
Renato José Beleze é médico veterinário e está há cerca de 5 anos na presidência da Confepar, uma central paranaense que reúne 8 cooperativas e que coletou, em 2004, 189 milhões de litros de leite a partir de 5467 produtores, segundo o ranking Leite Brasil/OCB-CBCL/CNA/Embrapa Gado de Leite. A Confepar tem sido uma das pioneiras na exportação de lácteos, junto a Serlac, e tem participado ativamente de iniciativas setoriais, como o Conseleite, da qual foi uma das incentivadoras, da Láctea Brasil e da CBCL. Recentemente, a empresa concluiu a ampliação da fábrica de leite em pó, com capacidade para mais 450 mil litros diários. Hoje, a empresa capta 800.000 litros diários. Renato falou ao MilkPoint com exclusividade sobre o mercado atual, sobre as perspectivas futuras e mostrou-se otimista, embora realista, com o futuro do setor.
MILKPOINT: Como você avalia o mercado de leite hoje?
RJB: O mercado está melhorando, com fevereiro já sinalizando uma evolução. Minha expectativa é que, nesse ano, o maior ganho de mercado deve ocorrer no mercado interno mesmo, ao invés do mercado externo, como ocorreu no ano passado. Isso será fruto do crescimento do PIB e do aumento salarial de abrul. A exportação está muito complicada. Não temos uma política de exportação consistente. Com o dólar chegando ao ponto que chegou, não há como investir na exportação. Em relação a preços de leite, minha avaliação é que não teremos os picos que tivemos no ano passado, mas por outro lado acredito que não teremos grandes quedas. As informações que trabalho hoje sugerem que deve haver elevação de preços até junho. Agora, depende muito do dólar. A expectativa é que o dólar atinja R$ 2,40 a 2,50 no final do ano, pelo menos, senão vai complicar muito as exportações do agronegócio.
MKP: Falando em exportação, como você avalia a experiência de exportação de leite da Confepar?
RJB: Estamos exportando através da Serlac, da qual somos sócias, mas por enquanto exportamos pouco porque tivemos pouco produto para exportação desde que começamos a operar. Neste ano, devemos ter mais produto, até porque ampliamos a fábrica. Acreditamos no mercado de exportação, mas desde que o governo defina uma política consistente para essa finalidade, caso contrário é arriscado demais.
MKP: A Confepar acabou de concluir nova fábrica de leite em pó. Como você vê essa corrida para a construção de novas plantas de leite em pó e condensado?
RJB: São produtos que podem virar "commodities", como queijo e o longa vida, à medida que muitas empresas começam a produzir. A concorrência tem um lado positivo, que é forçar a profissionalização do setor. Com ela, deve haver uma maior concentração de empresas, que acaba levando a maior eficiência.
MKP:Muito se fala de cooperativismo, dos problemas existentes, mas pouco acontece em relação a fusões ou mesmo alianças. Porque?
RB: É tudo uma questão de tempo. Quando o mercado sinalizar a necessidade da mudança, as coisas vão acontecer. E tenho certeza que irá acontecer mais rápido do que imaginamos. Não será surpresa se aquilo que não aconteceu em 10 anos, de repente acontecer em um ano. Mas quem vai ditar o ritmo será o mercado, sem dúvida alguma.
"Minha avaliação é que não teremos os picos de preços que tivemos no ano passado, mas por outro lado acredito que não teremos grandes quedas".
MKP: O Paraná foi pioneiro com o Conseleite. Que avaliação você faz hoje dos resultados após a implantação do sistema?
RB: A avaliação é muito positiva, apesar de que tivemos dificuldades em relação a algumas indústrias, que chegaram a sair por achar que estavam se expondo demais, depois voltaram. A visão nossa é de sempre contribuir para a cadeia do leite, que é relativamente menos unida e organizada do que nossos concorrentes, que estão fora da cadeia do leite. São as bebidas isotônicas, os refrigerantes e outras que competem com o leite. Temos muito a ganhar se fizermos algo em conjunto. O Conseleite ajuda essa conversa entre os dois elos da cadeia: o produtor, que é o mais desorganizado, e a indústria, que ainda é desorganizada. Através do Conseleite, nos reunimos uma vez por mês, traçamos estratégias em conjunto, "brigamos" com o governo na questão do ICMS. Tem sido uma oportunidade para o produtor ter a visão da indústria e esta conhecer mais a visão do produtor. Isso não acontecia antes. A outra vantagem importante a respeito do Conseleite é que traz informação, algo que nosso setor é carente demais. A informação é fundamental para sabermos o que está acontecendo no mercado, dá uma previsibilidade maior ao produtor, evita de fazermos "loucuras".
