Em 1997, a Santa Luzia começou a se dedicar à produção verticalizada de queijos e a inauguração da queijaria inicialmente tinha como objetivo agregar valor por meio da comercialização direta do produto.
Em entrevista ao MilkPoint, Martin Breuer, proprietário da Santa Luzia e responsável técnico, comentou que o queijo tem um custo de implantação menor comparado à bebida láctea e o iogurte. “Além da otimização da receita, o queijo combina com o gado Simental leiteiro, que é a nossa atividade desde o início. Esta raça é uma das principais queijeiras na Europa e no mundo e ela se apresenta por meio de diferentes fenótipos, Simmenthal, Fleckvieh, Montbéliarde, Abondance, e seus cruzamentos”.
Figura 1 - Maristela Nicolellis e Martin Breuer - casal produtor de queijos da Fazenda Santa Luzia.
Gado Simental leiteiro da Fazenda Santa Luzia (a)
Como os primeiros resultados das experiências com queijos deram certo, logo a propriedade começou também a produzir queijos especiais – que tinham que ser vendidos como queijos comerciais porque ainda não havia espaço para salientar a característica artesanal dos produtos. “Somente anos mais tarde explodiu o movimento dos queijos artesanais brasileiros, que lançou uma luz completamente diferente sobre o conceito de queijos. Hoje nós estamos no meio dessa transformação. No imenso universo dos alimentos para humanos, há os que servem para matar a fome, e há os que servem para serem apreciados com as virtudes do olfato e do paladar”. A queijaria artesanal funciona na própria fazenda há quase 20 anos e é a primeira queijaria artesanal do Estado de São Paulo. Ela foi regulamentada pelo SISP (Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Estado de São Paulo) em 2001.
A Fazenda Santa Luzia abriga também o mais antigo criatório de gado da raça Simental do Estado de São Paulo. A ideia é criar uma vaca produtiva e relativamente rústica, econômica e sustentável – não só devido aos altos teores de sólidos totais (até 14-14,5%) e de proteína (até 3,9% - 4,0%) – mas também, com o máximo rendimento na produção. Atualmente a produção de leite na fazenda gira em torno de 500 litros/dia, há uma mescla de animais puros e cruzados e a produção média das vacas é de 15 litros/dia. “O potencial do rebanho obviamente é maior do que isso, mas estamos trabalhando para alcançar 20 litros/vaca/dia”.
A fazenda produz vários tipos de queijos entre frescos, de maturação (curta, média ou longa) pasteurizados ou crus. “Desde o início, o projeto visou a produção de queijos diferenciados e desenvolver o que hoje se entende por terroir (um produto próprio de uma área limitada). Alguns dos nossos queijos feitos a partir de leite cru confirmam esta suposição: estamos desenvolvendo um ambiente onde o terroir tem notoriedade. E numa região que não tinha nenhuma tradição queijeira. Há muitos anos, quando descobrimos que isso era possível, foi uma grande satisfação. Fazer queijos é negócio. É comprometimento. Afinal, temos muitos consumidores habituais com quem criamos um compromisso, e isso é algo muito valioso. O queijo não tem a mesma popularidade da carne, por exemplo, mas isso pode acontecer em breve, se depender do empenho de muitos produtores artesanais individuais e de núcleos regionais de diversas regiões do Brasil”, destacou Martin.
Na sua opinião, ainda falta um pleno entendimento do queijo como um produto mais diversificado e menos padronizado. “Aspectos regionais, ambientais, genéticos, nutricionais e processuais (pasteurização ou não, tempo e temperatura de cozimento da massa, adição de fermento, formas de prensagem, salga, lavagem, entre outros) fazem com que exista uma infinidade de queijos diferentes. A noção de terroir praticamente não existe no caso dos cereais, da carne e muito menos dos queijos industriais. Muita gente não imagina o universo que está por trás do leite e seus múltiplos procedimentos de transformação. O leite é vivo. Com as questões sanitárias e a perecibilidade do leite, a diversidade ficou ofuscada e muitas pessoas ainda não sabem o que é um bom queijo”. Em média, a produção mensal de queijos da Santa Luzia é de 2.000 quilos.
Processo de fabricação
O processo de fabricação é basicamente manual com exceção da prensa que é pneumática. Toda a mexedura do leite, o corte da massa, a enformagem, a viragem, a lavagem e a formação da casca são feitos manualmente. A queijaria é equipada com uma pequena caldeira, um sistema de resfriamento de água, tanques de pasteurização, câmaras de armazenamento, maturação e afinagem.
