Voltando ao nosso tema, além da publicação dos dados do Censo das Cooperativas (parabéns a CBCL e OCB pela iniciativa de grande valia ao setor), que revelou números interessantes sobre o perfil atual das cooperativas e de seus cooperados, o evento contou com a proposição de um plano estratégico visando, nessa ordem, criar um sistema de monitoramento de mercado; criar um sistema de comercialização conjunta do leite cru, evitando competição desnecessária entre cooperativas; criação de uma central de compra e venda de insumos; fortalecimento do sistema cooperativista; formação de gestores para as cooperativas e elaboração de novos modelos de gestão.
Essa plano foi alicerçado por dois palestrantes que foram muito felizes em suas apresentações: o Prof. Paulo do Carmo Martins, nosso colunista (seção Conjuntura), pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, que apresentou o trabalho "Tendências e alternativas para o cooperativismo brasileiro", de autoria do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada - CEPEA/USP, do qual é também pesquisador; e o Prof. Fábio Chaddad, brasileiro radicado nos EUA, professor da Universidade de Washington e especialista em cooperativismo lácteo, trouxe as tendências do cooperativismo mundial, mostrando o que vem dando certo e o que não vem.
Várias das informações trazidas pelo Prof. Chaddad contrastam com a nossa realidade. Por exemplo: das 24 maiores cooperativas do mundo, apenas 2 adotam a estrutura Central-Singular, sendo que uma delas é uma cooperativa finlandesa (Valio) que atua somente na exportação e a outra é a Amul, da Índia, que coleta leite de 2,2 milhões de produtores, o que inviabiliza uma estrutura única.
Outro ponto enfatizado por ele foi a separação entre propriedade e controle, que muito afeta nossas cooperativas. Há diversas variações bem sucedidas nas grandes cooperativas, mas o que chama a atenção é que, em todas, o limite das responsabilidades é bem definido: sabe-se quem é dono e quem administra. Os produtores elegem a diretoria - seus representantes -, que contratarão o CEO, principal executivo da empresa e que tocará o negócio. O CEO tem autonomia mas está em contato direto com o conselho formado pelos representantes dos produtores.
Outra informação de grande interesse é que estas cooperativas vencedoras conseguiram, através de diferenças maneiras, fidelizar o cooperado, porém normalmente utilizando contratos definidos de fornecimento e, fundamentalmente, exigindo maior comprometimento, seja pela definição do quadro de associados, que passa a ser fechado, seja pela necessidade de investimento na cooperativa, caso queira ser um membro, seja pelo oferecimento de resultados adicionais ao preço do leite (chegando até a remuneração do capital), não se esquecendo de estabelecer um esquema eficiente de comunicação com o cooperado. Capitalização feita pelo produtor e perspectiva de melhores preços, em última análise, são o que fidelizam. No Brasil, como diz Jorge Rubez, da Leite Brasil, "se nasce um gabiru na fazenda, o produtor demonstra sentimento de posse; já em relação à sua cooperativa, nem sempre ele se porta como dono".
Chaddad mencionou também a sofistificação dos caminhos empresariais adotados por diversas cooperativas no sentido de obter capitalização e investimentos externos, bem como obter maior valor dos seus ativos, incluindo aí a marca ("brand equity"). Ele citou o exemplo da Land O' Lakes (LOL), uma cooperativa cujo maior ativo é o valor de sua marca, mas que não tem recursos para explorá-la da melhor forma possível. O caminho? Licenciá-la para uma empresa privada, a Dean Foods, que paga royalties à LOL e tem um contrato de exclusividade de fornecimento de leite. Nota-se, por esse exemplo, que não há necessariamente um antagonismo entre empresas cooperativas e não cooperativas, mas sim espaço para parcerias e alianças.
