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A epidemia da vaca louca (parte 3)

PRODUÇÃO DE LEITE

EM 12/03/2004

11 MIN DE LEITURA

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Por João Carlos de Campos Pimentel1

As encefalopatias esponiformes humanas

Algumas TSE humanas são doenças genéticas, causadas por mutações nos genes da PrP. Outras TSE se comportam como infecções, nas quais o agente da doença invade um novo hospedeiro a partir de um outro hospedeiro, doente ou em incubação. Outra TSE é a primeira doença conhecida causada por um novo princípio patogênico, a alteração da conformação de uma proteína celular normal, a PrPc. Todas essas diferentes formas de TSE criam um "todo" muito complexo.

A mais freqüente das TSE humanas é a Doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD). Até março de 1996, três formas de CJD eram conhecidas: a esporádica, a familiar (ou hereditária) e a infecciosa (ou iatrogênica). Os serviços de vigilância epidemiológica de todos os países que relatam seus dados estatísticos informavam taxas de incidência para a CJD que eram muito semelhantes entre si: em torno de um novo caso para cada milhão de habitantes, por ano. No Reino Unido, estas três formas reunidas também apresentavam essa incidência de cerca de 1 caso por milhão de habitantes por ano. Mas em março de 1996, as autoridades governamentais do Reino Unido reconheceram a existência da nova Variante da Doença de Creutzfeldt-Jakob, a vCJD. Reconheceram também, em vista das evidências científicas acumuladas, que a única explicação plausível para a nCJD era que o agente causador da doença da vaca louca havia saltado a barreira interespecífica entre os bovinos e os humanos. Assim, estudaremos mais profundamente os números da incidência das TSE humanas no Reino Unido.

A DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB

Os médicos alemães Alfons Maria Jakob (1884-1931) e Hans Gerhard Creutzfeldt (1885- 1964) relataram, na década de 20 do século passado, a doença que leva seus nomes. A CJD é sempre letal: não há tratamento, vacina ou antídoto para qualquer uma das TSE. A CJD aparece mais freqüentemente entre a quinta e a sexta décadas de vida do paciente. Seus sinais são, entre outros, demência de rápida progressão, perda da memória, diminuição da atividade social, depressão, distúrbios da fala, distúrbios psiquiátricos (depressão, principalmente), movimentos mioclônicos (abalos musculares involuntários), tremores, falta de coordenação dos movimentos associados ao andar (ataxia) e postura rígida. O período médio de tempo que vai do início dos sintomas até a morte do paciente é de cerca de 4 a 6 meses. Poucos pacientes conseguem sobreviver 1 a 2 anos após o início dos sinais. Estes se devem a uma grande e rápida perda de neurônios do Sistema Nervoso Central (isto é, de neurônios cerebrais). O diagnóstico clínico é feito através da observação dos sinais no paciente, da obtenção de um traçado de eletro-encefalograma típico e da análise de imagens de ressonância magnética do cérebro. No entanto, pode haver confusão diagnóstica com outras doenças do SNC, como a Doença de Alzheimer. Apenas a demonstração das lesões espongiformes típicas em exames histológicos de tecidos cerebrais (obtidos por biopsia ou por necropsia) confirma o diagnóstico.

CJD ESPORÁDICA

A primeira forma da CJD é a forma esporádica, abreviada aqui como sCJD. São os casos aos quais não se pode associar nenhum fator de risco biológico ou comportamental ao paciente. Eles ocorrem espontaneamente nas diversas populações humanas do planeta, atingindo homens e mulheres em proporções semelhantes. Já conhecemos uma causa destes casos esporádicos: é a alteração que ocorre espontaneamente na proteína PrPC levando-a a se transformar em prion PrPSc. Outra é uma mutação no gene que produz a PrP nas células somáticas ("todas as células da pessoa", menos suas células germinativas). A PrPC produzida por esse gene tem uma taxa de alteração para PrPSc maior que a produzida pelo gene normal.

Nos Estados Unidos da América, nação reconhecida pela excelência de suas estatísticas em saúde humana, ocorrem cerca de 250 novos casos de sCJD por ano. Monitorando as incidências das doenças humanas nos EUA, através da análise de atestados de óbito de todo o país, o Center for Disease Control (CDC) informa que a taxa de mortalidade por sCJD permaneceu constante entre 1987 e 2003. Para o período de tempo que vai de 1987-1990, a taxa de mortalidade de sCJD foi de 0,98 casos para cada 1 milhão de habitantes. Segundo o CDC, entre 1995-1998 ocorreram nos EUA 1,03 casos de sCJD para cada 1 milhão de habitantes. O número de mortes de pessoas com menos de 30 anos que morreram de sCJD foi extremamente baixo: menos de 1 para 200 milhões de pessoas por ano.

