A ciclotimia do agronegócio
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Antes de analisar a crise de 2006-2007, é necessário rever o trajeto de longo prazo do setor. O sucesso do agronegócio deriva basicamente de mudanças estruturais na oferta doméstica e na demanda mundial.
Pelo lado da oferta, o sucesso nasce dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia adaptada à região tropical. Graças aos esforços de universidades, centros de pesquisa como a Embrapa e empresas nacionais e multinacionais, a paisagem rural transformou-se radicalmente: correção dos solos ácidos do cerrado, melhoramento genético de soja, algodão, gramíneas e gado zebuíno, plantio direto, agroquímicos, mecanização, agricultura de precisão, introdução da segunda safra no mesmo ano agrícola, integração lavoura-pecuária, etc. Melhorou também a capacidade gerencial dos produtores. Terceiro maior exportador mundial de produtos do agronegócio, o Brasil detém hoje os melhores índices de produtividade do mundo numa dezena de commodities importantes.
O movimento estrutural de demanda é bem mais recente e se origina do aumento do consumo e das importações dos países em desenvolvimento e, mais particularmente, do Leste da Ásia, da Rússia, da Europa Oriental e do Oriente Médio.
Há ao menos três explicações para o fenômeno:
1) o crescimento de renda per capita e redução da pobreza absoluta em importantes regiões do mundo;
2) a urbanização acelerada, que transforma ex-agricultores de subsistência em consumidores urbanos de alimentos comprados; e
3) o "efeito graduação", que é a substituição do consumo de proteínas vegetais (arroz, por exemplo) por proteínas animais (carnes e lácteos), frutas e alimentos mais elaborados, à medida que os consumidores migram da classe pobre para a classe média.
Estima-se que a carência de recursos naturais na maioria desses países (principalmente água e terras aráveis) garantirá um crescimento sustentável da demanda mundial durante pelo menos duas décadas. Além disso, surgem extraordinárias oportunidades para a agricultura energética - etanol de cana-de-açúcar e biodiesel de soja e palma.
De onde vem, então, a nova crise do setor? Cem por cento nacional, a atual crise apenas comprova a nossa incrível destreza na modalidade "tiro no próprio pé".
O primeiro tiro vem da taxa de câmbio real. Estamos à beira de um novo ciclo de apreciação cambial, à semelhança do período 1994-1999. Os bons preços internacionais em dólar se transformaram em preços em reais declinantes, em muitos casos abaixo dos custos de produção, que cresceram com o aumento expressivo dos preços dos fertilizantes, agroquímicos e óleo diesel. O resultado é que o produtor reduz o uso de tecnologia e o Brasil perde espaço para concorrentes menos eficientes, que conseguem, porém, manter as rédeas das políticas macroeconômicas mais ajustadas.
O segundo tiro vem da infra-estrutura. A região mais promissora do mundo para o desenvolvimento sustentável do complexo grãos-carnes-fibras-lácteos é o cerrado brasileiro. Porém os seus custos de frete já superam 40% do valor FOB do produto. Estradas intransitáveis, ferrovias e hidrovias estagnadas e gargalos portuários comem toda a eficiência adquirida na produção primária.
O terceiro tiro no pé vem da falta de recursos e contradições da política agrícola. Áreas críticas para garantir a eficiência global do sistema agroindustrial - como defesa sanitária, seguro rural, pesquisa e biotecnologia - vêm perdendo prioridade e recursos. Enquanto isso, crescem os gastos dirigidos a grupos específicos de produtores, como assentamentos e agricultura familiar. Bens públicos perdem espaço para programas localizados, muitos deles de duvidosa sustentabilidade econômica no longo prazo.
Estudos do Ipea mostram que a parcela do setor nas despesas totais do governo caiu de 5,6% na gestão Sarney para 1% na gestão Lula. Ao mesmo tempo, houve uma pulverização de novos programas com objetivos freqüentemente contraditórios, espalhados em quatro ministérios - Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Pesca e Meio Ambiente.
Produtores de commodities precisam estar preparados para lidar com a natureza cíclica do seu negócio, que vive a montanha-russa das altas e baixas periódicas da produção e dos preços. O problema é que no Brasil o desajuste das políticas macro (câmbio, juros, impostos) e a deficiência das políticas setoriais (infra-estrutura, sanidade), aliados à falta de proteção contra riscos (ausência de seguro rural e hedge contra a volatilidade dos preços), fazem com que o comportamento padrão do agronegócio seja não apenas cíclico, mas, sobretudo, psicoticamente ciclotímico.
Ciclotimia é o temperamento caracterizado por alternâncias cíclicas de períodos de grande excitação, euforia ou hiperatividade e períodos de profunda depressão, tristeza ou inatividade. A grande verdade é que a ausência e/ou incoerência das políticas públicas para o agronegócio magnifica os riscos de andar na montanha-russa. Enquanto não forem corrigidos os trilhos desta montanha, a única solução é sair da beira do precipício adotando um comportamento empresarial absolutamente conservador.
Já se foi o tempo em que o desafio do agro era apenas produzir mais e melhor. Hoje em dia, o que importa é analisar cuidadosamente a oferta, a demanda e os preços, reduzir os riscos da comercialização, aprender a conviver com as inconstâncias e insanidades das políticas públicas e, principalmente, rezar, rezar muito...
Material escrito por:
Marcos Sawaya Jank
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SÃO FRANCISCO - MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE GADO DE CORTE
EM 05/05/2006
Quanto aos "3 tiros", perceba que os dois primeiros foram disparadas pelas armas dos nossos governantes, uma vez que "macroeconomia e infra-estrutura" são atribuições do governo.
Finalmente, estamos em ano de eleição, deixemos esta mania de negligenciar política e políticos, pois "esta classe" pode anular os nossos esforços, tornando em vão o nosso Trabalho!
Nestas eleições participem, escolham políticos comprometidos com a agropecuária brasileira, para que possamos manifestar o poder do agronegócio.

