Crise expõe situação frágil das empresas de leite

A crise econômica que se agravou neste fim de ano, na verdade, apenas deixou aparente uma série de dificuldades financeiras que as empresas de lácteos vinham enfrentando desde que a oferta de leite no País disparou e o preço despencou. Desta vez, o sobe-e-desce é conseqüência de um volume inédito de investimentos recebido pelas empresas desde o ano passado - algumas abriram o capital e outras receberam sócios bem capitalizados.

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Vinte dias depois da quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, a conta bancária da Alimentos Nilza, em Ribeirão Preto (SP), viu R$ 30 milhões evaporarem de uma só vez. Eram duplicatas que os bancos não quiseram renovar. O dinheiro representava pouco mais da metade do seu capital de giro. Por falta de caixa, a Nilza, dona de 16% do mercado paulista, chegou a atrasar o pagamento de fornecedores, trazendo de volta o fantasma da crise da Parmalat.

O dono da empresa, Adhemar de Barros Neto, diz ter estancado o problema: renegociou dívidas de R$ 13 milhões com fornecedores e decidiu cortar custos e quebrar o "porquinho" da família para repor o capital de giro. "Minha grande preocupação é com a despesa financeira em 2009", diz Neto, ex-acionista da Lacta, vendida para a Kraft em 1996. "O setor não suporta mais um período de prejuízo. Esse é um negócio perigoso e delicado."

A crise econômica que se agravou neste fim de ano, na verdade, apenas deixou aparente uma série de dificuldades financeiras que as empresas de lácteos vinham enfrentando desde que a oferta de leite no País disparou e o preço despencou. Desta vez, o sobe-e-desce é conseqüência de um volume inédito de investimentos recebido pelas empresas desde o ano passado - algumas abriram o capital e outras receberam sócios bem capitalizados.

O excesso de oferta foi parar nas caixinhas longa-vida, vendidas ao consumidor a um preço bem inferior ao do ano passado. Essa queda de preços tem levado boa parte das empresas a operar no vermelho. "Essa crise é mais sombria porque vem depois de um ano de crescimento histórico de produção", diz Jacques Gontijo, presidente da Itambé, terceira maior produtora de lácteos do País.

As dificuldades enfrentadas hoje são conseqüência de um crescimento artificial. Para se valorizar, muitas empresas forçaram um aumento de produção, adquirindo uma matéria-prima cara. Isso explica porque a Nilza reduziu a captação do leite da Montelac em 20% logo nos três primeiros meses após a aquisição. A Laep, controladora da Parmalat, foi muito além. Não só cortou sua captação pela metade como colocou boa parte dos ativos à venda. A empresa, que acumula uma dívida de quase R$ 400 milhões, tem urgência em fazer caixa. "A crise internacional e a doméstica, provocada por um excesso de produção, expôs ineficiências que talvez não aparecessem se ainda estivesse tudo às mil maravilhas", diz Vicente Nogueira, coordenador da Câmara do Leite da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Neto não se arrepende da aquisição da Montelac. Mas, se pudesse voltar atrás, pagaria em várias prestações. Para fazer a compra, gastou de uma só vez o aporte de R$ 120 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que hoje tem 35% da empresa. A aquisição fez a Nilza dobrar de tamanho - neste ano, seu faturamento deve atingir R$ 700 milhões. Em compensação, sua dívida está em R$ 200 milhões, boa parte de longo prazo.

Os casos da Laep e da Nilza são considerados os mais graves. Mas a situação financeira de nenhuma das empresas do setor é confortável. "Foi um ano de margens negativas para todos", afirma Wlademir Paravisi, diretor-geral de negócios lácteos da Perdigão, novata do setor e uma das que mais saíram às compras no último ano.

A Itambé não deve ter lucro este ano e sua margem caiu pela metade, segundo Gontijo. "O impacto maior é do câmbio, porque temos financiamento em dólar", explica. A Bom Gosto, que acabou de receber um novo aporte do BNDES e se uniu à Líder Alimentos, vai terminar o ano no zero a zero, de acordo com seu presidente, Wilson Zanatta. "Essa crise veio em dose dupla e pegou muita gente de calça curta", diz Zanatta. "O momento é de cautela."

A fase ruim, no entanto, não deve afastar os investidores. Na opinião de Paravisi, a fusão da Líder com a Bom Gosto só reforçou a mensagem de que o setor caminha para a consolidação. "Mesmo que alguns desistam, outras podem entrar ou se unir", diz o executivo da Perdigão.

O que anima as empresas é que as pessoas vão continuar consumindo leite, ainda que um pouco menos no próximo ano, e que o Brasil é um dos poucos países do mundo em condições de aumentar sua produtividade. "Há cinco anos, éramos o maior importador de leite - comprávamos 1 bilhão de litros. Em 2008, a exportação será de US$ 710 milhões", afirma Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil, associação de produtores de leite. "Muitos investidores se interessaram por esse mercado de olho na exportação."