AS TSE FAMILIARES

A TSE familiares são transmitidas mendelianamente, através dos gametas que se unem para formar um novo indivíduo. Isto implica que houve uma mutação no gene da Proteína Prion (a PrP) nas células germinativas de uma pessoa em alguma geração de ascendentes. Essa mutação torna a PrP produzida pelo indivíduo muito mais predisposta a se alterar em PrPSc. Esse gene mutante é passado dos pais para a prole de modo dominante. Isto significa que há necessidade da herança de apenas uma cópia do gene mutante para que um indivíduo desenvolva a doença. O gene mutante pode ser transmitido através do pai ou da mãe para o filho ou para a filha porque está localizado em um cromossomo autossômico (i.e., um cromossomo não sexual).

A CJD FAMILIAR

Cerca de 10 a 15% dos novos casos anuais de CJD, conhecidos como CJD familiar (fCJD), ocorrem em algumas famílias espalhadas pelo mundo. Por exemplo, em algumas famílias de judeus originados na Líbia, a taxa de incidência de CJD é cerca de 30 vezes mais alta que a taxa de incidência da população em geral. Hoje se sabe que este gene - que codifica a produção da PrP dos indivíduos destas famílias - apresenta uma mutação no códon 200. Foram identificadas diversas mutações que produzem o prion PrPSc. Outras mutações também foram identificadas em outros genes, mas sem causar a doença. No entanto, sua importância reside no fato de que podem tornar o indivíduo mais suscetível a adquirir a forma clássica ou esporádica da doença.

SÍNDROME DE GERSTMANN-STRÄUSSLER-SCHEINKER

A Síndrome de Gerstmann-Sträussler-Scheinker (GSSS) também tem causa genética e é herdada de maneira autossômica e dominante. No entanto, ela é ainda mais rara que os três tipos de CJD (1 caso para 10 milhões de habitantes por ano). Seus sinais são incoordenação progressiva dos movimentos associados ao andar (ataxia locomotora progressiva de origem cerebelar) e demência progressiva (que pode estar ausente). Ocorre na quarta ou quinta década de vida do paciente. Outro sinal, que a diferencia da CJD familiar, é sua longa duração clínica: em torno de 2 a 10 anos de curso. O exame histopatológico do cérebro também mostra a alteração espongiforme.

INSÔNIA FAMILIAR FATAL

Recentemente descrita, esta doença também é uma encefalopatia espongiforme de origem genética. Seu sinal é uma insônia intratável, isto é, uma incapacidade total para dormir. Ela ocorre devido a duas mutação no gene da PrP, nos resíduos dos aminoácidos D178N e M129. À necropsia, o exame mostra severa atrofia do tálamo, um centro de neurônios localizado bem no interior do cérebro.

DCJ INFECCIOSAS

Cerca de 1% dos casos de DCJ -são infecções adquiridas indiretamente de outro ser humano. Estas CJD são causadas por procedimentos ou intervenções médicas. São os casos de DCJ iatrogênica (iDCJ). Os procedimentos e cirurgias são aplicação de Hormônio do Crescimento Humano (Human Growth Hormone, HGH), implante de córnea e de enxertos de dura-máter, a membrana de tecido conjuntivo protetor que reveste o encéfalo e a medula espinal. O problema é que estes materiais podem estar contaminados com prions PrPSc se forem obtidos inadvertidamente de cadáveres de pessoas com CJD (esporádica ou familiar) não diagnosticada. Basta que a pessoa doadora tenha morrido ainda na fase de incubação da doença (quando não há sinais clínicos evidentes da doença).

Outra causa de iCJD é a utilização de instrumentos contaminados em cirurgias realizadas em órgãos do Sistema Nervoso Central. Algumas pessoas têm adquirido CJD após serem submetidas a intervenções cirúrgicas ou a exames realizados com instrumentos médicos utilizados anteriormente em pacientes de sCJD, como eletrodos usados em eletroterapia cerebral para tratamento de doenças como epilepsia. O fato é que os médicos desconheciam que métodos normais de esterilização, como autoclavagem e passagem em solução de aldeído fórmico, não conseguem inativar o PrPSc. Assim, estes materiais médicos (órgãos, hormônios e equipamentos cirúrgicos) transmitem o PrPSc para as pessoas nas quais são usados em seguida.

KURU, A DOENÇA TRIBAL

Em meados do século XX um surto de uma doença muito estranha entre os nativos da ilha de Papua - na Nova Guiné - ajudou a lançar luzes sobre o problema das encefalopatias espongiformes transmissíveis. Na década de 50 e 60, uma epidemia de doença neurológica denominada "kuru" estava grassando entre algumas tribos do povo Fore, isoladas geograficamente no interior da ilha, e matando especialmente mulheres e crianças.