Alguns queijos, como o frescal, coalho, minas padrão, Saint Paulin e Giramundo são feitos a partir de receitas tradicionais. Outros como o Pioneiro, Fernão, Bandeirante, Castanho, Braukäse e Dionísio foram desenvolvidos pela própria fazenda e podem ser considerados criações próprias. Há ainda os queijos como o Tropeiro, Simental, Garnizé e Carijó - que são afinações das receitas tradicionais.
Queijo Tropeiro - Fazenda Santa Luzia
Os queijos artesanais e queijos especiais são curados em câmaras de maturação apropriadas por períodos variando até três anos. Durante a fase de maturação ocorre o desenvolvimento do sabor, aroma e textura próprios de cada queijo. Não são utilizadas nenhuma espécie de conservantes químicos.
Comercialização dos queijos
A comercialização ocorre principalmente por meio da loja de fábrica da fazenda, mas os produtos também são vendidos para empórios, mercearias, padarias, hotéis e supermercados. “Evitamos terceirizar entregas pois vemos uma importância muito grande em manter um contato direto com a área de venda nos estabelecimentos e garantir a rastreabilidade. Dá muito mais trabalho, mas garante qualidade, até porque ainda se vê bastante despreparo por parte de repositores de supermercados, que muitas vezes não manuseiam os produtos corretamente, acabam prejudicando a venda do mesmo, e criam um mal-estar com o consumidor final - que invariavelmente atribui o problema ao fabricante. Como o nosso queijo não tem conservantes, que é o que se espera de um produto artesanal, ele acaba tendo uma certa desvantagem com relação ao produto industrial durante o tempo de prateleira. Estes e outros problemas dificultam uma coexistência de produtos artesanais e industriais”, ponderou Breuer.
Questionado sobre os padrões de sanidade e qualidade, Martin disse que com todos os recursos técnicos que temos disponíveis hoje, a obtenção higiênica do leite não deveria ser um problema. “O principal obstáculo para uma obtenção higiênica do leite é o fator humano. A pecuária leiteira brasileira no passado sempre foi uma atividade socialmente primitiva e pastoril. O nível cultural das pessoas que trabalhavam com leite era baixo. A utilização de ordenha mecânica, melhoramento genético, informática, entre outros, requer um grau de instrução melhor, e esse aspecto preocupa, já que atualmente está muito difícil encontrar pessoas capacitadas para lidar, ao mesmo tempo, com rusticidade e higiene na medida em que a pecuária leiteira exige. Por outro lado, muitas leiterias não conseguem melhorar a qualidade do leite porque não conseguem escapar do círculo vicioso de trocar funcionários sem a habilidade necessária”.
Para ele, a mão de obra rural carece de uma regulamentação mais precisa. “Só um simples treinamento não é suficiente para formar bons vaqueiros. A própria CLT, com suas poucas opções de cargos possíveis, prejudica profundamente toda esta situação. A partir dessa dificuldade nós desenvolvemos uma forma de obter um leite selecionado, baseado nos resultados das análises individuais feitas mensalmente por meio do controle leiteiro”.
“A própria legislação da produção artesanal na qual estamos inseridos, limita a produção diária em 300 litros e, elimina qualquer perspectiva de crescimento dentro do panorama artesanal, engessando uma série de medidas para facilitar o trabalho. Tivemos problemas principalmente com redes de supermercados, que em ato de contravenção, não reconhecem a nossa legitimidade e não querem comprar nosso produto. Também no varejo há problemas de armazenamento e/ou exposição incorretos de produtos perecíveis durante o ‘shelf-life’ e, mesmo com um suposto treinamento, os funcionários muitas vezes não têm a noção de como cuidar de um queijo. Ainda, justificavam para os clientes insatisfeitos que se tratava de um ‘problema de fábrica’”, completou o produtor.
Segundo Martin, não foi fácil encontrar um nicho de mercado ideal – que hoje tende a se concentrar principalmente na comercialização própria, direta ao consumidor final. “A crise econômica atual prejudicou um pouco a comercialização com intermediários, mas a venda direta aumentou. Sentimos que as pessoas estão começando a perceber a diferença entre comer bem e comer qualquer coisa. Comer sempre foi a melhor vingança”, concluiu.
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