MKP: Você acha que será implantado em outros estados?
RB: Difícil dizer, você deve ter uma visão melhor do que a minha nessa questão. O que vejo é que sempre tem alguém de fora nas reuniões do Conseleite, vendo como funciona. Acredito que essa é uma sinalização positiva.
MKP: Como está a implantação da IN 51 no Paraná?
RB: Nós estamos pegando aqui pela necessidade da empresa, entendendo que a IN 51 não é nada mais do que aquilo que devemos fazer se nosso objetivo for entrar no mercado exportador. Estamos forçando a adoção muito mais por uma necessidade de mercado. Eu inclusive acho que por lei ela não vai entrar, mas sim por força de mercado. Nesse aspecto, acredito que teremos dois perfis distintos de pecuária leiteira, uma restrita ao mercado informal, que não terá IN 51 e será como hoje. Também, não acho que crescerá muito, ficando mais restrita ao mercado regional. A outra será a nova pecuária de leite, profissionalizada, adequada a IN 51, com rastreabilidade e qualidade. As próprias empresas não vão querer o leite vindo do primeiro tipo, pois um produtor pode estragar toda uma operação de exportação, por exemplo. Acredito que vai haver uma divisão clara entre as duas formas de produção. Mas reforço que não é via lei, mas sim via mercado.
MKP: Se você pudesse estabelecer uma agenda de prioridades para o setor, o que entraria em sua lista?
RB: Entraria, em primeiro lugar, informação. O setor é carente de informação, que precisa ser trabalhada com qualidade e no tempo certo. Por informação eu incluo conversas entre as empresas e produtores. Precisamos saber a produção formal e informal, precisamos saber com mais rapidez o que está acontecendo com o leite nos estados. Informação é, portanto, fundamental. Com informação na mão, temos de traçar estratégias de curto, médio e longo prazo, mas sem abrir muito o leque. Não podemos ter 30 prioridades, porque nenhuma acaba sendo realizada. É necessário termos poucas prioridades e, pegando uma carona na sugestão do ministro [Roberto Rodrigues], essas prioridades são para mim o marketing e a fraude. Esses dois pontos são fundamentais, mas precisam ser prioridade para todos, caso contrário não conseguiremos implementar. No caso do marketing, é importante que tenhamos uma ação unificada, porque corremos o risco de ter várias ações localizadas nos estados, o que não é a melhor solução. Porque não unificamos tudo isso? Um outro ponto que seria importante é criarmos políticas para exportação. Hoje, não temos uma idéia clara de como o governo encara esse movimento de exportação. Isso é necessário para que possamos orientar o produtor a produzir, sem risco de não conseguir escoar o produto. Não sei como fazer isso, já ouvi falar de prêmios para escoamento de produto, como ocorreu no algodãol; é preciso estudar algo nessa linha.
"A IN 51 vai funcionar mais por força de mercado do que por lei"
MKP: Você é otimista com o futuro?
RB: Tenho grande otimismo, mas também vejo as dificuldades existentes. Tivemos uma crise, mas mesmo ela, no final, tem seu lado positivo, pois dá uma afunilada, torna as pessoas mais humildes e melhora o sentido de cooperação. Não que seja boa em si, mas traz efeitos positivos também. Em relação às dificuldades, quando viajamos e vemos outras realidades, colocamos o pé no chão. É preciso ter uma vontade de trabalhar muito grande para mudar, arregaçar mesmo a manga. Acho que está havendo uma mudança rápida no setor, há novas idéias sendo discutidas, novas cabeças. Nesse aspecto, é fundamental criar lideranças novas, com discursos novos. Parar com aquela política de somente ir atrás de governo pedir preço... Acreditamos na organização da classe, por essa razão que participamos de diversas entidades, como CBCL, Láctea Brasil, Conseleite. O objetivo é cooperar e tentar obter mais informação, ter planos de longo prazo e realizá-los. Em informação, aliás, vocês [MilkPoint] têm ajudado muito o setor.