Também, Chaddad mencionou a formação de alianças estratégicas entre as próprias cooperativas e entre cooperativas e empresas não cooperativas. O exemplo mais evidente é a Fonterra, que tem atuação em 120 países e formou recentemente uma aliança estratégica com a Nestlé para desenvolver conjuntamente o mercado de lácteos nas Américas (formando DPA). Além da aliança com a Nestlé, a Fonterra formou joint ventures com a DFA nos EUA, com a Arla Foods na Inglaterra e com a Bonlac Foods na Austrália.
Outra aliança estratégica interessante é o caso do Frapuccino nos EUA. O Frapuccino é uma bebida láctea com café que obteve muito sucesso entre consumidores jovens, sendo produzido com leite da DFA, café da Starbucks e distribuição feita pela PepsiCo em todo o território norte-americano, com a marca Starbucks. É que se pode chamar de aliança estratégica com base em ativos complementares.
As alianças estratégicas são, talvez, um caminho mais imediato para alavancar os negócios, sem partir para fusões e aquisições. Porém, ao falar sobre tendências do cooperativismo mundial, não há como fugir delas. Chaddad citou que, não obstante ocorrerem as fusões entre empresas de um mesmo país, hoje já existem fusões entre empresas de países distintos, como a ocorrida entre a MD Foods, da Dinamarca e a Ala, na Suécia, gerando a Arla Foods. Segundo ele, a União Européia está unificando a legislação cooperativista e é de se esperar que haja mais consolidações no continente.
Obviamente, falar em fusões e consolidações é sempre algo complicado, pois envolve, além de questões econômicas, questões políticas. Chaddad mencionou o que ouviu do CEO da Dairy Farmers of America, maior cooperativa de leite dos EUA, captando volume equivalente à produção brasileira: "o processo de fusão de cooperativas envolve, fundamentalmente, reunir os presidentes em uma sala fechada e só deixá-los sair de lá quando responderem as seguintes questões: quem será o presidente, quem será o CEO, qual será o nome da nova cooperativa e onde será a sede. O resto é muito mais fácil de resolver ..."
Esta confidência mostra que os entraves são os mesmos dos nossos e não impediram que uma cooperativa da Califórnia, por exemplo, caracterizada por grandes produtores individuais, se fundisse com uma cooperativa da Pennsylvania, reduto dos pequenos produtores e localizada no lado oposto do país. A pergunta evidente é: se eles fizeram, porque não podemos fazer também?
Claro que não se pode generalizar e, dada a atual situação, o evento de 31/07 foi um grande passo no sentido de começar a gerar um entendimento, uma atuação menos isolada, que poderá criar bases para alianças estratégicas e, quem sabe, fusões. O mercado sabe, no final das contas, que esse é o caminho a ser seguido, em última análise, tanto que é todos acompanham atentamente as cooperativas que passaram por um processo recente de associação ou fusão, como é o caso da Confepar, no Paraná, Centroleite, em Goiás e Leite Nilza, em Ribeirão Preto, a mais agressiva delas.
Tudo indica que o "start" foi dado, na busca da recuperação do espaço perdido no mercado, espaço este que chegou a 60% do leite formal e, hoje, atinge apenas 40%. O importante, para que a engrenagem se mova, é que nos próximos 60 dias diversas ações sejam tomadas para começar a implementar o plano apresentado.
Para finalizar, fico com as reflexões do Prof. Paulo Martins:
- Se as cooperativas originárias de países que protegem os seus mercados estão se fundindo, não seria mais premente essa ação no Brasil?
- Que estímulo tem hoje o cooperado no Brasil para investir seu capital em prol de novos investimentos a serem feitos pela cooperativa?
- O corpo responsável pela gestão da cooperativa está preparado para este novo cenário global?
- Quatro das três cooperativas analisadas estão instaladas no continente americano e explicitam ser prioridade atuar cada vez mais nesse mercado. Com que armas a cooperativa de leite brasileira irá se defrontar nessa competição?
- Qual o papel das Cooperativas singulares atualmente?