Normalmente, fusões e aquisições têm diversos direcionadores, entre eles sinergias de custo e eficiência (aumento de escala), aquisição de marcas, boas oportunidades de negócios (ex: Parmalat adquirindo a Coaperiodoce), entrada em novos mercados (ex: Bertin comprando a Vigor), acesso a matéria-prima competitiva e custos mais baixos (talvez os investimentos no RS apontem para essa razão) e modificações nas relações dentro da cadeia de valor (ex: criação da DPA, joint-venture da Nestlé com Fonterra).
No caso específico do setor de lácteos no Brasil, é válido tentarmos analisar os direcionadores que estão levando a esse novo momento e que podem moldar a competição futura, ao menos entre os grandes. Porque algumas empresas estão buscando rapidamente a expansão, após anos de certa letargia do setor? Como já comentado anteriormente, as perspectivas de crescimento da demanda tanto no mercado interno como externo são boas, o que por si só já tende a atrair o capital. Mais ainda, nesse ambiente de crise global de alimentos, o Brasil começa a ser visto, ainda que de forma incipiente, como parte da resposta para o problema em lácteos. Nessa situação, o apetite do capital se reforça. Terceiro, há capital disponível na praça, em especial nos países emergentes que se mostram mais confiáveis, como o Brasil, que recentemente recebeu o "grau de investimento" por uma das agências de avaliação de risco. Quarto, é possível que existam empresas com interesse de ganhar força para emissão de ações, como já aventou o presidente da Bom Gosto, uma das que têm se destacado. Para viabilizar o chamado IPO e se tornar atrativa na bolsa, precisa ter porte. Quinto, ao se analisar o segmento lácteo, percebe-se que há considerável espaço para concentração, com ganhos potenciais.
Nesse ponto, o momento tem feito algumas cooperativas se constituirem em um alvo particularmente atrativo, animadas também pelas boas perspectivas e relativa escassez da matéria-prima, analisando-se o contexto mais amplo. Assim, aproveitam a disponibilidade de dinheiro para aquisições, se desfazem de suas fábricas e marcas e concentram-se na captação (afinal, cooperativas são formadas por produtores de leite!) que, num cenário de bons preços, pode até ser uma estratégia viável (só o tempo dirá).
É válido também levantar alguns pontos relativos às estratégias que algumas empresas estão buscando. Um primeiro ponto evidente que direciona esse processo é a busca de escala e poder de negociação com um varejo cada vez mais forte.
Mas há outros motivos e aí vale a pena discutir melhor. O mapa abaixo mostra fábricas existentes, próprias ou frutos de aquisições recentes, bem com projetos futuros anunciados por dois desses players: Parmalat e Perdigão (sem contar outras unidades com concentradores).
Nota-se, em uma primeira análise, que as empresas têm localização de fábricas bastante semelhante, basicamente cobrindo as principais regiões do país, onde o leite está e onde estão localizados os principais mercados, o que logicamente faz sentido. Esta estratégia têm possivelmente outros motivos também:
• maior capacidade de lidar com diferenças regionais de oferta em função de ocorrências climáticas e diferenças de safra, fazendo com que a empresa possa otimizar o processo de suprimento de leite (a Nestlé já faz isso há um bom tempo);
• maior agilidade no abastecimento dos diversos mercados;
• exploração de marcas regionais fortes, no caso de aquisições de outras empresas/cooperativas, bem como marcas posicionadas em diferentes faixas de preço;
• maior flexibilidade em função de alterações na legislação fiscal e tributária, que pode pegar de calças curtas empresas totalmente concentradas em determinada região, fruto das idas-e-vindas da lei sobre ICMS, etc;
• eventualmente, busca por locais com menor concorrência na compra de matéria-prima e/ou potencial de aquisição de matéria-prima a custo mais competitivo.
A análise acima sugere que, para ser grande, pode ser muito oportuno ser diversificado regionalmente. Fica melhor posicionada a empresa que puder lançar mão dessa estratégia, sendo mais eficiente em seu processo de suprimento de leite e acesso aos diferentes mercados.
Um outro aspecto que parece conduzir esses movimentos é a busca por um portifólio de produtos mais amplo, tendo como base o tripé leite em pó - longa vida - queijos, cujas rentabilidades variam ao longo de qualquer período. Entre junho e setembro de 2007, por exemplo, o longa vida apresentou grande rentabilidade; posteriormente (e antes também), o pó foi superior. Assim, grandes empresas, atuando em um segmento como o de commodities, tendem a se beneficiar ao ter um portifólio mais amplo, que permita otimizar a linha de produção de acordo com a rentabilidade do momento.
O acesso a mercados externos parece ser também uma variável relevante para definir essa competitividade. Ganha a empresa que tiver condições de explorar com mais força o mercado internacional nos momentos em que este se mostrar atrativo.
Presença nacional, portifólio amplo e acesso aos mercados interno e externo parecem ser direcionadores claros desse processo pelo qual o setor está passando. No caso da Parmalat, há também a questão da integração como uma possível fonte de captura de valor, cujo sucesso ou fracasso ainda veremos. No caso da Perdigão e do Bertin, ganhos na distribuição e acesso a diversos canais de mercado, bem como sinergia de marcas, questões fiscais e diversificação de riscos, também explicam a estratégia de investir nos lácteos.
Vale a pena fazer algumas ressalvas nessa avaliação. Primeiro, trata-se da avaliação de um observador externo, sem qualquer ligação com nenhuma das empresas aqui mencionadas. Não necessariamente a justificativa das empresas passa por todos esses pontos ou somente esses pontos. Segundo, como toda análise de estratégia, não é possível garantir que as descisões são corretas antes de serem testadas; nesse momento, no entanto, parecem fazer sentido. De qualquer forma, contra fatos não há argumentos: as empresas que estão fazendo aquisições estão buscando posicionamento nacional, ampliação do portifólio e acesso aos mercados interno e externo.