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Histórico regulatório da manteiga: o que é manteiga extra, de primeira ou segunda qualidade?

LIPA/UFV

EM 13/09/2023

10 MIN DE LEITURA

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Apesar de ser um dos alimentos mais corriqueiros e consumidos entre os produtos lácteos, a origem da manteiga ainda é pouco conhecida. Presume-se que, juntamente com a coalhada, tenha surgido ainda na pré-história, quando o homem aprendeu a criar e cuidar do gado. Os nomes em português (Manteiga) e em espanhol (Manteca) parecem derivar do sânscrito - manthaga - e foram implementados na Península Ibérica pelos celtas (Sabor da Serra, 2023).

Com base na existência de placas deixadas pelo povo Sumério, existem evidências que sugerem que a manteiga poderia ter sido utilizada na culinária desde 3.000 a 2.500 a.C. A utilização de manteiga na cozinha está enraizada não apenas pelo hábito secular, mas também pela raiz cultural de diferentes povos. Desde a Ghee (manteiga clarificada) na Índia, em que a produção de manteiga está diretamente associada à mitologia Hindu e ao deus Prájapat, passando pela Rússia, onde o final do inverno é comemorado com o festival da manteiga (Maslyanitasa) ou em Marrocos, onde a Smen (manteiga tradicional marroquina) é símbolo de riqueza e muito apreciada em todos os dias festivos (Lactogal, 2023).

No Brasil, em 2022, foram produzidas 75 mil toneladas de manteiga, representando um aumento de 15,38% em relação à 2021. Globalmente, é previsto que o mercado de manteiga cresça a uma taxa de crescimento anual composto de 3,6% durante o período de 2021 a 2027 (Cileite, 2023). Desta forma, nota-se que, desde à antiguidade até os dias atuais, a manteiga é considerada um derivado lácteo muito nobre, sendo explorada tanto para consumo doméstico quanto para o uso como ingrediente para a fabricação de inúmeros outros alimentos.

 Por esse motivo, é importante que a legislação que fixa a identidade e as características mínimas de qualidade deste produto seja clara e assertiva. No caso particular da manteiga, sua legislação passou por uma série de transformações aos longos dos anos. Você já deve ter se deparado em supermercados ou mercearias locais com diferentes tipos de manteiga, como "manteiga extra" e "manteiga de primeira qualidade", não é mesmo? Provavelmente, também tenha notado a presença de manteigas rotuladas como "manteiga de 2ª qualidade". Mas você sabe o significado dessas classificações? Por isso, vamos te contar uma história intrigante e repleta de informações importantes que frequentemente encontramos, mas nem sempre compreendemos completamente, quando se trata dos termos legais que envolvem esse produto.

Destrinchando o histórico regulatório

Não há como negar a importância da manteiga frente ao cenário mercadológico dos derivados lácteos. Entretanto, para termos o produto que temos hoje, houve algumas alterações no histórico da regulamentação da manteiga no Brasil, as quais foram acompanhadas pela publicação dos decretos apresentados resumidamente na Figura 1.

Figura 1. Decretos publicados ao longo da história regulatória da manteiga.

Decretos publicados ao longo da história regulatória da manteiga

 

Decreto n° 24.697 – 1934

O primeiro documento formal referente à legislação da manteiga foi publicado em 1934. Você imaginava que a legislação da manteiga era tão antiga assim? Pois bem, o Decreto n° 24.697, de 12 de Julho de 1934 regulava a fabricação, importação e venda de manteigas (BRASIL, 1934). Este documento qualificava as manteigas assim:

  • Manteiga extra, fina ou superior: fabricada a partir de creme pasteurizado e adicionada de fermento lático, matéria gorda mín. 83%, acidez máx. de 3 cm³/litro, teor de insolúveis máx. 1,50 %, sal máx. 2%, não possuir corante em sua formulação e obter de 85 a 95 pontos na escala relativa às propriedades organolépticas;
     
  • Manteiga de 1ª qualidade: matéria gorda mín. 80%, acidez entre 3 (local de fabricação) - 8 (local de consumo) cm³/litro, teor de insolúveis máx. 2 %, sal máx. 2,5%, uso de corante opcional e 75 a 84 pontos na escala relativa às propriedades organolépticas;
     
  • Manteiga de 2ª qualidade: matéria gorda mín. 80 %, acidez entre 5 (local de fabricação) - 10 (local de consumo) cm³/litro, teor de insolúveis e sal máx. 6 %, uso de corante é obrigatório.

Além disso, o referido decreto também definia a escala de pontos para a classificação das manteigas: Sabor, 50 pontos; aroma, 30 pontos; textura, 10 pontos; salga, 5 pontos e apresentação, 5 pontos.

