Pedro Pimentel, secretário geral da ANIL - Portugal, fala sobre competição internacional e futuro do leite na UE e no país

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Figura 1

Pedro Pimentel, 40 anos, é Licenciado em Economia e Secretário Geral da ANIL, Associação Nacional dos Industriais de Lactinios, em Portugal. A A ANIL representa o setor industrial lácteo que atua em Portugal e seus associados possuem mais de 95% do volume de negócios do setor no país. Pimentel deu esta entrevista exclusiva ao MilkPoint, falando sobre as atuais demandas do setor lácteo português, os desafios aos quais a atividade está submetida no páis, o possível impacto da redução dos subsídios e a competitividade brasileira, sob a ótica européia. Apesar das diferenças, nota-se semelhanças em muitos aspectos em relação ao Brasil, como a busca pela auto-suficiência, o poder de barganha dos varejistas, a abertura de fronteiras e a crescente preocupação com saúde. Confira! Mais informações sobre o sector lácteo português em http://www.anilact.pt na área relativa a Dados Sectoriais.


MP: Como está estruturado o sector lácteo português?

PP:
O sector lácteo em Portugal tem vindo a atravessar uma fase de profunda reestruturação, quer ao nível da produção leiteira, quer ao nível da transformação industrial. A produção anual atinge actualmente um valor próximo dos 2 milhões de toneladas (há 10 anos esse valor situava-se nos 1,4 milhões). Nesse mesmo período o número de produtores caiu dos 80.000 para 16.000.

Esta evolução resulta da profissionalização do setor e passa pelo elevado crescimento de indicadores como os da produtividade por animal (de 4.900 kg para quase 6.500 kg/vaca/lactação), do número de animais por exploração (de 7 para 21) ou da produção por exploração (que aumentou de 27.000 kg para quase 110.000 kg). Mais de 90 por cento do leite produzido é entregue para transformação industrial.

O sector vale actualmente 1.750 milhões de euros/ano, emprega directamente quase 8.000 trabalhadores e apresentou em 2004 um Valor Acrescentado Bruto (VAB) de 350 milhões de euros. O sector é bastante concentrado, com as três maiores empresas, a valerem 60% do volume de negócios e 35% do número de trabalhadores. As seis maiores valem 75% do volume de negócios e 48% dos trabalhadores.

A nível industrial, têm sido realizados inúmeros investimentos em áreas produtivas (processo, higiene, qualidade, rastreabilidade,...), mas também em área complementares como a logística, a embalagem ou o marketing.

Existem cerca de 60 empresas de dimensão industrial relevante - de base privada e cooperativa - que distribuem a sua produção por 70 unidades fabris. Apenas nos últimos três anos foram inauguradas oito novas unidades industriais, estando mais quatro em processo de construção. É, pois, um parque industrial em larga medida novo ou renovado.

As unidades mais modernas estão ligadas à produção de leite embalado e de iogurtes e leites fermentados. O sector queijeiro tem vindo a realizar alguns investimentos de modernização e duas das maiores unidades serão inauguradas num espaço de um a dois anos.

MP: Quais são os grandes desafios futuros do sector em Portugal?

PP:
Os mais importantes desafios que o sector lácteo português terá que enfrentar no curto/médio prazo podem colocar-se em quatro planos distintos.

Um primeiro refere-se à fórmula que a fileira encontrará para dar resposta à limitação imposta pelo facto de a produção portuguesa haver atingido o tecto imposto pelo sistema de quotas leiteiras comunitário, depois de década e meia de crescimento sustentado. Realizar as melhores opções relativamente ao destino industrial do leite produzido, maximizando o valor acrescentado dos produtos transformados, com benefícios para produtores e industriais, será certamente um dos caminhos a prosseguir.

Um segundo liga-se com a crescente abertura de fronteiras - intra e extra-comunitárias - e com a cada vez mais significativa presença de produtos não-portugueses nos nossos espaços comerciais. A opção aqui deverá passar por uma crescente promoção dos produtos nacionais (sua qualidade e diversidade) junto do consumidor português e, simultaneamente, a realização de melhorias que conduzam a ganhos de produtividade e competitividade face a esse mesmos produtos importados.

