
Colin Holmes é dos maiores especialistas em produção de forragens e sistemas de produção de leite na Nova Zelândia. Pode-se dizer, sem medo de errar, que parte significativa do sucesso do sistema de produção da Nova Zelândia está nas pesquisas e no conhecimento de Holmes. Seu currículo ajuda a chegar a essa conclusão. Tem cerca de 100 trabalhos de pesquisa e 70 textos em conferências para produtores. É co-autor do livro "Milk Production from Pasture", uma referência em produção de leite a pasto; tem Ph.D. na Queen's University, em Belfast, Irlanda, e é professor de Sistemas de Produção de Leite na Massey University, na Nova Zelândia. É também assessor externo de um novo programa de pesquisa em Vitória, na Austrália, e tem dado palestras e apresentado trabalhos na Irlanda, na Inglaterra, na África do Sul e na América do Sul. Colin Holmes esteve participando de uma visita técnica de duas semanas na América do Sul, onde visitou o Equador, Argentina e Brasil. O convite foi realizado pela Dairy Partners Américas (DPA) e pela New Zealand Trade Enterprise, agência nacional de desenvolvimento econômico, que tem 48 escritórios no mundo todo. O objetivo de sua visita foi a difusão de tecnologia a produtores de leite e a técnicos da DPA através de palestras técnicas em diversas regiões dos três paises e de visitas em fazendas produtoras de leite. Além disso, houve oportunidade para que os produtores de leite de cada região conhecessem a tecnologia neozelandesa, através da participação de várias empresas relacionadas à cadeia leiteira. Nesse período, Holmes deu essa entrevista exclusiva ao MilkPoint.
MilkPoint: Quais são os principais desafios que os produtores neozelandeses têm hoje em relação à produção de leite?
Colin Holmes: Bem, um dos principais desafios - e que sempre existiu - é produzir leite com rentabilidade, considerando os preços mundiais. Nesse aspecto, a impressão que temos é que os preços médios internacionais estão subindo, o que é encorajador. Na Nova Zelândia, um dos principais desafios é ter certeza que estamos controlando bem os custos de produção. Uma das coisas que têm mudado recentemente é que o preço da terra tem subido. Esse é um problema crescente com o qual os produtores têm de lidar.
MKP: Como os produtores podem lidar com os altos preços da terra?
CH: o lado bom é que, se você é proprietário de terra, está ganhando pela valorização dos seus ativos, ou seja, há um ganho de capital. Porém, para produtores começarem a atividade, especialmente jovens produtores, está muito difícil, pois têm de emprestar grande quantidade de dinheiro para começar a produzir. Mesmo para quem já tem fazenda a situação é complicada, porque fica mais caro expandir para novas áreas.
MKP: O Sr. acha que essa situação pode levar produtores da Nova Zelândia a investir em outros países, como o Brasil?
CH: Um determinado número de pessoas na Nova Zelândia está interessado em adquirir áreas em outros países, especialmente no Chile, na Argentina e no Brasil. Portanto, a resposta para sua pergunta é positiva. No entanto, provavelmente isso não ocorrerá em grande quantidade.
MKP: O Chile e a Argentina provavelmente têm condições climáticas mais parecidas com a Nova Zelândia.
CH: Sim, a transição seria mais fácil. Já no Brasil, apesar dos fundamentos serem parecidos, haveria a necessidade de adaptação ao clima muito mais quente dos trópicos.
MKP: Até onde pode ir a produção da Nova Zelândia sem que haja aumento da suplementação ou de outras estratégias que possam elevar o custo e o risco associado aos custos mais elevados?
