Alguém que tenha pouca familiaridade com a cadeia do leite pode concluir que estamos estagnados há cerca de 7 anos.
De fato, os dados de produção de leite compilados pelo IBGE mostram que de 2013 a 2020 crescemos somente 3,4% - isso em 7 anos (gráfico 1)! Há pouco tempo, esse era nosso crescimento anual. Na verdade, era maior: de 2000 a 2013, crescemos nada menos do que 4,3% a cada ano. Agora, estamos nesses anos todos empacados nos 34-35 bilhões de litros/ano.
Como bem colocou René Machado, diretor de captação de leite da Nestlé, no nosso ótimo evento Feras da Consultoria, hoje a cadeia do leite no Brasil é um tipo de “rouba-monte”: quando um cresce, o outro precisa diminuir; quando uma empresa vende mais lácteos, alguém perdeu mercado. O bolo não cresce.
O crescimento da produção de leite nas últimas 2 décadas foi muito associado ao crescimento do consumo interno, que praticamente não ocorreu desde a crise econômica que começou em 2014. Como ainda não conseguimos ser exportadores estruturais, o aumento da produção só consegue existir se a ponta da demanda interna estiver puxando – o que não tem ocorrido.
Mas estagnação no volume total não significa que mudanças importantes não estejam ocorrendo – e elas estão, em velocidade muito rápida.
Um primeiro dado interessante é o volume de leite oriundo de sistemas confinados, principalmente nos compost barns. Já há alguns anos, nossa equipe do MilkPoint Mercado faz uma pesquisa com alguns dos principais laticínios, e o gráfico 2 traz o crescimento do leite proveniente desse sistema dentro de seu pool de captação.
Os números saltam aos olhos: apesar de serem percentualmente poucos produtores, o volume de leite é significativo. Na média, 35% do leite destes laticínios já vem de confinamentos. E nada indica que estamos próximos do platô.
Não é mérito deste artigo discutir se isso é bom ou ruim; minha análise é que se está ocorrendo, deve ter uma razão, ou várias, mas que podem ser abordadas em outra análise ou mesmo em outros fóruns de discussão.
O ponto aqui é simplesmente mostrar que, apesar dos números macro do leite brasileiro estarem patinando, há uma profunda mudança ocorrendo, que impacta desde a sazonalidade do leite brasileiro, até o estoque de capital investido e a necessidade de aumento da produtividade, enfim, aspectos que estão ligados à profissionalização do setor (que pode ocorrer também via sistemas com uso intensivo de pastagens, sem dúvida).
Mas a mudança não é fruto exclusivo dos compost barns (que sem dúvida contribuem). Os dados do IBGE mostram claramente o aumento da produtividade, desde muito antes do primeiro compost barn ser instalado aqui, como pode ser atestado por essa esclarecedora animação feita pela CNA:
Os dados mostram que, em 1995, apenas 6 municípios do Brasil produziam mais do que 3.000 kg/vaca/ano. Dez anos depois, em 2005, já eram 126 municípios, enquanto em 2015 esse número já havia subido para 441. Em 2019, último dado incluído na análise, o número subiu incrivelmente para 908 municípios. Está certo que 3.000 kg é um número ainda baixo como piso da faixa de maior produtividade, mas não há como negar que a transformação tem sido ampla e tem se intensificado muito justamente nestes anos em que a produção vem andando de lado.
Outra forma de analisar essa evolução é pelo número de vacas ordenhadas: em 1995, eram 16,5 milhões para a produção de 20,6 bilhões de litros, ao passo que em 2019 o número era praticamente o mesmo – 16,3 milhões de vacas só que para 34,8 bilhões de litros, um aumento de 70% na produtividade.
As mudanças estão alterando também a estrutura de produção de leite no Brasil. Durante a Expointer, foi divulgado um levantamento feito pela Emater/RS mostrando que nada menos do que 52,28% deixaram a atividade entre 2015 e 2021. De 84.199 para 40.182 produtores. Uma enormidade, sem dúvida.
Não é possível afirmar que essa redução tenha ocorrido na mesma magnitude nos demais estados, mas se ocorreu, teríamos hoje cerca de 300 mil produtores vendendo leite à indústria e não os 634 mil apontados no Censo de 2017. Sávio Santiago trouxe uma abordagem muito interessante a respeito dos efeitos desse processo no mix de compra de leite dos laticínios – recomendo a leitura.
O estudo aponta ainda que, apesar da redução no número de produtores, a produção total não foi afetada, isto é, houve aumento do módulo de produção de leite nesse período. Ainda, embora as fazendas com sistemas a pasto sejam a grande maioria, com mais de 90%, o número de confinamentos subiu de 696 para 1398.
Novamente, não é objetivo desse artigo discutir as razões para a saída de tantos produtores, e muito menos entrar na seara de se o movimento é bom ou ruim para o setor ou para o país, mas somente mostrar que a mudança é real e profunda.
E não é de hoje. O artigo dos pesquisadores da Embrapa Denis Teixeira da Rocha e Glauco Carvalho mostra a mudança estrutural entre os Censos Agropecuários de 2006 a 2017, e em 2013 eu escrevi também sobre o tema.
Portanto, não nos enganemos pelos números. Apesar de nossa produção ser praticamente a mesma de 2013, com toda certeza o leite produzido hoje é diferente do leite produzido naquela época (que foi outro dia!).
Está, sem dúvida, ocorrendo uma importante e profunda transformação na estrutura de produção brasileira, que está longe de terminar.
E na sua opinião, quais são as principais mudanças e transformações que vem ocorrendo na produção de leite brasileira? Conte pra gente nos comentários!