OUTRO - MINAS GERAIS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS
EM 02/05/2006
Primeiro o terceiro tiro no pé. O investimento que a União faz em alguns programas sociais é uma necessidade criada pela própria "modernização" da agricultura, o que causou desemprego no campo pela mecanização, provocando a velha história do êxodo rural com suas conseqüências (favelas, violência, megalópolis, etc). Assim os recursos gastos nos programas sociais de distribuição de renda e acesso a terra estão muito atrasados e deveriam ter sido investidos no momento inicial das consequências da "Revolução Verde". Hoje o assentamento de famílias urbanizadas, que estão morando nas periferias de grandes cidades tende ao insucesso, devido à perda da cultura do trabalho rural.
Outra discordância é o fato de apesar da grande transformação da agropecuária do país em uma das melhores produtividades do mundo, nosso sistema é insustentável, pois necessita de elevado aporte externo de energia e insumos, o que o coloca com vulnerabilidade face as intempéries do mercado e da economia.
A dita "modernização" faz com que grandes grupos internacionais é que fiquem com a maior parte do bolo gerado pelo agronegócio (energia, fertilizantes, agrotóxicos, máquinas, sementes, agroindústrias). Os agricultores ficam com a parte pobre do negócio, com uma margem pequena, com o risco da produção e do mercado.
Assim o ideal seria unir a alta eficiência econômica das unidades de produção modernas com a elevada adaptação agroecológica da agricultura familiar que procura conviver ao máximo com os fatores limitantes, possuindo um balanço energético positivo.

BARUERI - SÃO PAULO
EM 25/04/2006
Análises dessa natureza, se tomadas como referencial sólido para o desenvolvimento de atitudes políticas de todos quantos trabalham no agronegócio, poderão ser instrumentos eficazes para alicerçar ações que culminem com a remoção do revólver das mãos de quem está dando os tiros no pé.
Parabéns ao prof. Marcos, que presta ao agronegócio um inestimável serviço nos brindando com seu artigo em momento tão delicado.

BELO HORIZONTE - MINAS GERAIS - INSTITUIÇÕES GOVERNAMENTAIS
EM 23/04/2006

PORTO VELHO - RONDÔNIA - EMPRESÁRIO
EM 20/04/2006
O que se levou décadas para melhorar a produtividade, melhor gerenciamento etc, em menos de 3 anos se vê a iminência da falência estrutural de todo processo produtivo, baseado apenas e tão somente na ganância da detenção do poder... custe o que custar...