CH: Produzimos de fato muito pouco grão na Nova Zelândia, o que o torna relativamente caro para suplementação. Aos preços mundiais de lácteos, é difícil suplementar com grãos e ter lucro. A forma de aumentar a produção na Nova Zelândia se dá através da compra de mais terra ou da suplementação com forragens, como silagem de milho, que pode ser comprada a custos mais baixos do que os grãos. A quantidade de área convertida para o leite aumentou rapidamente de 1990 até hoje, se não me engano foi de 1 milhão de hectares para 1,4 milhão de hectares nesse período. Porém, nos últimos 2 ou 3 anos essa taxa de expansão decresceu. Uma das razões é que a ovinocultura tem sido uma atividade muito rentável ultimamente e, com isso, ovinocultores não têm convertido sua fazenda para pecuária de leite, como antes acontecia. De certa forma, é como a soja aqui no Brasil ou na Argentina. Se a criação de ovinos for uma boa atividade econômica, a conversão para leite diminui; se cai a rentabilidade dessa atividade, mais produtores passarão a produzir leite.
Uma das coisas interessantes que ocorre hoje é que muitos produtores de pinus, especialmente no centro do país, estão cortando suas árvores e semeando pastagens, passando a produzir leite e ovinos. Se as circunstâncias forem favoráveis para a atividade leiteira na Nova Zelândia, melhores inclusive do que outras atividades, acredito que podemos ordenhar mais 1 milhão de vacas no país, o que representaria 20 a 25% de aumento sobre a produção atual.
MKP: A questão ambiental não afetaria esse crescimento?
CH: Essa é sem dúvida uma preocupação crescente e que poderá afetar essas projeções de crescimento. É uma área de pesquisa que vem crescendo.
"Se as condições de mercado para o leite forem boas na Nova Zelândia, acredito que podemos aumentar a produção entre 20 a 25%"
MKP: De onde vem essa pressão, dos consumidores estrangeiros ou dos próprios neozelandeses?
CH: Hoje, vem dos próprios neozelandeses. Nós adoramos nosso campo, adoramos pescar, adoramos fazer esportes nos lagos e rios, queremos que nosso país permaneça bonito e saudável. Por outro lado, você está correto, a União Européia irá nos pressionar caso não façamos isso por conta própria. Mas iremos fazer, porque queremos produzir de forma sustentável por mais 100, 200 anos, através de nossos filhos, netos, bisnetos...
MKP: Quais são suas impressões sobre a produção de leite no Brasil?
CH: Bem, estive no Brasil apenas 2 vezes. A primeira vez foi em um congresso em Piracicaba, e agora estou de volta. No total, fiquei 14 dias apenas, de forma que o que falarei é a visão de um especialista de "14 dias". Acho que há, obviamente, um enorme potencial de crescimento. Há tanta área disponível, tantas culturas que podem produzidas, tantos subprodutos que podem ser utilizados na alimentação animal. As alternativas são muitas, muito maiores do que o que temos na Nova Zelândia em termos de suplementação. Vejo grandes oportunidades. Vocês têm as pastagens tropicais que produzem grande quantidade de matéria seca na época das chuvas.
MKP: Nota-se uma tendência de buscar a importação de modelos de outros países. Tivemos uma época em que a principal referência eram os Estados Unidos e, agora, claramente a atenção está voltada para a Nova Zelândia. Até que ponto o sistema neozelandês pode ser aproveitado no Brasil?
CH: Não se pode copiar nada, a não ser que suas condições sejam as mesmas, o que não é o caso. O que pode ser feito é adaptar, a partir de seus próprios recursos e circunstâncias, o que existe em outras regiões. Na Nova Zelândia, as pastagens são o recurso mais econômico, e nosso sistema leva isso em conta. Já vocês têm pastagens tropicais, suplementos em quantidade e raças diferentes. O que falei para as pessoas aqui foi que vocês certamente conhecem seus recursos e condições muito melhor do que eu. Coloquem os recursos em um sistema que leve em conta suas características. Outro ponto fundamental é que, se vocês pensam em exportar em grande quantidade, devem produzir com qualidade e baixo custo, pois essa é a forma de participar do mercado mundial. O mercado exportador tem seus altos e baixos. Tudo isso implica em não copiar nosso sistema, mas desenvolver o sistema local, baseado nas pastagens tropicais e nos alimentos disponíveis.
