
João Bosco é uma das lideranças mais reconhecidas do agronegócio goiano. Sua passagem recente de maior destaque foi à frente da FAEG (Federação da Agricultura do Estado de Goiás), entidade que presidiu por 9 anos, de 1992 a 2001. Nesse período, a produção de leite de Goiás cresceu nada menos do que 82%, de 1,3 bilhão para 2,3 bilhões, colocando o Estado na segunda posição no país, atrás somente de Minas Gerais. Hoje, João Bosco é presidente da Agência Goiana de Desenvolvimento Regional e produtor de leite, onde desenvolve um projeto tecnificado, de alta produtividade por área, capaz de competir com outras atividades agropecuárias. João Bosco é nosso entrevistado do mês. Confira!
MilkPoint: Desde quando o Sr. está atuando na AGDR e quais as realizações e planos da agência?
João Bosco Umbelino dos Santos: Estou na Presidência da AGDR (Agência Goiana de Desenvolvimento Regional), desde o ano de 2002, até o presente. Prioritariamente a Agência atua no equilíbrio das desigualdades regionais (Regiões Norte, Nordeste e Entorno de Brasília) que são as menos desenvolvidas do Estado de Goiás, mas nada impede que atuemos em outras regiões, desde que o foco seja desenvolvimento econômico ou social. Veja que a atuação da mesma é ampla e bastante pluralista, estamos priorizando muito as ações interligadas, estabelecendo parcerias, constituindo arranjos produtivos locais (APLS) em diversas cadeias produtivas: lácteos, peixes, carnes (aves, suínos, bovinos), produtos orgânicos, mel, cachaça, frango alternativo, etc.
Na infraestrutura e urbanismo estamos construindo lagos, praças, asfaltando linhas de ônibus, construindo pontes, etc.
MKP: Goiás têm vivenciado o aumento dos investimentos em novas fábricas de leite, criando mais opções de comercialização para o produtor. Qual é a expectativa do setor frente a esses investimentos?
JBUS: A implantação das novas fábricas com plantas industriais de última geração, bastante diversificadas, sem dúvida coloca Goiás na vanguarda do setor lácteo, possibilitando a agregação de valores em toda cadeia, principalmente aos produtos devido a opção dos compradores de leite.
MKP: Em sua opinião, o que determinou essa onda de investimentos em Goiás, coisa que outros estados não tiveram à mesma taxa?
JBUS: O que determinou essa onda de investimentos foi a parceria do Governo do Estado com o Setor Produtivo Rural e Industrial, oferecendo condições de crédito, incentivos fiscais e infra-estrutura necessária e adequadas a viabilização destes projetos.
MKP: O Sr. trabalhou vários anos à frente de uma entidade classista (FAEG), com importante atuação no crescimento do leite em Goiás. Como o Sr. avalia esse período pré-estímulo do leite em Goiás e o período atual? O que evoluiu, o que ainda falta evoluir (em outras palavras, quais são as grandes limitações da atividade no estado)?
JBUS: Naquele momento da FAEG (1992/2001) especificamente no ano de 1993, nós trabalhamos na organização da produção leiteira, por ser o leite o produto de menor rentabilidade na atividade agropecuária em Goiás, naquela época. Identificamos que o problema maior da atividade leiteira era desinformação e desorganização - trabalhamos estas questões e o resultado foi imediato, surpreendendo a todos nós - crescemos a produção, organizamos a cadeia produtiva, melhoramos a qualidade do leite e proporcionamos renda à atividade leiteira. A medida que o produtor se organizou, foi possível o estabelecimento de parceria com os demais elos da cadeia láctea (conhecimento, pesquisa e inovação tecnológica, indústria, etc).
Continuamos acreditando que a grande limitação da atividade leiteira em Goiás seja a melhoria de sua organização representativa com a criação de cooperativas para melhor atender ao produtor, seja na produção e assistência técnica e na comercialização.
MKP: Falando ainda de seu período junto a FAEG, qual é o segredo para conseguir a mobilização que foi feita na década de 90, cujos frutos rendem até hoje?
JBUS: Nós estabelecemos uma relação de confiança entre os produtores e a FAEG, calcada numa parceria de objetivos focadas no resultado de um trabalho sério, competente, sincero e comprometido.
"O que determinou os investimentos em Goiás foi a parceria do Governo do Estado com o Setor Produtivo Rural e Industrial, oferecendo condições de crédito, incentivos fiscais e infra-estrutura necessária e adequadas a viabilização destes projetos".
