mas não sabem como fazer para que isto não aconteça.

Encerrando nosso comentário, devo dizer que participei do 1º Seminário Brasileiro Sobre Leite e Derivados em Poços de Caldas, no ano de 1951, patrocinado pela Danone: nele muito se discutiu, (eu inclusive) mas 35 anos se passaram, as águas rolaram, fiquei velho mas não desiludido, e a discussão continua a mesma: o que fazer com os que não sabem ou não podem produzir bem e que a cada dia são em maior número? Excluí-los do processo matando-os por inanição? Achar uma fórmula mágica que possibilite a sua entrada na barca que corre cada vez mais rápida? Dar-lhes educação e treinamento para capacitá-los a fazer com competência, em pequena escala, o que as corporações fazem em grande escala? Eis aí uma bela e inadiável discussão que vai exigir muita competência e em maior dose. Vontade humanística.

Angelo Martins Rossi
CÁCIO RIBEIRO DE PAULA

PIRACANJUBA - GOIÁS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 03/07/2006

Parabéns, Marcelo, pelas observações claras e inequívocas.

Trabalhando em Consultoria em Pecuária Leiteira, verifico que é saudável constatar tantas mudanças positivas no "Mundo Plano do Leite".

Porém, o "Mundo não Plano do Leite" caminha ao lado, nos mostrando que é preciso e necessário inserir agentes (produtores) que gostariam e têm vontade enorme de participar da face positiva do processo. Neste sentido, faz-se mister que Governo e Indústria (não somente cooperativas) sejam catalisadores de oportunidades.

Cácio Ribeiro de Paula

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