Em 1943, o Decreto-Lei 5935 alterou alguns artigos do Decreto 24.697, mas nada que fosse específico para a manteiga.

Decreto 30691/1952 – RIISPOA

As primeiras modificações referentes à legislação da manteiga vieram com o decreto nº 30.691, de 29/03/1952, que instituiu o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), e teve como objetivo estabelecer o conjunto de regras, parâmetros e condições para a execução do disposto na Lei 1.283, de 18 de dezembro de 1950 (BRASIL, 1952).

Este novo decreto classificou as manteigas sob o ponto de vista comercial e também de qualidade (Figura 2), além de propor uma nova escala de pontos para avaliação sensorial da manteiga (Quadro 1) (BRASIL, 1952), diferentemente do que trazia o Decreto 24.697/1934.

Figura 2. Classificação comercial e de qualidade de manteigas (BRASIL, 1952).

Classificação comercial e de qualidade de manteigas

Quadro 1. Escala de pontos para classificação dos diferentes tipos de manteiga (BRASIL, 1952).

Escala de pontos para classificação dos diferentes tipos de manteiga

Para este decreto, entendia-se por "manteiga extra" o produto que alcançasse 92 pontos ou mais na escala estabelecida no Regulamento. Além disso, deveria ser produzido a partir de creme com classificação "extra", devidamente tratado, não adicionado de corante; máximo 2 mL de soluto alcalino normal em 100 g da matéria gorda na fábrica, tolerando-se até 3 mL no consumo; 1% de insolúveis e 2% de cloreto de sódio; ser devidamente embalado na própria fábrica ou em estabelecimento registrado; ser mantido em frio e só ser estocado à temperatura mínima de 10 °C.

Já a manteiga de primeira qualidade era considerada o produto que alcançasse 82 a 91 pontos na escala estabelecida; ser obtido de creme de primeira qualidade, devidamente tratado, adicionado ou não de corante vegetal próprio, até tonalidade levemente amarelada; apresentar no máximo 3 mL de soluto alcalino normal em 100 g de matéria gorda na fábrica, tolerando-se 5 mL no consumo; 1,5% de insolúveis e 2,5% de cloreto de sódio; ser devidamente embalado na própria fábrica ou em estabelecimento registrado; ser mantido em frio.

Para a manteiga comum, a pontuação exigida era entre 70 a 81 pontos na escala estabelecida, além de ser obtida de creme próprio à finalidade, com acidez não superior a 65º D (gráus Dornic), adicionado ou não de corante vegetal, na quantidade estritamente necessária a obtenção de uma tonalidade amarelada; apresentar, no máximo: 5 ml de soluto alcalino normal em 100 g (cem gramas) de matéria gorda na fábrica, tolerando-se 8 ml no consumo; 2% de insolúveis e 3% de cloreto de sódio; ser enlatada na própria fábrica, imediatamente após à fabricação.

A denominação de manteiga comum foi atualizada pelo Decreto 1255/1962 para Manteiga Comum ou de 2ª qualidade depois de 10 anos da publicação do decreto 30.691/1952.

Decreto 99.678/1990 e Decreto 1.812/1996

Em 1990, o Decreto 99.678 revogou o Decreto 24.697/1934. Já em 1996, o Decreto 1.812 revogou o sistema de pontuação da escala de avaliação sensorial, eliminou a distinção comercial entre as manteigas (apresentada na Figura 2: Manteiga de mesa e manteiga de cozinha) e modificou as definições das classificações de qualidade do RIISPOA de 1952 (BRASIL, 1996a), deixando-as assim:

  • Manteiga Extra: embalada automaticamente, sem contato manual; obtida a partir de creme pasteurizado classificado como extra e sem adição de redutores de acidez e/ou adicionado de substâncias conservadoras; a água de lavagem deveria ser potável, filtrada, clorada, refrigerada e armazenada em tanque de aço inoxidável;
     
  • Manteiga de Primeira Qualidade: obtida de creme pasteurizado classificado como extra ou de primeira qualidade e que não tinha sido submetido à redução de acidez, nem adicionado de substâncias conservadoras;
     
  • Manteiga Comum ou de Segunda Qualidade: deveria ser obtida de creme classificado como extra ou de primeira qualidade ou de segunda qualidade; podendo-se realizar a redução da acidez do creme, desde que seguida de pasteurização, não sendo permitida a adição de substâncias conservadoras.
     
  • Já a manteiga de cozinha passou a ser “produto que não satisfaça as exigências legais quanto à composição físico-química e/ou microbiológica das demais variedades", definição essa que foi revogada posteriormente pelo Decreto 2244/1997.

