Formular dietas para vacas leiteiras nem sempre é uma tarefa fácil. Por este motivo, conhecer o consumo de matéria seca (CMS) e como ele é afetado é o primeiro passo para que seja possível estimar corretamente a produção de leite de vacas leiteiras.
Diante disso, este artigo tem por objetivo trazer informações atuais, baseadas nas atualizações do NRC (2021) sobre CMS e como ele pode ser influenciado por fatores físicos (e.g., enchimento ruminal).
O enchimento ruminal limita o CMS pela transmissão de sinais nervosos de mecanorreceptores presentes no rúmen para o sistema nervoso central (SNC). Esse mesmo mecanismo, também se aplica ao abomaso, em que a enchimento abomasal produz sinais via mecanorreceptores que atuam no centro de saciedade, contribuindo para a redução do CMS.
Ou seja, o CMS pode ser afetado pelo enchimento do trato gastrointestinal, independentemente do local em que o estímulo nervoso é gerado (rúmen ou abomaso). Nesse contexto, a concentração de fibra insolúvel em detergente neutro (FDN) presente nas dietas também possui relação com enchimento ruminal.
Por muitos anos, a concentração de FDN da dieta total foi utilizada como principal característica para predizer o CMS de vacas leiteiras. Porém, utilizar apenas a FDN como indicador não é adequado. Diante disso, surge o conceito da FDN oriunda da forragem (FDNf), a qual possui tempo de retenção ruminal maior do que a FDN de outras fontes alimentares. O tempo de retenção para a FDNf é maior porque ela possui maior tamanho de partícula e maior flutuação das partículas no rúmen, o que contribui com a formação do mat ruminal (emaranhado de partículas flutuantes recém ingeridas e partículas longas em processo de digestão microbiana).
A maioria dos estudos relata diminuição do CMS conforme aumenta o FDNf, porém isso pode variar de acordo com a digestibilidade dos alimentos e com o efeito de enchimento da FDNf. Em contrapartida, alimentos que contém elevado teor de FDN não oriundo de forragem (e.g., casca de soja, DDG) possuem tamanho de partícula menor e maior digestibilidade; ou seja, o efeito dessa FDN sobre o enchimento ruminal será menor, influenciando pouco o CMS. Portanto, o teor de FDNf é uma variável que influencia mais o CMS do que o teor de FDN total de uma dieta.
A digestibilidade da FDN varia conforme a maturidade das forragens e de acordo com o tipo de forragem (gramíneas vs. leguminosas). Forragens mais maduras tornam-se mais lignificadas, e quanto maior a quantidade de lignina, mais indigestível será a forragem. A redução na digestibilidade da FDN reduz o CMS.
Estudos mostram que o aumento de uma unidade na digestibilidade de FDN corresponde a aumento de 0,17 kg/dia no CMS e 0,25 kg/dia na produção de leite corrigida para gordura (Oba e Allen, 1999), respectivamente. Isso demonstra que trabalhar com forragens que apresentam boa digestibilidade de FDN é importante para estimular o CMS e otimizar a produtividade das vacas leiteiras.
O tamanho inicial das partículas também afeta a digestibilidade da FDNf. Partículas longas são essenciais para compor o mat ruminal, o qual funciona retendo partículas pequenas de fibra, contribuindo com o aumento da digestibilidade dessas partículas, e consequentemente aumento no CMS.
No caso de forragens de baixa qualidade, o NRC (2021) sugere diminuição do tamanho de partícula dessas forragens. Essa ação tende a facilitar a degradação da fibra pelos microrganismos ruminais, o que pode reduzir o enchimento ruminal e contribuir para aumento no CMS.
O efeito de enchimento da FDNf também é afetado pela fragilidade das partículas, que está relacionada com a redução de tamanho durante o processo de mastigação e ruminação. Quanto mais frágeis as partículas de forragem consumidas, mais fácil e rápida será a redução de tamanho dessas partículas, e menor será o enchimento ruminal causada pela FDN. O contrário também é válido: se as partículas demorarem mais tempo para serem “quebradas”, resultará em aumento do enchimento ruminal por FDN, o que refletirá em queda de CMS.
Embora a FDN de gramíneas apresente menor teor de lignina sendo mais digestível em comparação com a FDN oriunda de leguminosas, o CMS para gramíneas, na maioria das vezes, é menor. No entanto, a FDN de gramínea possui maior digestibilidade in vitro do que FDN de leguminosa. Isso é resultado do maior tempo de retenção ruminal das gramíneas, o que vai causar maior efeito de enchimento ruminal.
Esse é um ponto do qual é necessário bastante atenção, pois a classificação em relação a gramíneas e leguminosas é realizada de forma automática pelo software do NRC (2021) e leva em consideração a relação FDA/FDN. Porém, essa relação utilizada na classificação foi baseada em forragens norte americanas, o que pode gerar predições de consumo equivocadas no cenário brasileiro. Um exemplo prático é a inclusão de cana de açúcar na formulação de dieta, que pelo novo modelo seria considerada uma leguminosa devido a sua relação FDA/FDN, o que acarretaria em uma predição de consumo errônea.
Portanto, o CMS pode ser afetado pelo tipo, pela fonte e pela forma que a FDN é ofertada às vacas.
Ainda, a intensidade que o enchimento ruminal vai limitar o CMS de vacas está diretamente relacionado às demandas energéticas em cada fase do ciclo produtivo. Vale lembrar que o CMS pode ser afetado por outros fatores (e.g., metabólicos) que serão abordados em um próximo artigo.
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Referências bibliográficas
OBA, M.; ALLEN, M. S. Evaluation of the importance of the digestibility of neutral detergent fiber from forage: effects on dry matter intake and milk yield of dairy cows. Journal of Dairy Science, v. 82, n. 3, p. 589-596, 1999.
NRC, 2021. Nutrient Requirements of Dairy Cattle 8th rev. ed. Washington DC: National Academy Press.