Este texto é parte da palestra apresentada por Daniel L. Grooms, no XIV Curso Novos Enfoques na Produção e Reprodução de Bovinos, realizado em Uberlândia em março de 2010.
Introdução
A eficiência reprodutiva é um dos principais fatores envolvidos na viabilidade econômica do setor de criação de bovinos (Feuz e Umberger, 2003; Wolf, 2003). Fatores que afetam a reprodução têm impacto econômico significativo sobre produtores cujas operações dependem da produção de crias saudáveis e viáveis. As causas da ineficiência reprodutiva são diversas e numerosas, indo desde erros simples de manejo, até conjuntos complexos de enfermidades multifatoriais. As enfermidades infecciosas podem constituir uma causa importante de ineficiência reprodutiva. Muitas bactérias, vírus, protozoários, fungos e parasitas foram associados às perdas reprodutivas em bovinos. Este artigo é uma breve revisão das causas infecciosas mais comuns de perdas reprodutivas em bovinos.
Incidência
As doenças infecciosas têm relação com infertilidade, mortes embrionárias precoces, abortos e defeitos congênitos, e são frequentemente referidas como causas de tais perdas por laboratórios de diagnóstico (Tabela 1). A ocorrência de doenças infecciosas foi documentada em aproximadamente 40-50% dos casos de abortos em bovinos (Jerrett et al., 1984; Anderson et al., 1991; Yamini et al., 1990; Kirkbride, 1992a; Kirkbride 1992b; Khodakaram-Tafti e Ikede, 2005; McEwan e Carman, 2005). A incidência de causas infecciosas específicas de perdas reprodutivas pode variar de acordo com vários fatores, da região do país à época do ano. O conhecimento da maneira como tais fatores podem influenciar a incidência de patógenos específicos é importante na elucidação da causa das perdas reprodutivas. Abortos causados por sorovares de Leptospirose que não o hardjo, por exemplo, podem ocorrer nas épocas do ano em que os animais têm mais acesso a ambientes frequentados por animais selvagens, que podem ser hospedeiros de manutenção. Por outro lado, uma vez que os bovinos são os hospedeiros definitivos da L. hardjo, os abortos podem ocorrer sempre que bovinos não infectados entram em contato com bovinos que estão excretando a bactéria.
Tabela 1. Porcentagem de abortos examinados em laboratórios de diagnóstico, com identificação do agente infeccioso.
Causas Infecciosas Comuns de Abortos em Bovinos
Diversos agentes infecciosos foram identificados como causas potenciais de abortos em bovinos. Os agentes virais mais importantes são os vírus da diarreia bovina a vírus (BVD) e da rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR). Os principais agentes bacterianos associados ao aborto bovino incluem Leptospirosis spp., Campylobacter fetus e Brucella abortus. Outras bactérias, tais como Chlamydia, Haemophilus somnus, Mycoplasma spp, Anaplasmosis, Listeria monocytogenes, Salmonella spp e Archanobacterium pyogenes, também foram relacionados ao aborto bovino. O Trichomoniasis e o Neospora caninum são parasitas causadores de perdas reprodutivas. Finalmente, várias espécies micóticas foram associadas à ocorrência de abortos esporádicos em bovinos. Três das causas infecciosas mais comumente diagnosticadas em perdas reprodutivas, o BVD, a Leptospirosis spp. e o Neospora caninum, serão discutidas em maior detalhe no texto abaixo.
Controle das Causas Infecciosas de Perdas Reprodutivas
O controle de doenças infecciosas geralmente envolve um ataque em diversas frentes. O primeiro passo é a redução da exposição aos patógenos em si. O conhecimento dos reservatórios de patógenos específicos é fundamental. Por exemplo, no caso do BVD, o reservatório primário são bovinos persistentemente infectados pelo vírus. A detecção e eliminação deste reservatório é um ponto crítico de controle na redução das perdas reprodutivas causadas pelo BVD. O segundo passo é a melhora da resposta imune dos animais aos patógenos, de forma que, caso a exposição ocorra, a probabilidade de ocorrência de patologia reprodutiva seja menor. A melhora da imunidade envolve a manutenção dos animais em bom estado de saúde geral, por meio do manejo nutricional e ambiental. Além disso, o desenvolvimento de respostas imunes específicas, através da implementação de um programa adequado de vacinação, é benéfico. As vacinas e o momento da vacinação têm que ser escolhidos com base no conhecimento profundo da patogênese da doença e das limitações das vacinas utilizadas. Também é importante lembrar que as vacinas não são 100% eficazes, devendo, portanto, ser utilizadas junto com outras medidas de controle. Finalmente, medidas adequadas de biocontenção precisam ser implementadas para reduzir a introdução e o aumento do número de patógenos. Tais medidas podem ir desde o controle da movimentação de animais, até os testes laboratoriais para a identificação da doença e a desinfecção adequada.
Literatura Citada
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