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Desenvolvimento às avessas

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 21/09/2005

7 MIN DE LEITURA

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Há coisas que acontecem nesse país e que desafiam a lógica e o bom senso. Não estou falando dos problemas políticos que estamos vivenciando, mas não fica muito atrás: trata-se da lei Nº 11.977, de 25 de agosto de 2005, que institui o Código de Proteção aos Animais no Estado de São Paulo, de autoria do deputado Ricardo Trípoli e que foi APROVADA na data mencionada. A lei vigorará dentro de 45 dias e terá 180 dias para ser regulamentada.

Não sou advogado, mas entendo que a lei contém vários artigos de interpretação dúbia e outros distantes de realidade relativa ao seu objetivo, que é promover o bem-estar dos animais e evitar abusos.

Entre os artigos de interpretação duvidosa, está, por exemplo, o artigo 2º, que em seu parágrafo II, coloca que é "proibido manter animais em local desprovido de asseio ou que lhes impeça a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade". Nesse item, a produção intensiva de aves, suínos e talvez os confinamentos de gado de corte e leite estariam incluídos e, portanto, proibidos em São Paulo, visto que, de alguma maneira, restringem o movimento dos animais, ainda que a lei dê margem a diversas interpretações. Se esse for o caso, teremos a curiosa situação em que será permitido manter animais soltos, porém sem tratamento sanitário adequado e desnutrição (a lei não coloca esses aspectos como importantes ao bem-estar), mas não será permitido manter animais confinados, com água à vontade, ventiladores e aspersores para controle de temperatura, dieta balanceada e todos os cuidados sanitários em dia. É um típico caso do tiro saindo pela culatra.

A lei veta também a adoção de determinadas tecnologias, como as descritas nos parágrafos II e III do artigo 18, que proíbe "submeter os animais a processos medicamentosos que levem à engorda ou crescimento artificiais" e "impor aos animais condições reprodutivas artificiais que desrespeitem seus respectivos ciclos biológicos naturais". O uso de somatotropina bovina (BST), por exemplo, estaria proibido em São Paulo, assim como aditivos que promovam o crescimento e a engorda, além de terapias hormonais para reprodução (em relação à inseminação artificial, concordo com o zootecnista Cláudio Carvalho - clique aqui para ler a sua carta - não se trata de despeitar seus "respectivos ciclos biológicos naturais" e, portanto, estaria liberada).

O fato de eventualmente haver exageros na aplicação das técnicas ou de nem sempre as mesmas se justificarem tecnica e economicamente não pode ser motivo para que seu uso seja simplesmente banido, sob pena de piorar a eficiência produtiva e elevar custos, sem falar de poder prejudicar o próprio animal: se uma vaca se encontrar em anestro prolongado, pela lei não se pode interferir, sob o risco de "desrespeitar seu ciclo biológico natural". Nesse caso, novamente a contradição: o melhor a fazer seria mandar o animal imediatamente ao gancho, visto que ninguém em sã consciência manteria um animal improdutivo na propriedade. Novamente, o tiro saindo pela culatra.

Há, ainda, uma faceta grave e que não foi mencionada na imprensa. Trata-se das restrições impostas às universidades e centros de pesquisa que trabalham com animais. Estes centros teriam de constituir as "CEUAs", Comissões de Ética no Uso de Animais, que seriam formadas por médicos veterinários e biólogos, docentes e discentes, pesquisadores na área específica, representantes de associações de proteção e bem-estar animal legalmente constituídas e representantes da comunidade.

As CEUAs poderão, entre outras atribuições, "examinar previamente os procedimentos de pesquisa a serem realizados na instituição a qual esteja vinculada, para determinar o caráter de inovação da pesquisa que, se desnecessário sob este ponto de vista, poupará a utilização dos animais". Também, poderão "notificar imediatamente às autoridades competentes a ocorrência de qualquer acidente com os animais nas instituições credenciadas, bem como a desobediência dos preceitos elencados na lei", e "recomendar às agências de amparo e fomento à pesquisa científica o indeferimento de projetos (em determinadas situações)".

A lei vai mais longe na questão da experimentação. Em seu artigo 42, parágrafos 2º e 3º, coloca que "as universidades deverão estipular como facultativa a freqüência às práticas nas quais estejam previstas atividades de experimentação animal". E "no âmbito dos cursos deverão ser previstas, a partir do início do ano acadêmico, sucessivo à data de vigência da presente lei, modalidades alternativas de ensino que não prevejam atividades ou intervenções de experimentação animal, a fim de estimular a progressiva substituição do uso de animais".

