Esse tema foi abordado no InterLeite Experience e vamos dividir em dois tópicos, a qualidade da água na sala de ordenha e na dessedentação animal.
Antes de abordar o tema precisamos alinhar o que é qualidade da água. Eu definiria uma água com qualidade aquela que não ofereça nenhum tipo de perigo ou risco para a produção leiteira.
Esses dois termos perigo e risco precisam ser bem definidos e estarem muito claros nessa discussão. Enquanto o risco está associado à probabilidade da ocorrência de um efeito, o perigo é a característica intrínseca de uma substância ou de uma situação.
Por exemplo uma água de má qualidade que contenha bactérias seria um perigo enquanto o seu uso, por exemplo na sala de ordenha, traz um risco que pode ser quantificado e expresso em probabilidade, como o aumento da CBT ou CPP no leite.
A Instrução Normativa nº 77, de 26 de novembro de 2018 diz que a água utilizada na sala de ordenha deve ser de boa qualidade. A IN 77 serve como base para a criação do Plano de Qualificação de Fornecedores de Leite (PQFL), um manual que foi elaborado visando ser utilizado como uma guia de apoio para qualificação de bons produtores.
Esse manual, em seu Capítulo 5 aborda os pontos que devem ser observados por produtores de leite no que diz respeito à qualidade da água.
5.1 As fontes de captação de água são devidamente isoladas?
5.2 Os reservatórios de água são periodicamente higienizados?
5.3 Há registro da higienização dos reservatórios de água?
5.4 A água utilizada na limpeza de equipamentos é potável?
5.5 São realizadas análises para avaliação da qualidade da água?
5.6 Existe algum tratamento da água?
Notem que o manual utiliza o termo potável. Mas o que é água potável?
Água potável é aquela que nós humanos ingerimos, água potável é uma água segura para consumo humano, é uma água que não oferece nenhum tipo de risco ou perigo a saúde humana esse é o padrão de água mais exigente que existe.
O padrão de qualidade desta água regulado pela Portaria Nº 888 de 4 de abril de 2021. Essa portaria foi recentemente revisada e inclusive deve ser revisada a cada 5 anos. Essa portaria dispõe sobre os procedimentos de controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.
Queremos aqui enfatizar com isso que toda vez que em qualquer texto, artigo ou apresentação for utilizado o termo o potável estará se referindo a um padrão de exigência para consumo humano, que é o padrão mais elevado que existe ou seja, a norma está dizendo que a água utilizada da sala de ordenha é uma água com padrão de potabilidade, uma água que possa ser consumida sem nenhum tipo de risco ou perigo para o ser humano.
Para entender por que o padrão de qualidade deve ser assim tão elevado, segue aqui apenas um exemplo do que uma água contaminada pode provocar no leite: em uma temperatura acima de 13 °C a população bacteriana dobra a cada 20 minutos. Abaixo de 13 °C o crescimento não para, apenas reduz de velocidade. Podemos notar por esse gráfico o crescimento em milhões de bactérias por mL versos o tempo em horas e notamos que na temperatura de 30° 25° 20° até 15° o crescimento é muito elevado.
Apenas em 4°C que o crescimento fica praticamente estabilizado, mas crescente. A grande questão é quanto tempo leva para o seu leite ser resfriado e depois de resfriado quanto tempo leva para que esse leite seja retirado pela empresa para quem você fornece o leite.
Uma única gota de água contaminada poderá conter até 1.000.000 UFC/mL e a melhor solução para reduzir a contaminação desta água seria uma simples filtração e coloração.
Considere que uma única gota contendo 200.000 UFC contamine 1 litro de leite. A cada 20 minutos essa população vai dobrar enquanto a temperatura estiver acima de 13 ºC. Em 1 hora essa população de 200.000 bactérias será de 800.000 bactérias o que representaria 80.000 UFC/100 mL.
Dependendo do tempo que ainda demorar para resfriar o seu leite ou de quanto tempo o seu leite fica armazenado no tanque até que ele seja recolhido, pode ser que no momento da coleta o seu leite já esteja contaminado acima dos limites permitidos e não foi porque o processo de higiene e limpeza estava errado, ou porque o manejo de ordenha não teve os procedimentos adequados, mas simplesmente porque uma única gota de água contaminada comprometeu a qualidade do seu leite.
Quanto a qualidade da água na dessedentarão animal, vamos voltar ao ponto inicial. Uma água com qualidade para dessedentarão animal é uma água que não ofereça nenhum tipo de perigo ou risco para a produção leiteira e a saúde dos animais.
A má qualidade da água pode afetar aspectos como a ingestão e consequentemente produção e produtividade do animal além de aumentar a mortalidade de bezerros e prejudicar a gestação e até levar a morte. Foram publicados aqui no blog Gestão da Água vários outros textos sobre o tema que eu recomendaria para quem tiver interesse em se aprofundar mais nesse assunto.
Obviamente eu escolhi essa imagem dos animais bebendo água num açude porque ela é a mais inadequada possível.
O animal está bebendo uma água onde ele defeca e urina e nenhum animal que gosta de beber uma água que contém as suas próprias fezes e urina a não ser que não tenha uma alternativa para não ficar desidratado.