MKP: Como o Sr. vê questão da qualidade?
CH: Acredito que hoje seja um desafio que o Brasil tem, até pela questão climática e pelas distâncias, mas ao participar do mercado mundial, vocês terão de ter leite com alta qualidade.
MKP: A presença de multinacionais que utilizarão o Brasil como plataforma exportadora pode ajudar nesse processo?
CH: Definitivamente. A Nova Zelândia, por exemplo, tem focado a qualidade há muito tempo, porque exportamos a maior parte de nosso leite há 50, 70 anos. Nesse ponto, gostaria de comentar a respeito da atuação da DPA. Considero muito interessante a forma como a Nestlé e a Fonterra estão atuando conjuntamente aqui no Brasil. Tenho certeza que irá funcionar bem, porque ambas as empresas têm pessoas sensatas e não teriam investido tempo e dinheiro sem ter certeza que daria certo. O desenrolar dessa parceria será estimulante. Estou particularmente interessado em saber como eles farão para que os produtores de leite brasileiros ganhem dinheiro e, ao mesmo tempo, fazer com que os produtores neozelandeses ganhem dinheiro. Afinal, essa é a tarefa da Fonterra. Será um exercício muito interessante!
MKP: Há ainda uma percepção dúbia a respeito da presença da Fonterra no Brasil. Por um lado, é uma cooperativa de produtores; por outro, o objetivo é fazer o maior resultado possível para seus cooperados...
CH: Sem dúvida. Levará algum tempo e exigirá tanto gestão quanto práticas muito boas para superar suspeição e a falta de confiança. No Equador, por exemplo, reunindo um grupo de consultores do país, da Colômbia e da Venezuela, vi pessoas cheias de entusiasmo e idéias. Nessa manhã, nos encontramos com a equipe da DPA em Uberlândia, MG, e notei a mesma coisa. Pessoas excelentes, cheias de entusiasmo e interesse. Dessa forma, o cenário me parece muito otimista. Confesso que antes de chegar aqui, eu sabia muito pouco sobre a DPA. Na verdade, não sabia nem o que DPA significava, porque não tivemos, até agora, muita informação sobre a empresa na Nova Zelândia. Por isso, acredito que os próprios produtores da Nova Zelândia ficariam ressabiados em um primeiro momento. "Porque a Fonterra está investindo meu dinheiro na América do Sul? Como vou ganhar dinheiro através desses investimentos?" Seriam questionamentos plausíveis para o produtor da Nova Zelândia. Portanto, a suspeição pode existir dos dois lados! Não acho que o problema está na intenção, mas sim na comunicação. À medida que a informação flui para lá, para informar os produtores do porquê do investimento e dos retornos a longo prazo, a percepção muda. Quando você viaja, você percebe que as pessoas têm as mesmas preocupações, os mesmos receios, as mesmas necessidades. Tudo depende de que lado da cerca você está. Se você admitir que o outro lado tem os mesmos problemas e necessidades que você tem, você começa a estabelecer as bases para o entendimento.
"Estou interessado em saber como eles (DPA) farão para que os produtores de leite brasileiros ganhem dinheiro e, ao mesmo tempo, fazer com que os produtores neozelandeses ganhem dinheiro. O desenrolar dessa parceria será estimulante."
MKP: Se o Sr. fosse um pesquisador no Brasil, que áreas gostaria de pesquisar?