A seguir, vem a problemática da relação com a grande distribuição. Sendo a produção portuguesa maioritariamente constituída por produtos de consumo massificado, é importante equilibrar o poder negocial entre industriais e distribuidores, impedindo o contínuo esmagamento das margens comerciais e a consequente inibição ao nível do reinvestimento e da capacidade de inovação e colocação no mercado de novos produtos.

Finalmente, há que dar crescente atenção às novas preocupações dos consumidores, muitas vezes elas próprias de sentido antagónico, apostando nos vectores da saúde e da conveniência, mas não esquecendo os produtos tradicionais, os produtos ecológicos e a responsabilidade ambiental e social ligada à indústria. Questões como as da obesidade, da diabetes ou das doenças coronárias devem ser claramente respondidas, reforçando a importância do leite e seus derivados na alimentação de todos os grupos populacionais.

"Um dos desafios que temos é com a crescente abertura de fronteiras - intra e extra-comunitárias - e com a cada vez mais significativa presença de produtos não-portugueses nos nossos espaços comerciais"


MP: Qual deverá ser o impacto da redução dos subsídios às exportações até 2013, em Portugal e na UE em geral?

PP:
O desmantelamento do esquema de restituições (subsídios) às exportações terá, aparentemente, um escasso impacto em Portugal, pois o volume de exportações para países terceiros é bastante modesto, limitando-se aos países africanos de expressão portuguesa (com Angola e Moçambique à cabeça) e aos países com presenças importantes de colónias de portugueses, como são o Brasil, a Venezuela, o Canadá, os Estados Unidos ou a África do Sul.

Refira-se que por força de, durante décadas, a produção portuguesa não ser suficiente para satisfazer o consumo doméstico, a internacionalização e a busca de mercados de exportação não haverem constituído uma prioridade para o sector lácteo nacional.

No entanto, o grande ponto de interrogação e o principal foco de preocupação para o nosso país, prende-se com as acrescidas dificuldades que as principais potências exportadoras européias - França, Alemanha, Itália, Holanda, Dinamarca ou Irlanda - terão para colocar as suas produções fora do mercado da União Européia.

Essa situação tenderá a promover o escoamento desses excedentes maioritariamente no seio da UE, desregulando o mercado europeu, pressionando fortemente os preços no sentido da baixa e incrementando as dificuldades nas fileiras lácteas de países como Portugal, onde entre outros motivos, por razões de dimensão e de economias de escala, a produção e transformação estão impedidas de atingir tão elevados níveis de competitividade.

MP: A integração de países como a Polónia e a Hungria está a provocar a mudança do perfil de produção da União Europeia?

PP:
O alargamento a leste da União Europeia teve, em minha opinião, um impacto menos significativo no sector lácteo do que o inicialmente previsto. As simulações iniciais consideravam como problemas principais a integração dos respectivos sectores lácteos na Organização Comum de Mercado para o Leite e Produtos Lácteos (OCM-Leite), dado o número excessivo de produtores, a existência de unidades industriais menos preparadas e a dificuldade de implementação do sistema de quotas e dos requisitos hígio-sanitários, a pressão descendente sobre o preços comunitários e a criação de excedentes, sobrecarregando a intervenção e desregulando os mercados.

No entanto, pela conjugação de circunstâncias diversas, este cenário foi bastante menos negativo do que o previsto. Em primeiro lugar, também por força da actuação da própria UE, as respectivas autoridades nacionais foram bastante exigentes em relação à implementação do quadro regulamentar comunitário; depois porque os preços nos novos Estados-membro têm sofrido um crescimento significativo e, em simultâneo, a implementação da reforma da política agrícola comunitária de 2003 tem motivado a descida de preços na 'velha' Europa, o que tem gerado uma rápida aproximação dos preços do leite entre o ocidente e o leste europeu.

Finalmente, as projecções associadas aos excedentes não terão levado devidamente em linha de conta o facto de um elevado volume das exportações dos novos Estados-membro ser direccionada para a UE-15 e o efectivo aumento do consumo de leite e produtos lácteos nesses países, associado ao crescimento do rendimento disponível das respectivas populações.

"O alargamento a leste da União Europeia teve, em minha opinião, um impacto menos significativo no sector lácteo do que o inicialmente previsto"


Se tal impacto foi menor que o previsto, ele - no caso português - foi ainda mais atenuado, quer pela localização geográfica do nosso país, quer pelas escassas relações comerciais sectoriais que até aqui existiam.

