Da ALCA para a ALBA

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A nacionalização do petróleo e do gás na Bolívia trará graves prejuízos para o Brasil e mostra que o populismo e a quebra de contratos continuam sendo a "saída fácil" da América Latina para não enfrentar as reformas necessárias. Os países latino-americanos sucumbem periodicamente à tentação de usar seus vastos recursos naturais com fins políticos. Chávez embarca numa cruzada populista hemisférica, surfando nos preços do petróleo. Kirchner taxa as exportações de grãos em cerca de 20% e proíbe as exportações de carnes para fazer demagogia antiinflacionária. Morales estatiza a Petrobrás. É fácil fazer discursos inflamados em favor da soberania nacional. É fácil identificar "bodes expiatórios" externos - como a ALCA, o FMI e as empresas multinacionais - para males internos. Curiosamente, na Bolívia de hoje os "gringos" somos nós, como bem lembrou Miriam Leitão, com a Petrobrás sendo publicamente responsabilizada por sugar os recursos do povo humilde.

Neste novo capítulo da triste história latino-americana, a economia nos ensina ao menos uma lição importante: "There is no free lunch!", ou "não há almoço de graça!" A nacionalização facilmente se converte em gestão incompetente e empreguismo desmesurado. O populismo barato transforma-se rapidamente em crise de produção e investimentos, com inflação acelerada, baixo crescimento e endividamento galopante. As políticas puramente assistencialistas mostrarão seus limites em termos de melhoria de renda e emprego.

O Brasil tem uma lista de contra-exemplos para o populismo. A Embraer, a Vale do Rio Doce e a CSN se tornaram muito mais eficientes depois de privatizadas. Um dos motivos do crescimento do agronegócio brasileiro na última década foi a redução do intervencionismo governamental: o fim do tabelamento de preços, da manipulação de estoques públicos e dos impostos sobre exportações e a desregulamentação dos mercados, com a extinção do IAA, do IBC, etc.

Tenho insistido na necessidade de observarmos o crescimento sustentado do Leste da Ásia, uma região superpopulosa e deficiente em recursos naturais. A despeito das profundas cicatrizes que separam politicamente aqueles países - principalmente Japão, China e Coréia -, a Ásia tem crescido na base de reformas estruturais (segurança jurídica, educação básica, etc.) e uma profunda integração comercial. A partir dos anos 80, o Leste da Ásia desenvolveu o chamado "modelo dos gansos voadores", que é o aproveitamento das sinergias regionais por meio de maciços investimentos cruzados, com destaque para a transferência do poder tecnológico do Japão, via participações minoritárias em empresas de seus vizinhos menos desenvolvidos. Assim, o vôo em cunha foi liderado pelo Japão, seguido de perto pelas chamadas "novas economias industrializadas" (NEIs) - Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura -, depois pelos países mais dinâmicos da Asean - Tailândia, Malásia e Indonésia -, com as Filipinas e a Indochina na rabeira. Mais recentemente, essa formação se alterou com a chegada em grande estilo da China e da Índia. A integração dos países asiáticos ocorre pela internacionalização das firmas e pela transferência de tecnologia orientada para a competição sistêmica no mercado mundial.

Já a tendência atual nas três Américas é a fragmentação política e comercial. Colocamos uma pá de cal na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), depois de mais de 500 reuniões de representantes de 34 nações americanas entre 1994 e 2003. A ALCA foi substituída por dois modelos distintos de integração. De um lado, países como EUA, México e Chile lideram a assinatura de dezenas de acordos bilaterais de livre comércio que não seguem mais a lógica geográfica. Trata-se de acordos profundos ligando principalmente os países americanos do Pacífico. Há também acordos recentes de envergadura entre aqueles três países e a União Européia, a China, o Japão, a Coréia e outros players importantes.

