Um projeto de lei que proíba a reconstituição do leite em pó importado para venda como leite fluido foi uma das soluções propostas pelos deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e da Assembleia Legislativa do Ceará (ALCE) para socorrer produtores agropecuários, em uma crise que resulta em um número recorde de recuperações judiciais. Em 2024, foram 2.273 solicitações desse tipo, um aumento de 61,8% em relação a 2023.
A ideia de proibir a reconstituição do leite em pó importado tem se inspirado em proposta similar aprovada no Paraná. O objetivo dos projetos apresentados é conter a importação excessiva de leite de outros países do Mercosul, uma das principais causas da queda do preço do produto. “No Paraná isso já foi aprovado. O preço do leite está tão baixo por causa da importação desenfreada do Uruguai e da Argentina”, afirmou o deputado Antonio Carlos Arantes (PL) em Minas Gerais.
No Estado do Ceará, o deputado Felipe Mota (União Brasil) defendeu o veto à importação de leite como forma de proteger os produtores locais. Segundo ele, as pequenas empresas produtoras de leite no Sertão Central estão sendo prejudicadas pela concorrência com produtos importados e por pouca valorização da produção regional. Ele destacou que é necessário estabelecer políticas que assegurem a presença e a viabilidade desses produtores no mercado.
As queixas, no entanto, vão além da cadeia produtiva do leite. O presidente da Comissão de Agropecuária, deputado Raul Belém (Cidadania), iniciou a audiência pública fazendo um resumo dos problemas que afetam produtores em geral. “Elevação dos custos de produção, oscilação dos preços, impacto climático, crédito insuficiente e juros elevados. A elevação do número de pedidos de recuperação judicial mostra que muitos já ultrapassaram um limiar crítico de endividamento”, afirmou o parlamentar.
Alguns dos casos citados de pedidos de recuperação judicial em Minas Gerais atingem grandes instituições e empresas. O Grupo Patense, de Patos de Minas (Alto Paranaíba), fabricante de ração para fazendas e pets, óleos industriais e biocombustíveis, acumula dívida superior a R$ 2 bilhões e representa a segunda maior recuperação judicial do agronegócio no país. O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Unaí, Ricardo Almeida, mencionou outro caso em sua região: “Paracatu (Noroeste) tem uma de mais de R$ 1 bilhão”. Almeida criticou o comportamento do Banco do Brasil, que, segundo ele, impõe regras muito duras aos produtores em dificuldade.
O presidente da Cemil e da Fecoagro Leite Minas, Vasco Praça Filho, também apontou os juros como um dos piores problemas para o setor agrícola. “Temos as piores taxas de juros do mundo. Nos Estados Unidos o juro é 3,5% por cento ao ano. Aqui nós estamos com 20%”, afirmou.
Produtores de leite acusam Argentina e Uruguai de concorrência desleal
No entanto, as principais críticas foram para a importação de leite em pó, que é reconstituído para concorrer com o leite nacional. A analista de Agronegócios da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, Mariana Mendes, afirmou que já foi comprovado que Argentina e Uruguai estão vendendo leite ao Brasil por um preço menor do que o praticado em seus países, o que configuraria dumping. Mesmo assim, segundo ela, o governo brasileiro vem resistindo a reagir.
Outra queixa de Vasco Filho foi com relação ao aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “Somos 6 mil cooperados. Pagamos 200 milhões de impostos em 2025. No ano que vem, serão 11 milhões a mais de despesa só de IOF”.
Além das medidas para conter a importação de leite, Raul Belém defendeu que Minas ofereça linhas de crédito emergenciais com garantias públicas, parcelamento especial de tributos estaduais, suspensão temporária de execução fiscal e ampliação do seguro rural.
Outros Gargalos
A burocracia ambiental, problemas de escoamento e energia deficiente também foram apontados como gargalos. Segundo Rowena Betina Pettrol, presidente da Associação dos Produtores Rurais e Irrigantes do Noroeste de Minas (Irriganor), a região enfrenta três grandes desafios: transporte da produção, fornecimento instável de eletricidade (chegando a interrupções de até quatro dias) e atuação deficiente da área ambiental do estado de Minas Gerais. Ela lembrou que várias rodovias estaduais não são pavimentadas e que servidores da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) estão em greve há dois meses, o que paralisa os processos de licenciamento.
Pettrol também defendeu a aprovação de PL do deputado Gustavo Santana (PL) que retira a obrigação do produtor rural com área maior que mil hectares de apresentar o estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) para projetos em sua propriedade.
Produção recorde X perda de renda
Concordando com Rowena, a deputada Lud Falcão (Pode) reforçou o contraste entre a produção de grãos de 350 mil toneladas este ano, recorde nacional, e a queda da rentabilidade dos produtores. Para reduzir os problemas dos produtores de leite, ela propôs políticas públicas de incentivo ao consumo, incluindo ressarcimento a quem tiver perda de leite ou outro produto por falta de energia elétrica, e solicitou ao governo de Minas a construção de novas subestações de energia no Alto Paranaíba e no Noroeste.
Feliciano Nogueira de Oliveira, superintendente de Inovação e Economia Agropecuária da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ressaltou que o agro continua positivo em Minas: “O PIB do agro mineiro aumentou 20% no último ano, chegando a R$ 235 bilhões, superando a produção do minério".
Outro entrave destacado foi a deficiência de dados no setor. Geraldo Magela da Silva, assessor institucional do Sistema Ocemg, apontou que em Minas Gerais existem 199 cooperativas agropecuárias com 213 mil cooperados, 95% pequenos produtores, e movimentação financeira de R$ 53 bilhões em 2024. No setor de café e leite, as cooperativas respondem por 53% e 25% da produção, respectivamente.
Ao final da reunião, Raul Belém anunciou requerimentos de visitas ao vice-presidente da República, aos ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, e à presidente do Banco do Brasil, para debater as condições dos empréstimos aos produtores rurais mineiros, com elevada taxa de juros e alienação fiduciária obrigatória.
As informações são da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e Assembleia Legislativa do Ceará.