“Tive de parar de plantar milho. Já cheguei a ter mil hectares de milho, só que ficou inviável”, disse ele na semana passada na sua fazenda no município de Sacramento (MG). O que forçou Bizinoto, de 51 anos - 33 deles investindo no campo - a abandonar a cultura de milho em suas terras foram os javalis. “Eles entram nas plantações em manadas; já tive muito prejuízo com javali”.
Adriano Lima, Júlio Cesar Ferreira e Francisco Alves, grupo de caçadores de javali: mais de 300 animais abatidos neste ano — Foto: Marcos de Moura e Souza/Valor
O animal é o pesadelo de produtores de diversos Estados, do Rio Grande do Sul à Bahia. Está expandindo sua presença por áreas onde nunca tinha pisado, causando prejuízos em pequenos sítios e em grandes fazendas e elevando gastos de produção. Em algumas áreas, a opção dos agricultores - como Bizinoto - tem sido simplesmente desistir do milho, um dos um dos alimentos favoritos do animal.
Assim como ocorre em outros países afetados pela disseminação dos javalis, o Brasil permite desde 2013 a caça como forma de controle. A prática costuma ser alvo de críticas de grupos e pessoas engajados na defesa do bem-estar animal.
Mesmo caçado aos milhares todos os anos com armas de fogo, lanças, cachorros e armadilhas, o javali e seus cruzamentos com porcos, os chamados javaporcos, se proliferam num ritmo acelerado e continuam sendo motivo de preocupação no campo pelos estragos que causam em plantações e áreas de nascentes de rios. Há ainda outro e mais complexo problema associado ao animal: o fato de serem potenciais vetores de transmissão dos vírus da peste suína e da febre aftosa.
Um estudo recente coordenado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e liderado pela zootecnista Ana Lígia Lenat apontou que, em um cenário extremo em que os vírus da aftosa ou da peste suína clássica venham a atingir a população de javalis e javaporcos no Brasil, e a partir deles se dissemine pelos rebanhos bovino e suíno, os prejuízos em três anos seriam de R$ 52 bilhões.
Não há nenhuma informação, no entanto, de javalis ou javaporcos contaminados com esses vírus no país. O que há é um cenário de alerta e os danos já contabilizados por produtores rurais e centenas de cidades.
Sacramento é uma delas. Com 27 mil habitantes e economia baseada no campo, a cidade viu uma mudança em seu perfil rural nos últimos anos. Estimativa do sindicato dos produtores rurais da cidade dá conta que, alguns atrás, havia entre 50 a 60 produtores comerciais de milho na região e hoje, são cinco ou seis. Muitos produtores passaram a gastar mais com cercas elétricas para proteger suas lavouras de milho e soja - também afetadas pelos javalis.
O que se passa nesta pequena cidade de Minas é o mesmo que se vê em fazendas em São Paulo e também na região Sul. De acordo com Enori Barbieri, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc), os javalis são responsáveis por parte da redução do plantio de milho no Estado.
“Aqui no Mato Grosso a situação é calamitosa”, afirma Antônio Galvan, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja MT). Segundo ele, o que mais preocupa ainda são as queixadas, um tipo de porco do mato. “Mas o javali e as misturas dele já estão entrando e estamos vendo esses animais em algumas regiões”, diz Galvan.
Gilmar Ogawa, assessor da presidência da Federação da Agricultura e Pecuária de São Paulo, diz que além dos estragos nas lavouras e nas nascentes, produtores têm medo de ataques do animal. “Temos reclamações sobre a presença desse bicho em praticamente todo o Estado. Os produtores têm medo. Não podem mais deixar crianças irem a um lago sozinhas em regiões onde há javalis”, afirma ele.
Os javalis e seus cruzamentos são onívoros: se alimentam principalmente de milho, mas comem outros grãos, tubérculos, aves e até ovelhas e bezerros recém-nascidos. O javali - cujo nome científico é Sus scrofa - é uma espécie de porco selvagem, com origem na Europa, Ásia e norte da África.
Segundo dados compilados pelo Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali - um documento produzido em 2017 pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura - a primeira introdução do animal na América do Sul se deu entre 1904 e 1906, pela Argentina. A caça e a criação para o corte teriam motivado essa introdução. Do Uruguai esses animais se disseminaram pelo Brasil, sobretudo, a partir dos anos 1990. Também foram trazidos por criadores para produção de carne, para caça esportiva e para zoológicos.
Nos anos seguintes, se espalharam e passaram a ter vida selvagem cruzando com porcos do mato ou com porcos domésticos. São três a quatro crias por ano, cada uma com sete a oito filhotes. Alguns mantêm o aspecto mais marcado dos javalis puros, com focinhos compridos e presas longas para fora; outros se assemelham mais a porcos. Podem pesar 300 quilos.
O plano de prevenção mostra que, em 2005, os javalis eram vistos em cerca de 50 municípios do país; entre 2007 e 2008 já haviam chegado a 100 cidades; em 2010 em cerca de 300 e em 2016, 600.
Os javalis são considerados animais nocivos e invasores. No Brasil, sua caça é permitida como meio de controle da população desde 2013. A caça também é usada nos EUA, Austrália e outros países. No Brasil, fazendeiros têm dois caminhos: obter licenças no Ibama, Exército e Polícia Federal para fazerem o abate e para portarem armas; o outro caminho é recorrer a caçadores habilitados e autorizados. “É um hobby caro que nós temos", afirma Júlio César Ferreira, caçador autorizado de Sacramento. Ele e outro caçador, Adriano Lima, calculam que, juntos, já abateram mais de 300 javalis desde o começo deste ano.
Dados do Ibama mostram que entre abril e setembro, 2,8 mil javalis foram abatidos em Santa Catarina; 2,2 mil em São Paulo; 1,7 mil em Minas Gerais; 1,2 mil no Rio Grande do Sul; e 1,1 mil no Paraná. Em outros Estados, as marcas foram menos expressivas. O método mais usado tem sido o de perseguição com cães. Os números representam os abates regularmente notificados ao Ibama.
Mas Daniel Terra, presidente da Associação Nacional de Caça e Conservação, diz que os números oficiais são subestimados. “A gente estima que para cada pessoa que se cadastra no Ibama há outros 15 a 20 caçadores não cadastrados”, afirma. Segundo ele, há 40 mil cadastrados. Burocracia, custos da legalização e desconhecimento explicariam ainda a grande informalidade na atividade da caça do javali no Brasil.
“No Texas, nos EUA, empresas fazem o abate de helicóptero; na Austrália, por envenenamento”, diz Fábio Avancini Rodrigues, diretor vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul. O governo federal e técnicos que estudam o tema consideram que não é factível acabar com os javalis no Brasil. Mas sim controlar o avanço de sua população. "É uma praga", diz Rodrigues.
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As informações são do jornal Valor Econômico.