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A oferta de leite parece não responder como antes diante do aumento da rentabilidade

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 16/01/2023

6 MIN DE LEITURA

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A Receita Menos o Custo de Alimentação (RMCA) sempre foi uma medida prática da rentabilidade da atividade e, portanto, do aumento ou redução da oferta de leite. Ela é calculada da seguinte forma: pega-se a receita (produção por vaca em um modelo teórico vezes o preço do leite) e subtrai-se os custos de alimentação.

Esse valor resulta na contribuição diária, por vaca, para pagar os demais custos e gerar lucro. Como o custo de alimentação é o principal e mais variável custo, trata-se de uma medida que permite inferir a rentabilidade da produção de leite (capta a receita e o principal custo).

Se a RMCA sobe, tende-se a obter maior oferta de leite em algum momento após essa subida; se cai, o inverso ocorre.

Analisando-se os dados históricos e considerando a RMCA média de um ano e os efeitos na produção de leite inspecionado do ano seguinte (considerando que uma faixa de RMCA irá gerar efeito apenas decorrido determinado tempo), chama a atenção uma tendência interessante: embora as curvas tenham orientações similares (quando sobe a RMCA, sobe a produção; quando cai a RMCA, cai a produção), o gráfico 1 mostra que, a despeito do aumento da RMCA (dados deflacionados, que permitem a comparação anual), o efeito na produção é cada vez menor.

Gráfico 1. RMCA anual para uma vaca de 30 litros de leite/dia x efeitos na produção do ano seguinte - dados deflacionados.

milkpoint

Fonte: elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado com dados do CEPEA e Deral/PR.

 

Em outras palavras, um aumento na RMCA gera um aumento cada vez menor na produção de leite.  Já eventuais quedas geram efeitos bem mais drásticos do que no passado. Essa é uma tendência que impacta o leite brasileiro e seria fundamental que a pesquisa se debruçasse sobre ela para de fato compreender as causas desse fenômeno. Na falta de estudos mais aprofundados, podemos ainda assim fazer algumas inferências sobre possíveis causas:

 

1) Outros custos de produção subiram mais do que o alimento, de forma que a RMCA não tem sido um bom indicativo da rentabilidade da atividade

Para que isso fosse significativo a ponto de afetar a análise, muitos ou todos os demais custos deveriam ter subido consistentemente acima da inflação, o que os dados do ICPLeite da Embrapa Gado de Leite não indicam, conforme observado no gráfico 2. Pelo contrário: os custos de alimentação subiram mais do que os demais custos (as linhas azul e verde acima da linha vermelha). Essa, portanto, não é uma hipótese válida para explicar para o fenômeno.

Gráfico 2. Evolução dos custos de produção (ICPLeite) com base em janeiro de 2016.

milkpoint

 

Fonte: elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado com dados da Embrapa (CILeite).

 

2) Mudança nos sistemas de produção

Nosso trabalho no MilkPoint Mercado tem mostrado um forte aumento nos sistemas confinados. A partir de 2019, fazemos uma pesquisa anual com diversos laticínios, e em 2022 cerca de 41% do leite captado por estes laticínios vieram de confinamento, contra 16% em 2019, conforme descrito no gráfico 3.

É uma mudança brutal e muito rápida. No confinamento, o produtor tem pouca possibilidade de elevar a produção no curto prazo quando há melhores condições de mercado —  as vacas provavelmente já estão no “ótimo” técnico, com a dieta adequada, por exemplo. Não se pode soltar as vacas no pasto quando o preço cai, ou aumentar a ração quando sobe.

O aumento na produção, diante de melhores preços, virá de mais investimentos em instalações, por exemplo, o que leva tempo. É mais ou menos o que se tem hoje no mercado norte-americano.  Assim, essa é uma hipótese plausível para explicar a menor sensibilidade da produção em relação a aumentos da RMCA, mas é necessário ponderar que o confinamento como um sistema representativo do leite nacional é um fenômeno recente — não explica, por exemplo, esse efeito gradual que vem ocorrendo há 2 décadas.

