As proteínas lácteas ocorrem em dois grupos majoritários: as caseínas (80% do nitrogênio total) e as soroproteínas (20% do nitrogênio total), com distribuição dependente de fatores intrínsecos e extrínsecos, como genética, alimentação do rebanho, época do ano etc.
As caseínas possuem como função biológica precípua o transporte de cálcio e fosfato para o neonato. Aproximadamente 95% das caseínas apresentam-se na forma de partículas coloidais, denominadas micelas, que estão implicadas com a estabilidade térmica do leite (Goff, 2009).
As proteínas do soro, neste estudo consideradas aquelas provenientes da coagulação enzimática do leite, são globulares, apresentando dois constituintes principais (α-lactalbumina e β-lactoglobulina), exibindo alta hidrofobicidade e baixa capacidade de ligação com o cálcio, quando comparadas às caseínas. A β-lactoglobulina corresponde a fração predominante no soro (38% a 45%), apresentando resistência à ação de ácidos e enzimas proteolíticas presentes no estômago, além de ser importante peptídeo carreador de retinol (provitamina A) (de Wit, 1998). A α-lactalbumina (correspondente a 15% a 20% do soro) é rica em aminoácidos como lisina, leucina, treonina, cistina, possui capacidade de ligação com minerais, como cálcio e zinco além de ser precursor da biossíntese da lactose (Markus et al., 2002; Lönnerdal, 2003).
Importância econômica das proteínas lácteas
As proteínas lácteas representam o componente de maior valor para a industrialização laticinista. A lucratividade das indústrias depende do rendimento fornecido pela riqueza composicional, a exemplo, da fabricação de queijos e eficiência da transformação do leite em coprodutos como leite concentrado.
O leite concentrado a partir de desidratação ou concentração por membranas como ultrafiltração é um estratégico macroingrediente na fabricação de produtos lácteos por apresentar elevado teor proteico e representar versatilidade no balanço de fórmulas.
As propriedades sensoriais, nutricionais e de textura, dos principais produtos lácteos, como bebidas lácteas, queijo e iogurte derivam das propriedades das caseínas (de Kruif et al., 2012).
A estabilidade térmica conferida pelas caseínas do leite, viabiliza tratamentos de alta temperatura e produção de inúmeros produtos lácteos esterilizados com longa vida de prateleira (Singh, 2004).
Segundo o MilkPoint Mercado (2023) a geração de soro de leite derivado da produção de queijos no Brasil é de nove bilhões litros/ano, fixando-se no cenário nacional como importante fonte de proteínas solúveis para aplicação em derivados lácteos (Zavereze et al., 2010).
Determinação de proteínas lácteas
Em um cenário laticinista cada vez mais competitivo, o controle de qualidade e a caracterização de matérias primas são cada vez mais exigidos, com aplicação de ferramentas analíticas equivalentes aos seus respectivos métodos de referência.
A determinação das proteínas lácteas tem sido tradicionalmente realizada por método tradicional de Kjeldahl e nos laboratórios de rotina industrial por métodos espectrofotométricos automáticos (MilkoScan®, Bruker® e Perkin Elmer®), todavia, o tempo resposta das análises via Kjeldahl e o custo elevado da instrumentação para os métodos automáticos, dificulta a aplicação em boa parte dos laticínios brasileiros (Silva e Carvalho, 1993).
O método do formol é baseado na medição de prótons liberados pela reação do formaldeido com os grupos amino das cadeias laterais das proteínas lácteas, fixando-se como método indireto de fácil execução para determinação de proteínas (Richmond e Miller, 1906; Wolshoon, Vargas, 1977). A seguir, tem-se a representação esquemática do método:
Figura 1. Método de determinação de proteína de leite cru baseado na reação com formol
Fonte: elaborado pelos autores (2023)
Expressão dos resultados de proteína em leite cru pelo método baseado na reação com formol:
TP: Teor de proteína total (g/100g)
V2: mL de solução de hidróxido de sódio gasto na 2ª titulação;
FAF: Fator acidez do formol (volume em mL consumido na titulação do formol);
fc: Fator de conversão formol versus proteína de leite cru (1,74)
TP = (V2 – FAF) * fc
Steinegger (1905) definiu o valor aldeído como a diferença entre a acidez original do leite e acidez após adição de formaldeído 40%.
Pyne (1956) encontrou melhor acuracidade do método mediante adição de oxalato de potássio previamente a titulação com formol, no intuito de eliminar o efeito de precipitação de fosfatos coloidais presentes na amostra e mitigar a palidez do conteúdo amostral, favorecendo a determinação do ponto de viragem da titulação. O mesmo autor estabeleceu o valor de 1,74 como fator de conversão em mililitros de hidróxido de sódio para percentual de proteína no leite.
Wolfchoon e Vargas (1977) estudaram a aplicação do método de formol para determinação do teor de proteína em leite cru e pasteurizado, encontrando alto índice de correlação em comparação com método referência Kjeldahl.
Para Oliveira, Segheto e Furtado (2006), o método de formol é de grande relevância por apresentar baixo custo, rápida execução e aplicabilidade à realidade das indústrias de laticínios.
Nascimento (2023) estudou a aplicação do método de formol para determinação do teor de proteínas em leite concentrado por ultrafiltração (12% a 18% de proteínas) a partir da adaptação do método proposto por Wolfchoon e Vargas (1977), não encontrando diferença significativa dos teores de proteína determinados pelo método referência de Kjeldahl e formol. O fator determinado para conversão do número de mililitros de NaOH 0,1 mol/L em porcentagem de proteína de leite concentrado foi 1,8932. A seguir a representação esquemática do método adaptado:
Figura 2. Método de determinação de proteína de leite concentrado baseado na reação com formol
Fonte: elaborado pelos autores (2023)
Expressão dos resultados de proteína em leite concentrado pelo método baseado na reação com formol:
TP: Teor de proteína total (g/100g)
V2: mL de solução de hidróxido de sódio gasto na 2ª titulação.
5: Fator de diluição
FAF: Fator acidez do formol (volume em mL consumido na titulação do formol);
fc: Fator de conversão formol versus proteína de leite cru (1,8932)
TP = (V2*5 – FAF) * fc
No âmbito do controle de qualidade na indústria de alimentos, a busca por métodos analíticos sofisticados e com alta exatidão é fundamental para expandir a verificação da segurança e da conformidade dos ingredientes, matérias-primas, produtos em processo e produtos acabados para o consumo humano.
A adoção de métodos instrumentais representa um avanço expressivo, caracterizado pela seletividade, acurácia e capacidade destes métodos para processamento de diversas amostras. No entanto, é necessário reconhecer que os métodos analíticos convencionais, baseados em princípios químicos clássicos, como doseamentos e titulações, continuam a desempenhar um papel fundamental nas análises de rotina dos alimentos.
Este valor atribuído aos métodos clássicos se deve, em grande medida, à praticidade, ao custo acessível e à familiaridade que os protocolos analíticos exibem e conferem junto à equipe de laboratoristas, garantindo uma implementação eficiente e confiável no contexto das operações diárias de controle de qualidade. Assim, a complementaridade entre as inovações analíticas e as abordagens laboratoriais tradicionais contribuí para os esforços de controle e segurança dos alimentos.
Referências bibliográficas
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