Recentemente, um vídeo tem chamado atenção das redes. Um produtor de leite localizado em Ontário, província que faz divisa com os Estados Unidos, divulgou em sua rede social um vídeo que mostra o descarte de 30.000 litros de leite no esgoto. O motivo? Sua cota de produção para o mês já havia sido atingida e o governo o obriga inutilizar esse leite excedente.
O que são as cotas de leite no Canadá?
As cotas de leite são um sistema de regulamentação da produção de leite no Canadá que limita a quantidade de leite que os produtores podem produzir. Esse sistema foi estabelecido com o objetivo de controlar a oferta de leite e garantir preços estáveis aos produtores de leite do país.
Com as cotas de leite, os produtores são autorizados a produzir uma determinada quantidade de leite por ano ou mês, medida em toneladas de leite. Se um produtor quiser produzir mais leite do que sua cota permite, ele precisa comprar cotas adicionais de outros produtores. Isso cria um mercado para as cotas de leite e permite que os produtores possam se adaptar às mudanças na demanda de leite.
O custo das cotas é bastante elevado, variando bastante entre as províncias. Em Quebec, por exemplo, o direito de produzir leite vale 24.000 dólares canadenses por vaca (US$ 17.700 aproximadamente), ao passo que, em Alberta, atingem 58.000 dólares canadenses. Um produtor de 50 vacas precisaria aportar 2.900.000 dólares canadenses (R$ 11.400.000) para ter o direito de produzir e comercializar o leite destes animais. Não é preciso muito para concluir que poucos produtores iniciam na atividade.
As cotas de leite também ajudam a proteger a produção leiteira da volatilidade dos preços, pois garantem que o preço do leite não caia abaixo de um nível mínimo estabelecido pelo governo. Isso incentiva os agricultores a investir em suas fazendas e melhorar a qualidade do leite produzido.
Em geral, as cotas de leite são uma ferramenta importante para garantir que a produção de leite no Canadá seja estável e sustentável a longo prazo. No entanto, o sistema também é criticado por alguns agricultores e grupos de defesa dos consumidores, que argumentam que as cotas limitam a concorrência e aumentam os preços do leite para os consumidores (o que de fato acontece).
Também, para o sistema funcionar, é preciso limitar a entrada de leite importado, já que como os preços de leite se mantém artificialmente altos (veja o gráfico 1, comparando os preços em dólar para diversos países), há o incentivo natural para as importações aconteçam. Essa limitação é obtida através de fortes barreiras de entrada ao leite importado.
Gráfico 1. Comparativo dos preços do leite pago aos produtores, em dólar, para diversos países
Fonte: Gráfico elaborado pela equipe do MilkPoint Mercado, com dados do CEPEA, Magyp, Inale, Clal, ODEPA, DG Agri, Clal e Alberta Milk.
Para manter esse sistema todo funcionando, que gera custos à sociedade, é necessária uma enorme força política, além de comunicação constante com o consumidor. Um artigo recente mostra a força do lobby político do setor lácteo no Canadá.
A sustentação do programa passa pelo apoio popular e pelo marketing. O site da associação Dairy Farmers of Canada traz muitas informações a respeito da sustentabilidade, qualidade e transparência da produção local. O Toronto Maple Leafs, um dos principais times de hockey no gelo (esporte mais popular do país) é patrocinado pela associação Ontario Dairy, que estampa a palavra “milk” nos uniformes.
Até quando o sistema se manterá? Ninguém sabe.
Embora seja favorável aos produtores, o cenário recente é mais desafiador. O alto custo das cotas dificulta em muito a expansão dos rebanhos. Questões de sucessão familiar são certamente um problema. Ainda, o aumento dos custos de produção tem gerado problemas aos produtores, já que o preço do leite já é elevado e mesmo um país de renda média alta, como o Canadá, pode enfrentar problemas de demanda ao repassar os custos.
É triste ver um produtor despejando 30.000 litros fora, mas é importante reconhecer que essa situação é parte de um sistema que, no final das contas, é feito para proteger os produtores.