A matéria é de Mariana Barbosa e Patrícia Cançado, publicada no jornal O Estado de SP, adaptada pela Equipe MilkPoint.
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mario centini
MARIO CENTINI

OSASCO - SÃO PAULO - EMPRESÁRIO

EM 16/12/2008

Artigos como este são muito importantes, porém, podem gerar pânico. Há que se ter a cabeça muito fria ao analisar a situação de algumas empresas, tendo em vista que muitas delas usarão a crise como desculpa para, por exemplo, baratear a matéria prima, não gerando redução de preços ao consumidor.

Não foi fácil chegar aos níveis de produção e remuneração que chegamos; portanto, é fundamental e imperativo que agora nestes tempos em que as dificuldades querem se aproximar, a indústria, os produtores, analistas e todos da cadeia produtiva se aliem e passem a trabalhar do mesmo lado da mesa.
José Maurício Gomes
JOSÉ MAURÍCIO GOMES

CAMPINAS - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 16/12/2008

Estava iniciando os meus comentários quando deparei com o comentário do Sr. José Humberto, o qual foi muito feliz em todos os pontos apresentados. Somente gostaria de acrescentar o seguinte: Por onde anda o nosso governo nesse momento difícil que atravessamos? Libera-se uma montanha de dinheiro para salvar montadoras, algumas alíquotas de impostos são reduzidas e enquanto isso estamos jogados à própria sorte ou a mercê dos grandes grupos multinacionais que aproveitam o momento para maximizar seus lucros, através do argumento "excesso de demanda".

A imprensa e o governo só lembram do setor leiteiro quando o leite atinge um preço justo para o produtor, conforme ocorreu no terceiro trimestre de 2007, para criticar dizendo que o leite está caro e que serão tomadas medidas para o setor. Tudo indica que por produzirmos o mais barato e popular alimento, estamos fadados a perder dinheiro. Agora quando o assunto é carro e outros bens de consumo, o assunto muda de figura.
Walter Jark Flho
WALTER JARK FLHO

SANTO ANTÔNIO DA PLATINA - PARANÁ - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 15/12/2008

O artigo é muito bom, mas assusta. Ele vem confirmar que o produtor vai ser o maior prejudicado. Algumas frases como: "compra de matéria-prima acima do valor real; redução na aquisição de matéria-prima, etc", mostra que 2009 vai ser muito ruim. Se o produtor está recebendo R$ 0,50 a 0,60 o litro, e isto não cobre os custos, a que custos da matéria prima, vamos viabizar as empresas? Se as empresas estão operando no vermelho, o que dizer do produtor?

Walter
José Humberto Alves dos Santos
JOSÉ HUMBERTO ALVES DOS SANTOS

AREIÓPOLIS - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 15/12/2008

As coisas precisam ser colocadas nos seus devidos lugares: a Nilza e a Parmalat não estão em crise desde a quebra do banco americano. As duas empresas enfrentam problemas há muito tempo, independente do momento atual. O momento é grave, a crise no crédito é muito grande, mas o terceiro trimestre, segundo o IBGE foi muito bom.

Na recente reunião em Brasília, com empresários e governo, destacam-se as perpectivas do presidente do Wall-Mart prognosticando um Natal melhor que o do ano passado. Quanto ao primeiro trimeste de 2009, vamos aguardar. Quanto a nós, produtores, principalmente em nossa região, sofremos uma estiagem brutal em novembro, com as chuvas voltando somente agora, a partir de 10/12, mas o preço do adubo está despencando - há ofertas, trinta ou quarenta por cento mais baratas que em setembro; o preço do milho não reage, estando entre R$19,00 a R$20,00 e o preço do leite, na nossa região está estável desde setembro, com viés de alta na segunda quinzena de dezembro ou no máximo em janeiro/09.
Vamos com calma...
Eduardo Silveira da Silveira
EDUARDO SILVEIRA DA SILVEIRA

LAJEADO - RIO GRANDE DO SUL - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 14/12/2008

Falar de crise no setor leiteiro em um momento em que os técnicos somam esforços para que os produtores se concientizem da importância de se produzir leite com qualidade e livre de fraudes é um contracenso, o mundo não vai parar de tomar leite de qualidade, temos que valorizar o produtor e exigir qualidade!
Márcio Antônio Miranda da Rocha
MÁRCIO ANTÔNIO MIRANDA DA ROCHA

RIO VERDE - GOIÁS

EM 12/12/2008

Muito boa a avaliação, mas feita somente em cima das grandes do setor. Aí eu pergunto: e a situação das pequenas e médias industrias, que têm um impacto
direto na vida dos produtores de leite do País que, na realidade são os que pagam a conta?
Qual a sua dúvida hoje?