 

Gráfico 3. Pesquisa de Sistemas de Produção, 2022.

milkpoint

 

Fonte: elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado.

 

3) Custos de oportunidade e competição com outras atividades

Aqui certamente temos um fator relevante. Especialmente nas regiões onde a agricultura de grãos cresce, o leite fica mais suscetível à concorrência. Se o módulo fundiário permite escala para a agricultura, a tendência de substituição é ainda maior.

O gráfico 4 mostra o que ocorreu com a produção de leite em Goiás no primeiro semestre de 2022. Embora muitos estados tiveram queda na oferta, os valores goianos surpreenderam, com queda de mais de 20% no leite processado em comparação a 2021.

Com propriedades com áreas relativamente grandes se comparadas com o Sul do Brasil, por exemplo, e com a alta rentabilidade da agricultura de grãos nos últimos anos, para se manter no leite é preciso ter alta produtividade, escala, gestão e, claro, gostar da atividade.  

Quem não tem essas características acaba saindo, ou então permanece explorando o leite em áreas marginais, com baixa tecnologia e com prazo de validade para sair, normalmente quando chega a hora da sucessão.

Gráfico 4. Variação da produção de leite em diversos estados, no primeiro semestre de 2022 vs 2021 (produção inspecionada de leite, a partir dos dados do IBGE).

MILKPOINT

 

 

4) Ambiente de negócios no leite

Não é apenas a rentabilidade comparativa que define se determinado produtor produzirá leite ou soja. É preciso considerar outros aspectos que compõem o que chamo aqui de ambiente de negócios: grau de conflito entre os elos, nível de transparência, tipo do relacionamento (oportunista vs mais cooperativo), ferramentas de previsibilidade ou proteção, acesso a crédito, segurança para investir, e por aí vai. Leite não é uma atividade fácil: dedicação diária, faça chuva ou sol; dia útil, feriado, final de semana.

Precisa gostar, ter vocação. Precisa ter potencial de boa rentabilidade. Mas pode não bastar: mesmo que determinada atividade possa ter, por exemplo, um lucro potencial por área mais baixo, o produtor pode optar por ela se o ambiente de negócios for mais amigável. Como é nosso ambiente de negócios? Qual é a visão que temos da atividade e do setor? Está aí uma área que deveríamos trabalhar mais para termos um setor mais resiliente do ponto de vista de oferta.                                                                  

 

5) Mudanças estruturais na produção

Esta é também uma possível causa forte para que as respostas à rentabilidade sejam menores hoje do que no passado. Nossa estrutura de produção historicamente se baseia em produtores que produzem baixo volume de leite.

A produção mínima que permite uma receita líquida minimamente aceitável está subindo e, nesse processo, muitos acabam saindo da atividade por não ter como adotar o pacote tecnológico necessário, contratar pessoas ou investir em ativos que permitam automatizar o trabalho. O leite que deixa de ser produzido nessas fazendas vai sendo substituído lentamente pelo leite daqueles que rompem a barreira da escala e da tecnologia, mas não é um processo linear.

A tabela 1 abaixo mostra o exemplo de um laticínio que, entre 2020 e 2021, viu exatamente esse processo ocorrer na sua base de fornecedores: produtores com menos de 100 litros/dia (principalmente com menos de 500 litros) perdendo volume e os com mais de 2.000 litros (principalmente com mais de 5.000), crescendo.

Tabela 1. Variação da produção por faixa (dados de um laticínio).

MILKPOINT
Fonte: MilkPoint Mercado.

 

É provável que vários dos aspectos acima contribuem para a situação atual, em que uma melhoria na rentabilidade teórica da atividade não está resultando em tanto leite como antes. A barra subiu. Para voltarmos a crescer com consistência, será necessário mudar a forma de pensar o leite.  

 

Como escreveu Peter Drucker: “o maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência em si – é agir com a lógica de ontem.”