Fica evidente que faculdades de zootecnia, medicina veterinária e engenharia agronômica, além de centros de pesquisa e empresas de pesquisa, como o Instituto de Zootecnia e a unidades da Embrapa em solo paulista, estarão submetidas a uma legislação que, se não cerceia suas atividades, deixa implícito que o ensino e a pesquisa zootécnica de qualidade estão em segundo plano frente ao que se denomina bem-estar animal.

Não há nada de errado em propor um código de proteção aos animais. Aliás, todos aqueles envolvidos com a produção animal seriam, até por vocação, os primeiros a aplaudir tal iniciativa. O problema é quando a legislação é feita por quem não entende do assunto e coloca, por desconhecimento ou descuido, o joio e o trigo no mesmo saco. Ao que tudo indica, foi o que conseguiu o deputado Trípoli (PSDB). Talvez querendo coibir abusos que possam existir em determinadas situações, acabou atingindo instituições sérias de pesquisa, produtores tecnificados e empresas cujo objetivo é trabalhar para produzir um alimento de qualidade, ao menor custo possível. Para isso, em grande parte às vezes, o verdadeiro bem-estar animal é uma necessidade. Qualquer pessoa que conheça produção animal sabe que um desempenho superior só pode ser obtido se o animal for bem tratado. Não é possível imaginar uma vaca confinada produzindo 50 kg de leite por dia, se não estiver bem nutrida, confortável e com sua sanidade em dia.

A impressão que dá é que se trata de mais um daqueles "arroubos de civilidade" que temos de vez em quando, porém sem o conhecimento adequado dos fatos e da ciência. Parece uma tentativa de chegar ao futuro, em que consumidores são demandantes a ponto de interferir de forma radical no sistema produtivo, sem passar pelo presente, em que para grande parte da população o limitante ao consumo é a oferta de produtos de qualidade a preços acessíveis. Parece também que foi feita uma adaptação torta de demandas de grupos de consumidores de países mais desenvolvidos, como os países europeus e da América do Norte. Nestes países, há grupos que pregam o fim da produção animal comercial, sob a argumentação que os animais devem poder ir e vir e não podem ser criados para o abate. Há ainda grupos de consumidores que demandam sistemas de produção e práticas específicos, mas normalmente estão dispostos a pagar mais por produtos que incorporem suas necessidades.

Nesse ponto, me parece claro que o mercado é que deveria ser o balizador: se há consumidores interessados em adquirir animais criados à solta e sem aditivos, que estejam dispostos a pagar mais, como ocorre com os frangos caipiras, produtos orgânicos e afins. Isso vale também para consumidores em outros países, para os quais venhamos a exportar. Submeter todo o sistema produtivo a uma demanda de nicho resultará em custos mais elevados e na perda de competitividade do produtor paulista.

Além do desconhecimento da questão, o fato dessa lei ser aprovada em São Paulo remete para uma outra realidade. A produção animal não é prioritária como em outros estados, nos quais o peso econômico da atividade agropecuária é maior. Essa lei é tipicamente urbana e típica de um estado urbano e industrializado. Para o produtor paulista ser competitivo, as lideranças precisam se articular mais e evitar que excrescências como essa sejam aprovadas.

Essa lei seria, de fato, inimaginável em outros estados. Ao mesmo tempo em que a cadeia de produção animal de São Paulo se vê às voltas com essa peça, vejo, no jornal, duas notícias interessantes. Primeiro (Estadão de 20/09), a notícia da Sadia investindo R$ 1,5 bilhão em Mato Grosso, construindo três abatedouros e uma fábrica de rações, em um complexo industrial em Lucas do Rio Verde e Campo Verde. Diz a matéria que o investimento da Sadia irá gerar 8 mil empregos diretos e outros 24 mil indiretos, além de aumentar a demanda por milho e soja, estimulando a agricultura do estado. Logicamente, esse investimento não poderia ser feito aqui em São Paulo, porque a lei do deputado Trípoli tornaria tal investimento provavelmente ilegal.

A outra notícia é também do Estadão, do último domingo. A matéria fala sobre o grande desenvolvimento da atividade canavieira em São Paulo, com mais de 40 novas usinas projetadas para construção no estado, principalmente na região Oeste. A indústria canavieira é uma atividade que compete com o leite em São Paulo e oferece condições atrativas de remuneração. Todos os estudos e artigos que li sugerem que, para o leite competir com a cana, tem de ser intensificado, com maior produção por área, o que pode ser obtido por pastagens ou confinamento, mas sempre com o uso apropriado de tecnologia. A lei em questão contém elementos que se contrapõe a essa necessidade. Eis, enfim, a nova realidade de São Paulo: em nome do suposto bem-estar dos animais, sai a produção animal e entra a monocultura!

PS - Justiça seja feita: o governador Geraldo Alckmin havia vetado a proposta, mas a Assembléia simplesmente derrubou o veto e aprovou a lei.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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