CH: Bem... isso é a minha opinião, baseada no interesse que tenho inclusive na Nova Zelândia. Gostaria de estudar sistemas de produção, a forma como os diferentes recursos de alimentação podem ser combinados com as diferentes raças existentes, em busca de sistemas mais rentáveis. Isso seria fascinante. É algo difícil de se fazer em estações de pesquisa, porque os recursos necessários são consideráveis. A forma como fazemos isso na Nova Zelândia é através da obtenção de informação de qualidade de fazendas comerciais, na forma de um estudo de caso. Cada fazenda é, portanto, um estudo de caso. Se você conseguir descrever e analisar com cuidado cada caso, mesmo sendo algo mais prático do que científico, terá uma informação de grande utilidade.
A área de melhoramento também me interessaria. Estive recentemente em um congresso de pastagens na Irlanda, do qual participaram vários brasileiros. Um dos temas que conversamos foi a respeito do melhoramento genético de forrageiras. Constatamos que havia pouca coisa sendo feita em relação a isso, porque não há grande interesse comercial. Quem ganha dinheiro com as pastagens são os fazendeiros, mais do que as empresas! Assim, considero áreas de grande interesse o melhoramento genético de forrageiras para condições tropicais, bem como o estudo de raças de gado leiteiro que se adaptem a essas condições tropicais. São projetos de longo prazo, realmente importantes. São mais do que projetos de pesquisa; são projetos de desenvolvimento. Acho que o único país do mundo que estuda o cruzamento de animais para condições tropicais é justamente o Brasil. Havia dois projetos na Austrália, mas foram interrompidos porque a produção de leite em áreas tropicais na Austrália praticamente se extinguiu recentemente. Se for objetivo desenvolver a produção de leite nos trópicos, então o progresso genético para produção de leite e para outras características de interesse para os produtores é essencial.
MKP:O Sr. acredita que raças com sangue zebuíno são interessantes para as condições brasileiras, ou poderíamos ter apenas raças européias, como na Nova Zelândia?
CH: As condições aqui são muito diferentes das da Nova Zelândia, de forma que considero difícil afirmar que a raça holandesa ou a jersey da Nova Zelândia se dariam bem no clima tropical. No final das contas, vocês precisam testar em suas próprias condições e ver o que acontece. Eu trabalhei, há 20 anos atrás, com stress térmico e efeitos do calor na produção animal. Eu me interessei muito por esse assunto e acho que, de uma forma ou de outra, parte da solução está na utilização de animais zebuínos, bos indicus, para conferir maior resistência ao stress térmico e aos carrapatos. Talvez para os carrapatos existam outras soluções, mas para o stress térmico, o uso de raças adaptadas aos trópicos pode ajudar. Entre as raças européias, há a percepção de que a jersey é um pouco mais resistente do que a holandesa, assim como pode-se dizer que a vaca jersey e a vaca holandesa da Nova Zelândia são mais tolerantes do que as vacas holandesas grandes, de altíssima produção. Essas vacas têm muito potencial leiteiro, mas têm problemas se não conseguem ingerir todo o alimento de que precisam. Isso acontece mesmo nas pastagens temperadas, de ótima qualidade, da Nova Zelândia. Essas vacas não conseguem ingerir toda a MS necessária, ficam magras e não reproduzem. Essas vacas, manejadas em pastagens tropicais da mesma forma que se faz para animais com sangue zebuíno, seriam um desastre, em minha opinião.
MKP: Como os novos programas de pagamento do leite por qualidade, com grande ênfase em componentes, afetariam a escolha genética das fazendas?
CH: Esse com certeza é um fator importante. Na Nova Zelândia, pagamos pela produção de sólidos. Se o leite for processado para produção de produtos sólidos, como queijos e manteiga, então o pagamento por sólidos é essencial. De fato, na Nova Zelândia, o volume de leite tem peso negativo no preço, ou seja, há uma penalização pelo volume de leite. Assim, é fundamental ter leite com alta concentração de sólidos, especialmente proteína. A genética da Nova Zelândia tem concentração mais alta de proteína e gordura do que a maior parte das genéticas do mundo, porque estamos pagando por gordura há 50 ou 60 anos e por proteína há 15 ou 20 anos.