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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MARCELO BRANQUINHO PEREIRA

TRÊS CORAÇÕES - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 13/02/2023

Com certeza , o item 4 , ambiente de negócios, é o que vem causando maior impacto na produção de leite. Dentro desta mesma perspectiva de ambiente de negócios citaria um outro fator. Com o estímulo que as pessoas recebem em nossa economia para largar o emprego ( pacote de benefícios). Varias pessoas largam o emprego diminuindo drasticamente a produtividade de toda economia e enfraquecendo principalmente o setor de serviços. Hoje se sua ordenha ou sua carreta de tratar os animais quebra no final de semana, ninguém te socorre , a fazenda tem que solucionar o problema sem ajuda! Com isso vários médios produtores vem deixando a atividade. Junte -se tudo isso a uma taxa selic de 13,75 , um estimulo a deixar de produzir ! Acredito que nossa produção cairá muito nos próximos 5 anos !
MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

PIRACICABA - SÃO PAULO

EM 13/02/2023

Oi Marcelo, sem dúvida esse será um tema que temos que discutir de forma crescente. Se você, que é um dos produtores mais eficientes do país, tem essa dor, imagine o setor como um todo.
ARNALDO BANDEIRA

CURITIBA - PARANÁ - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 18/01/2023

Talvez o modelo de gestão esteja mudando, passando de gestão de preços pra gestão de resultados. Assim, em vez de gestao com visão de curto prazo baseada apenas na relação de troca, os produtores estejam cada vez mais tomando suas decisões baseadas em indicadores técnicos e economicos, visão de médio/longo prazo. Os ganhos de produtividade observados nos últimos anos podem reforçar essa ideia
.
MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

PIRACICABA - SÃO PAULO

EM 19/01/2023

Obrigado Arnaldo, concordo com você. A questão é que cada vez menos é possível tocar a atividade sem pensar nos indicadoes técnicos e de econômicos. É o que se denomina "profissionalização".
FERNANDO BACK

FORQUILHINHA - SANTA CATARINA - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 18/01/2023

"será necessário mudar a forma de pensar o leite" é isso Marcelo. Enquanto os pequenos e médios produtores estiverem recebendo de 50cent a um real a menos no preço do leite, enquanto as mídias e o alcance da assistência estiverem fora do radar , enquanto a logistica pouco lógica de dois ou três caminhões passando pela mesma rota, enquanto estes produtores estiverem trabalhando de forma isolada e não associados ou cooperados a curva apresentada será muito bem apresentada por você. Estamos no Brasil fazendo mais do mesmo. Trabalhando em acrescentar escala a produção e vamos colher uma concentração na atividade e a procura por uma escala de produção que não tem fim.
MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

PIRACICABA - SÃO PAULO

EM 19/01/2023

Obrigado Fernando. Você apontou algumas das ineficiências da cadeia do leite, que acabam prejudicando o nosso desempenho como setor.
AGROPECUÁRIA SANTA HELENA LTDA

PRATA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 17/01/2023

Finalmente uma reportagem mostrando o que vem acontecendo , faltou ainda falar sobre o artifício da importação que desvaloriza o produto artificialmente mas que hoje é feito para esse fim mas que em
breve será feito por necessidade pq os produtores cansaram dessa relação comercial.
MARILIA FIRMATO ESTEVES AMORIM

NOVA MÓDICA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 17/01/2023

Obrigada
JULIO CÉSAR WAMSER

BARBACENA - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 17/01/2023

Produzir leite no Brasil , nunca foi para amadores. Exige muito gosto pela atividade, coragem e resiliência.
CAB AMJERSEY

IRANI - SANTA CATARINA - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 17/01/2023

Concordo que tem que ter vocação mesmo,porém acompanho hoje em torno de 100 propriedades pequenas de um lacticínio local,a inviabilidade de produção, devido ao alto custo,de insumos e diesel voltado ao preço pago para esses pequenos produtores em um prazo de no máximo 5 a 8 anos mais da metade sairá do sistema aonde acredito que impactará direto no valor do produto local.

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