Daniel Carleton Gajdusek, pesquisador americano, realizou um estudo epidemiológico e descobriu que todas as pessoas afetadas pela doença tinham participado de um ritual de luto. Neste ritual os parentes do morto se alimentavam de partes de seus corpos (incluindo os cérebros). A hipótese mais aceita sobre sua origem é que um primeiro nativo tenha falecido de uma sCJD. Ao ter seu cérebro ingerido pelos seus parentes, ele tornou-se uma fonte de infecção para estas pessoas. Estas pessoas, após um longo período de incubação, adoeceram por sua vez. E, vindo a falecer, tornaram-se fonte de infecção para outras pessoas, seus parentes; que também os devoraram ritualisticamente. E, assim por diante, com ciclos de novos doentes e de novo canibalismo ritual, a epidemia progrediu. Como era comum, por razões sociais, uma maior participação de crianças e mulheres nesse canibalismo ritual, a probabilidade delas desenvolverem a doença era maior. Após a proibição do ritual pelo governo, a taxa de incidência declinou muito rapidamente. Hoje em dia o kuru é muito raro. São indivíduos de meia-idade ou já idosos que se contaminaram ainda na infância. Tribos vizinhas que praticavam o mesmo ritual, mas isoladas em termos de parentesco com as tribos afetadas, não desenvolveram a doença. Gajdusek, que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina de 1976 pelo estudo epidemiológico no qual demonstrou a infecciosidade do kuru, também achava que o agente causador era um "vírus lento", o tipo de agente infeccioso que toda a comunidade científica pensava ser o causador das TSE.

A NOVA VARIANTE DA DOENÇA DE CREUTZFELDT-JAKOB (vCJD)

O tipo até então desconhecido de CJD - e reconhecido pelo governo do Reino Unido em março de 1996 - foi chamado de "nova variante da CJD". Abreviadamente, vCJD. Diferentemente da forma esporádica da doença (a sCJD), em que os doentes são pessoas entre 50 e 70 anos, a vCJD é uma doença cerebral que acomete, preferencialmente, pessoas jovens. No Reino Unido, a idade média da ocorrência da morte no caso da vCJD é de 28 anos. Enquanto isso, nos Estados Unidos, por exemplo, a idade média com que a pessoa afetada pela sCJD vem a falecer é de 68 anos.

A sCJD e a vCJD são diferentes clinicamente. O diagnóstico da vCJD é baseado em um quadro de critérios clínicos desenvolvido no Reino Unido. Ao início do quadro clínico da vCJD em pessoas afetadas no Reino Unido, os sinais são preponderantemente de ordem psiquiátrica ou sensorial. Mais tardiamente ocorrem sinais neurológicos - incoordenação motora ao andar e tremores involuntários nas mãos além de postura rígida do corpo. O eletro-encefalograma não tem a aparência típica do EEG da sCJD. Esse diagnóstico só pode ser confirmado através de exame de material do SNC. Exames histopatológicos do cérebro e do cerebelo (obtidos através de biópsia ou de necropsia) mostram forte alteração espongiforme. Como ocorre com todas as outras TSE, ainda não existe tratamento eficiente para a vCJD.

O período de incubação da vCJD provavelmente se situa entre "muitos anos" a "algumas décadas". Isto significa que uma pessoa que tenha consumido produtos derivados de bovinos (industrializados ou não) que tenham sido contaminados pelo prion da BSE pode levar anos ou décadas para desenvolver os primeiros sinais da doença desde o momento em que tenha ingerido o prion PrPSc causador da BSE.

INCIDÊNCIA DA CJD NO REINO UNIDO

O Reino Unido é o grupo de nações formado pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte (além de algumas ilhas do Canal da Mancha pertencentes à família real britânica). Foi no Reino Unido onde apareceu não apenas a vCJD, mas também onde a Doença da Vaca Louca, a BSE, começou e atingiu seus maiores números. Até dezembro de 2003, haviam sido registrados 139 casos de vCJD no Reino Unido. Outros casos ocorreram na França (6 casos), Canadá, Irlanda, Itália e EUA (apenas uma pessoa afetada). Quase todas os casos ocorreram entre pessoas que viveram anos no Reino Unido, entre 1980 e 1996, durante a fase crítica da grande epidemia de BSE que ocorre no rebanho bovino britânico. Em todos os casos de vCJD, o indivíduo afetado viveu pelo menos um certo tempo em um país cujo rebanho bovino apresentava a BSE. A suposição atual dos cientistas que assessoram o governo britânico é que todas essas pessoas tenham se infectado através da ingestão de produtos contaminados com o prion patogênico PrPSc bovino. Isto é, que o PrPSc bovino saltou a barreira interespecífica que separava humanos dos bovinos.

A tabela seguinte mostra a incidência absoluta das várias formas da CJD no Reino Unido, divididas por tipo, mais a GSSS, de 1990 a 2003. O gráfico mostra os mesmos dados. Note o aparecimento da vCJD a partir de 1995. Note também uma tendência de aumento da sCJD, talvez devida a um aumento não na taxa de incidência real, mas a um aumento na eficiência de diagnósticos dos médicos e do sistema de vigilância governamental (agora mais preocupados com a doença).

 

 


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1João Carlos de Campos Pimentel é médico veterinário, Assistente Agropecuário IV da CATI-SAA-SP e membro do conselho técnico da ANAPECC (antigo Sindipec).

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