Decreto 2.244/1997 e Portaria 146/1996

Esta foi uma das últimas modificações realizadas (pelo menos até agora!). Em 1997, o Decreto 2.244 revogou todas as classificações comerciais, de qualidade e também a escala de pontuação. Atualmente, o que temos válido é apresentado pela Portaria 146/1996 do MAPA, com classificação para Manteiga Extra e de Primeira Qualidade (BRASIL, 1996b):

  • Manteiga Extra: corresponde à classe de qualidade I da classificação por avaliação sensorial, segundo Norma FIL 99A: 1987. 2.2.2;
     
  • Manteiga de Primeira Qualidade: corresponde à classe de qualidade I da classificação por avaliação sensorial segundo a Norma FIL 99A: 1987. 2.

De acordo com essa portaria a manteiga pode ser definida como produto gorduroso obtido exclusivamente pela bateção e malaxagem, com ou sem modificação biológica do creme pasteurizado derivado exclusivamente do leite de vaca, por processos tecnologicamente adequados incorporado ou não cloreto de sódio (NaCl) (BRASIL, 1996b). A matéria gorda da manteiga deverá estar composta exclusivamente de gordura láctea. Além disso, pode apresentar como denominação de venda: “Manteiga” ou “Manteiga sem sal”; “Manteiga salgada” ou “Manteiga com sal”; “Manteiga maturada” (adição de fermentos láticos) (BRASIL, 1996b). O Quadro 2 apresenta os requisitos e os parâmetros mínimos de qualidade da manteiga.

Quadro 2. Parâmetros mínimos de qualidade da manteiga (BRASIL, 1996b).

Parâmetros mínimos de qualidade da manteiga

Além disso, de acordo com essa portaria o ingrediente obrigatório é o creme de leite fresco e os opcionais são: fermentos láticos (maturada); cloreto de sódio até 2g/100g de manteiga; corantes: beta caroteno, cúrcuma; e os coadjuvantes de tecnologia: sais neutralizantes com adição máxima de 2000 mg/kg (BRASIL, 1996b).

Por fim, em junho de 2000 foi criada a Resolução n°4 de 28 de junho de 2000 para instituir o produto denominado “Manteiga Comum”, para comercialização exclusiva no território nacional com especificações de qualidade descritas no documento até que se elabore RTIQ específico do produto.

Considerações finais

Apesar das mudanças e revogações nas classificações de manteiga que foram discutidas neste artigo técnico, é importante notar que, ao registrar uma manteiga na Plataforma de Gestão Agropecuária (SIGSIF-PGA), as opções disponíveis ainda incluem termos como “manteiga”, “manteiga comum”, “manteiga de primeira qualidade” e “manteiga extra”. Isso ressalta a importância e o desafio de se adequar à legislação e compreender o que realmente deve ser considerado na classificação da manteiga.

Portanto, a clareza e a atualização das regulamentações são cruciais para garantir que produtores, consumidores e autoridades possam entender e aplicar de forma consistente os padrões de qualidade da manteiga no mercado lácteo. Por fim, é fundamental que as regulamentações reflitam as evoluções da indústria e atendam às demandas dos consumidores, promovendo a transparência e a qualidade deste produto que é essencial na produção de alimentos e na dieta da população.

 

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Autores:  

Jeferson Silva Cunha (Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).

Isabela Soares Magalhães (Nutricionista, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).

Irene Andressa (Engenheira de Alimentos, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV).

Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)

Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV

 

Agradecimentos: 

Os autores agradecem a CAPES - Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).

 

Referências bibliográficas

BRASIL, 1934. Decreto nº 24.697, de 12 de Julho de 1934. Dispõe sobre a fabricação, importação e venda de manteigas e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1934.

BRASIL, 1952. Decreto nº 30.691, DE 29 de março de 1952. Aprova o novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Diário Oficial da União, 1952.

BRASIL, 1996a. Decreto nº 1812, de 08 de fevereiro de 1996. Altera Dispositivos do Decreto 30.691, de 29 de Março de 1952. Diário Oficial da União, 1996.

BRASIL, 1996b. Portaria n° 146, de 7 de março de 1996. Aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 1996.

CILEITE, 2023. Disponível em: https://www.cileite.com.br/radar_internacional_6#:~:text=Houve%20aumento%20de%20consumo%20de,3%2C08%25%2C%20respectivamente. Aceso em: 31/08/2023.

SABOR DA SERRA, 2023. Origem da Manteiga. Cordeiro/RJ/2009. Disponível em: https://www.sabordaserralaticinios.com.br. Acesso em: 31/08/2023.

LACTOGAL, 2008. Breve História da Manteiga. Disponível em: https://www.lactogal.pt. Acesso em 31/08/2023.

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LUCIANE SIBIM

CRUZEIRO DO OESTE - PARANÁ - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS

EM 15/09/2023

Ótima material!! Parabéns equipe!!

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