Do lado do Atlântico, surge o modelo da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA), expressão cunhada por Hugo Chávez e Fidel Castro para um modelo de integração centrado no alinhamento de ideais político-ideológicos. O confronto aberto com o candidato peruano Alan García e o provável desligamento da Venezuela da Comunidade Andina de Nações (CAN), a compra "política" de uma parte da dívida argentina por Chávez e, agora, a nacionalização das reservas de energia da Bolívia são elementos centrais deste novo modelo. Não é difícil prever que as características da ALBA serão, cada vez mais, o antiamericanismo, a crescente intervenção do Estado na economia e o protecionismo comercial. O fosso entre um e outro modelo de integração se torna cada vez maior, acabando com o sonho de Lula de criar a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA).

Como o Brasil vai reagir a este imbróglio? Num momento em que o populismo deixa de ser simples retórica eleitoral e atinge em cheio nossos interesses comerciais, chama a atenção a frase do ex-chanceler do México Jorge Castañeda no caderno Aliás do Jornal "O Estado de São Paulo" de 30/4: "O Brasil é um país demasiado grande, demasiado sério, com demasiados interesses e demasiadas responsabilidades para praticar o antiimperialismo primitivo. A verdade é que este é um jogo que apenas os pequenos podem se permitir." Atribui-se a De Gaulle a famosa frase: "O Brasil não é um país sério." Mas pelo menos todos os demais elementos da frase de Castañeda são verdadeiros. É hora de fazermos uma reflexão sobre os rumos da nossa inserção internacional. Tempos atrás fomos apontados como uma das potências emergentes do planeta, os chamados BRICs, ao lado da China, Índia e Rússia. Deveríamos observar as bases do crescimento dos países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), do Leste da Ásia e mesmo de alguns países bem próximos, como o Chile. Nas várias siglas que compõem o mundo moderno, agora que a CASA virou um "barraco", é hora de comprovarmos que temos muito mais a aprender com a OCDE, os NEIs e os BRICs do que com a ALBA.
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Marcos Sawaya Jank

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Marcos Diaz
MARCOS DIAZ

RIO DE JANEIRO - RIO DE JANEIRO - PESQUISA/ENSINO

EM 16/05/2006

Este discurso em forma de texto, institulado da ALCA a ALBA, escrito pelo Sr. Marcos Jank, na coluna Comercio Internacional está fora da realidade e só serve para agradar os sócios ocultos do nosso Brasil. Vamos só nos deter no caso da Bolívia. Nós como brasileiros, e acredito que o Sr. Marcos Jank, também o seja, apesar do sobrenome, temos que reconhecer o direito do povo boliviano de controlar suas riquezas naturais e de iniciar, com o governo Evo Morales, a reconstrução da sua identidade nacional e popular! A soberania não se discute, se respeita!



Durante cinco séculos os bolivianos sofreram a sangria de seus recursos naturais não renováveis pelas potências coloniais e imperiais. Os minerais preciosos foram levados pela Europa para enriquecer suas nações e financiar suas guerras fratricidas. O estanho foi levado como matéria-prima para produtos industriais da Europa e dos EUA. Ficaram os buracos, a pobreza e o esquecimento.



O Presidente Evo Morales, com o apoio maciço da população, decretou a nacionalização dos campos e das refinarias estrangeiras na Bolívia. O que havia prometido, e já havia anunciado ao mundo inteiro, ele cumpriu. Meio século depois do Brasil, a Bolívia nacionaliza suas riquezas energéticas. Por que não reconhecer para a nação irmã o direito que reivindicamos como legítimo para nós e que deu origem à nossa maior estatal, a Petrobrás?



Hoje a riqueza natural boliviana está praticamente reduzida ao petróleo e ao gás natural. E, por obra e graça da atividade predatória dos países ricos, a Bolívia é hoje o país mais empobrecido da América do Sul. No afã de atacar esta decisão, a mídia brasileira finge ignorar a diferença entre nacionalização e expropriação.