MKP: Após um crescimento bastante elevado na década de 90, Goiás voltou a crescer a taxas mais próximas a outros grandes estados. Muito se comenta a respeito da competitividade do leite com outras culturas. Ultimamente, milho e soja tem apresentado resultados econômicos ruins, o que, por outro lado, ajuda o leite, que passa a contar com insumos mais baratos. Como competir caso essas culturas voltem a remunerar bem?
JBUS: Sim, o crescimento continua, porém menor que a década de 90. Quanto a competição com as demais atividades da agropecuária, só há um caminho, organização, parceria e gestão adequada.
MKP: A cana-de-açúcar é uma ameaça ao leite em Goiás? Ou já é realidade? É possível competir?
JBUS: Não vejo cana-de-açúcar em Goiás como excludente da atividade como o foi em São Paulo, mas sim como complementar, pelo menos num primeiro momento, pois há grande disponibilidade de áreas aptas ao plantio.
MKP: Considerando que a atividade leiteira é competitiva em Goiás, em sua opinião em que aspectos essa competitividade está alicerçada?
JBUS: Projetos bem concebidos com ênfase à genética, mão-de-obra bem treinada, instalações físicas adequadas, alimentação equilibrada e assistência técnica eficiente e permanente.
MKP: Goiás tem tido grande apoio da esfera pública, sendo exemplo a recente subvenção de 2% de ICMS, sendo que metade está sendo destinada ao marketing. Qual o segredo para essa proximidade, coisa que vários outros estados não conseguem?
JBUS: A criação do Fórum de Entidades Empresariais pelo setor privado, aliado a proposta do Governador Marconi Perillo de estabelecer uma parceria para discussão e avaliação contínua das ações e incentivos do Governo às atividades produtivas, sem dúvida fez a diferença - Ação propositiva entre Governo/Entidades Representativas do Setor Produtivo, estabelecendo cumplicidade na governança dos problemas macro econômicos.
MKP: Em sua opinião, o que de interessante está sendo feito em outros estados, no que se refere ao leite, e que poderia ser feito em Goiás?
JBUS: Reorganização do setor lácteo numa visão de cadeia produtiva e mão de elos isolados desta cadeia, é o que está acontecendo no mundo. Em Goiás não poderia ser diferente, neste momento nos optamos (Governo/Setor Privado/Conhecimento e Inovação Tecnológica) por trabalharmos junto na formatação de Arranjos Produtivos Locais Sustentáveis (APLS) e na constituição e reestruturação de cooperativas agropecuárias leves e adequadas administrativamente, em parceria com a indústria para competir com eficiência e agregar valor ao produto leite.
MKP: O Sr. é produtor de leite. Poderia explicar como é o seu projeto de produção e como vê a atividade do ponto de vista econômico e de realização pessoal?
JBUS: Tudo começou pelo reconhecimento dos produtores de leite de Goiás, ao trabalho que desenvolvemos junto a eles, quando estava na Presidência da FAEG, me deram de presente 27 (vinte e sete) novilhas girolandas e um touro pardo-suiço. No ano de 2001 idealizamos juntamente com dois consultores (Edilberto/José Geraldo) um projeto de produção de leite misto (pastagem/estábulo) extremamente audacioso, com as seguintes premissas; área a ser usada - 60 ha, sendo 29 ha de pastagem (mombaça/tiffon e brachiarias), 27 ha de milho para silagem e 04 ha em casas e instalações. Plantel projetado aproximadamente 300 cabeças de gado (cruzamento de girolandas x Jersey) com 180 vacas, sendo 150 em lactação e o restante entre bezerras e novilhas, produção de leite prevista - 3.000 litros/dia. Já estamos com 209 animais no plantel, sendo 90 vacas em lactação, 48 vacas secas/novilhas prenhas e 71 bezerras, com uma produção de 1700/1800 litros/dia. Como disponho de tempo limitado para dedicar a fazenda, optamos pela gestão em parceria com os novos atores da produção (pessoal, fornecedores de insumos, material de limpeza, revendedores de máquinas e equipamentos, etc), os quais ficam responsáveis pelas várias atividades e desempenho de suas ações. Supervisionados pelo consultor José Geraldo e por mim nos reunimos periodicamente para avaliação e tomada de decisões.
Quanto as informações econômicas, somente recentemente no mês de abril último estabelecemos uma parceria com Embrapa Gado de Leite, para obtenção do custo de produção do leite e de outros, mas ainda não recebemos nenhum relatório.
Pessoalmente acho muito gratificante poder estar contribuindo com a atividade, principalmente na inovação de conceitos, pois a nossa proposta é "Produção de Leite", de qualidade, com Sustentabilidade Econômica, socialmente justo e ambientalmente correto. Isto só será possível com a obtenção da vaca eficiente.