Para que tenhamos uma água de qualidade dois fatores são prioritários: primeiro, devemos conhecer essa água fazendo análise dela. Devemos analisar a água nas fontes, (poços, nascentes, açudes) e nos bebedouros conhecer a qualidade da água. Precisamos entender que a qualidade pode gerar problemas ou benefícios e por isso deve ser analisada e interpretada corretamente.
Recomendamos 12 parâmetros que são essenciais e que causam impactos diretos na saúde animal.
Nesse ponto cabe esclarecer uma dúvida recorrente sobre o CONAMA 357 e o CONAMA 396. (CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente).
O CONAMA 357 Classe 3 diz que essa água pode ser utilizada para animais confinados, diz ainda que não deverá ser excedido o limite de 1.000 coliformes termotolerantes para cada 100 ml, essa é uma água extremamente contaminada. Entretanto, essa norma não está dizendo que está água é adequada para o consumo animal, o que ela está dizendo é que essa água, com esse nível de contaminação, poderá ser destinada para o consumo animal em detrimento das Classes 2 e Classe 1 que são destinadas ao consumo humano.
Então se lermos com atenção o CONAMA 357 vamos observar que ela é uma norma ambiental e que sua preocupação é preservar e conservar os recursos hídricos com a finalidade principal de proteger o consumo humano. Assim, quando o CONAMA 357 diz que a classe 3 pode ser fornecida para animais não há a pretensão de estabelecer o padrão de qualidade para consumo de animais e sim que que essa água pode ser utilizada para dessedentação animal.
Para comprovar isso, observem o CONAMA 396 que faz classificação de águas subterrâneas. No seu artigo 35 após a definir todas as classes o CONAMA 396 diz “deverão ser fomentados estudos para definição de valores máximos permitidos que reflitam as condições nacionais especialmente para dessedentação animal e irrigação” ou seja que o padrão de qualidade de água para dessedentação animal deverá ser definido através de estudos.
É aqui que entra o segundo ponto importante da qualidade, tendo a análise em mãos, precisamos tratar a água e adequar sua qualidade para o consumo animal. Nós não temos estudos brasileiros que já tenham definido qual é o padrão de qualidade adequado da água para consumo animal. Essa tabela que apresentei compõe os parâmetros que devem ser monitorados por serem os mais impactantes para a saúde animal.
Se compararem os limites dessa tabela com legislações por exemplo, para consumo humano, notaremos que o que é adequado para consumo humano talvez não seja adequado para o consumo animal. O mesmo acontece se comparado com CONAMA 357 E 396.
A água para o consumo animal em alguns aspectos tem uma tolerância muito maior do que água para consumo humano então eu não precisaria ser tão exigente ao ponto de dar para os animais uma água é que adequada para consumo humano e nem tão descuidado e dar uma água como a Classe 3 do CONAMA 357.
Um exemplo de um aspecto que impacta no consumo animal que é a presença de sulfato, muito comum em águas superficiais principalmente em açudes onde muitos animais bebem água.
Na tabela 1 diz que o ideal é que o nível de sulfato seja menor de 500 mg/L para bezerros e menor do que 100 para animais adultos e que a consequência de serem maiores do que esses valores podem causar problemas de saúde como deficiências de cobre, zinco, ferro e magnésio e taxas baixas de crescimento além de infertilidade, baixa imunidade e deficiência de vitamina B1 até morte.
Notem que o sulfato em excesso além de tirar minerais importantes que muitas vezes são complementados na dieta do animal, ele ainda pode causar alguns problemas indesejáveis que talvez você esteja lutando para descobrir qual é a causa e essa causa pode ser a sua própria água ofertada aos animais.
Finalizando, falamos sobre água potável na sala de ordenha e destacamos que a importância disso se dá pelo fato de que uma água minimamente contaminada pode, ao entrar em contato com o seu leite, aumentar significativamente a CBT ou CPP do seu leite e que o padrão de qualidade esperado pela IN 67 é o de água potável na ordenha.
Destaquei 12 parâmetros que são essenciais para serem monitorados na dessedentação animal sendo que cada um daqueles parâmetros tem um impacto negativo na saúde animal e por isso devemos atentar para eles. O produtor pode não querer fazer uma análise completa da sua água com todos os parâmetros ambientais possíveis, mas pelo menos esses 12 parâmetros eu acredito que deveriam ter controle total sobre eles.
Sem analisar não tem como avaliar, temos que fazer análise da água se queremos ter qualidade na água e no leite produzido.
Para entender o impacto da água na qualidade do leite precisamos conhecer a água fazendo análise. Dois importantes passos para a qualidade da água são analisar e tratar a água.
Deixo aqui um desafio ou um teste com a sua água. Caso o produtor considere que tem um completo domínio e controle sobre os números da sua produção, mas não está satisfeito, mude a forma como cuida de sua água, faça análise e adote um sistema de tratamento ou simplesmente troque a fonte de água de bebida dos animais por uma água mais limpa, com bebedouros adequados e limpos.
Caso não possa fazer em todo rebanho, isole alguns animais e de água melhor para eles e acompanhe por 30 dias os seus resultados e observe se vão melhorar ou não e depois, quem sabe, até a me mande uma mensagem aqui compartilhando o que observou.