A vitória eleitoral de Morales foi significativa e ele se sente comprometido com a emancipação do povo que o elegeu. Seu gesto precisa ser entendido como um cumprimento de promessa, uma ação simbólica que visa mostrar ao povo e ao mundo que a Bolívia vai recuperar o controle sobre seu próprio destino e vai ter seu próprio projeto de desenvolvimento!No Brasil, a mídia e a ampla gama de políticos de direita vai ao ataque.



Há alguns anos, a sociedade organizada fez campanha contra o gasoduto Brasil-Bolívia. Eram anos de Itamar presidente. Um argumento vigoroso era a ameaça ambiental que o duto representava. Mas havia outro argumento. As grandes transnacionais dos combustíveis - Amoco-Chevron, Total, Repsol, BP, queriam garantir ganhos transferindo despesas da construção do duto para a Petrobrás.



Apesar das evidências de mau negócio que o gasoduto representaria para o Brasil, foram impostos à Petrobrás o custo da construção, o risco cambial, a cláusula take-or-pay e a obrigação de compra de gás por US$ 60 por kwh para a venda por apenas US$ 4.



A imprensa, na época, aplaudiu. E o prejuízo de então foi muito maior do que o que a mesma imprensa acena agora em consequência da decisão do governo Morales.



Por que é que a imprensa foi conivente, então, e hoje vocifera contra a Bolívia seria por um súbito acesso de nacionalismo? Ao contrário. Trata-se de defender os ganhos de uma empresa estatal - a Petrobrás - cujas ações são hoje controladas por acionistas privados dos EUA na proporção de 60%, sendo 49% de estadunidenses e 11% de testas-de-ferro no Brasil. Fruto do criminoso gesto do então-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao assinar a Lei n. 9478/1997, que emenda a Constituição de 1988, quebrando o monopólio estatal e concedendo a empresas vencedoras de licitação de exploração de jazidas a propriedade do produto bruto e o direito de exportá-lo.



Esta Lei também permite a venda de ações internacional e escassez sempre maior deste produto, é irracional do ponto de vista estratégico que o Brasil esteja renunciando ao controle sobre seu petróleo e sobre sua comercialização. O mesmo podemos dizer da Companhia Vale do Rio Doce, privatizada pelo mesmo presidente Cardoso, em meio a ruidoso escândalo, por um valor cerca de 10 vezes inferior ao seu valor corrente de mercado, e muitas vezes mais em relação ao valor das suas reservas minerais.



O presidente Evo Morales mostra firmeza ao cumprir sua promessa de campanha: reaver o controle sobre os recursos naturais do seu país. Ele dá seguimento às lutas dos movimentos sociais pela reconquista do controle sobre suas águas, e ao seu compromisso de convocar uma Assembléia Constituinte e de nacionalizar os combustíveis fósseis bolivianos. A negociação com as empresas afetadas está certamente na sua agenda. Morales insiste que não houve nem haverá confisco, mas sim sociedade com parceiros de outros países tendo em vista o projeto de uma Bolívia das bolivianas e dos bolivianos. A parte minoritária do controle acionário dessas empresas permanecerá em mãos dos parceiros estrangeiros, a começar pela Petrobrás.



Mas essa negociação se fará a partir de uma clara posição soberana por parte da Bolívia. Está criado o contexto para acordos que, talvez pela primeira vez na história recente daquele país, virão beneficiar as duas partes sem prejuízo a que é economicamente mais fraca. Gesto do passado, como dizem os jornais? Antes, gesto do futuro, um futuro cuja aurora se anuncia em vários rincões desta América do Sul historicamente sangrada.



Que o Brasil, e os outros países da região, compreendam o significado emancipador do gesto do governo Morales! Que aproveitem a ocasião para aprofundar seus laços de integração, construindo com firmeza uma integração solidária do Cone Sul, criando e ampliando gradualmente a integração energética do continente, e levando adiante, com firmeza e coragem, a construção solidária de uma comunidade sul-americana baseada no respeito à diversidade cultural, na cooperação e na solidariedade.



Marcos Diaz
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