De qualquer forma e até na razão da abertura de fronteiras, é cada vez mais frequente e mais significativa a presença de produtos lácteos do leste europeu em Portugal. Em especial, produtos industriais e produtos de gama baixa provenientes da Polónia e dos países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia).

MP: Caso haja uma maior liberalização do comércio de produtos lácteos, quais as perspectivas para a produção de leite na UE? É possível competir globalmente?

PP:
A União Européia não pode abdicar de defender um processo de liberalização do comércio de produtos lácteos nivelado 'por cima' e não 'por baixo'.

Isto é, o sector lácteo comunitário apresenta custos superiores a alguns dos seus principais concorrentes, porque tem dificuldades em competir ao nível da dimensão, dos custos fundiários ou dos custos laborais, mas também porque o grau de exigência em diversas matérias - higiene, qualidade, ambiente, higiene, segurança e medicina no trabalho ou responsabilidade social - é claramente superior ao de muitos dos seus competidores.

Nenhum operador europeu pode aceitar que comportamentos que no espaço da EU são ilegais e motivo de penalização - financeira, ética e no mercado - sejam considerados vantagens competitivas quando referenciadas a outros países ou espaços económicos.

Para além disso, é fundamental que o desmantelamento dos esquemas de suporte europeus, tão agressivamente exigido, seja acompanhado de igual procedimento (para esquemas de suporte similares ou alternativos) pelos principais competidores internacionais.

Se tal acontecer, então sim, estaremos perante uma liberalização que conduzirá a um comércio internacional mais justo.

Também me parece claro que se ao nível dos produtos mais básicos e massificados, produtos em que o principal factor diferenciador é o preço, o potencial competitivo da Europa é relativamente baixo, já ao nível dos produtos mais sofisticados - seja nos directamente direccionados para o consumidor, seja nos ingredientes lácteos mais elaborados - a Europa apresenta vantagens e efectiva capacidade concorrencial.

Assim, uma das principais apostas deverá passar pela promoção da 'ocidentalização' e da sofisticação do consumo, em especial nos mercados emergentes da Ásia e do Norte de África, apostando na diversificação e inovação e não na guerra 'cega' dos preços.

"Nenhum operador europeu pode aceitar que comportamentos que no espaço da EU são ilegais e motivo de penalização - financeira, ética e no mercado - sejam considerados vantagens competitivas quando referenciadas a outros países ou espaços económicos".


Uma outra aposta deverá referir-se ao desenvolvimento de um mercado não lácteo (mesmo a nível não alimentar) para produtos e ingredientes lácteos, reforçando a utilização das diversas fracções do leite.

MP: Como é visto o Brasil, ao nível da fileira do leite, na União Europeia?

PP:
Há ainda um razoável desconhecimento no seio da União Européia em relação à fileira do leite no Brasil.

Contudo o simples reconhecimento de que se trata de um país com uma produção equivalente ao maior produtor da UE - a Alemanha - o facto de ser actualmente autosuficiente no abastecimento a um enorme mercado de quase 200 milhões de consumidores e, acima de tudo, a perspectiva de a muito curto prazo se poder tornar numa das maiores potências exportadoras a nível internacional, são motivos mais do que suficientes para a crescente curiosidade e atenção com que tudo o que se refere ao sector lácteo brasileiro é acompanhado na Europa (e, obviamente, em Portugal).

Um dos assuntos mais vezes abordado passa pela possibilidade de 'deslizamento' da especialização-carne para uma especialização-leite de uma percentagem crescente da pecuária brasileira.

A presença no mercado brasileiro de algumas das mais importantes empresas européias, até pela circulação de técnicos que implica, é igualmente uma outra forma de veícular na Europa informação sobre a fileira do leite do Brasil.

Actualmente, contudo, e ao nível da América do Sul, a Argentina continua a ser encarada no seio da UE como um competidor mais 'preocupante', até pela presença mais sustentada dos produtos lácteos argentinos nos mercados internacionais. Algumas projecções referem, no entanto, que essa relação de forças pode vir a ser alterada no médio prazo.

"Atualmente, ao nível da América do Sul, a Argentina continua a ser encarada no seio da UE como um competidor mais 'preocupante' do que o Brasil, mas o fato do Brasil ser uma potência agrícola exportadora é motivo de curiosidade e atenção".

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