Um dia desses conversando com um estudante de veterinária na fazenda ele fez a seguinte exclamação (ao ver uma vaca ofegante e debaixo de um sol escaldante):
“ – Ah, se as vacas falassem! “
Pensei um pouco e disse a ele: “- As vacas falam!”
O idioma das vacas é diverso, hoje se fala em “cow signals”, que são os sinais que as vacas apresentam (comportamentos, aparência...), mas também elas nos falam por números e é esse idioma que um bom consultor deve aprender.
E nesse contexto de estresse térmico, falta de conforto, elas nos mostram os nossos erros de maneira clara, seja com queda de produtividade, aumento da taxa de mortalidade, aumento dos casos de doenças (cascos, mastite...), queda no desempenho reprodutivo...
Segue o relato de caso de uma fazenda de 50 vacas em lactação, 120 animais no rebanho, e aproximadamente 1200 litros diários. Todos os dados referem-se ao ano de 2019!
A taxa de concepção da fazenda está seriamente afetada pela estação do ano, conforme podemos ver no gráfico 1. No verão, de cada 10 vacas, emprenharam duas, enquanto no inverno emprenharam três, ou seja, uma vaca a mais a cada grupo de 10 vacas. Como podem ver, mesmo no inverno esse indicador está baixo, o ideal seria estar em torno de 40%. Mas a diferença é enorme! Estamos falando em uma taxa de concepção 40% menor no verão! E qual o custo disso? Quanto dinheiro essa fazenda está deixando de ganhar?
Gráfico 1 - Taxa de Concepção Verão x Inverno.
Dados PDPL/PCEPL.
Analisando a tabela 1, podemos ver que, gastando a mesma quantidade de sêmen, tivemos um número muito maior de vacas prenhes no inverno, e, assim, tivemos um custo de R$ 40,00 a menos por vaca (despesas com sêmen), considerando o preço médio do sêmen a R$ 30,00. Assim, começamos a contabilizar as perdas, mas as perdas com doses de sêmen são muito pequenas, quando comparadas ao atraso reprodutivo (menos bezerras, aumento do descarte involuntário), aumento do DEL e menor produção de leite.
Tabela 1 – Custo da prenhez conforme estação do ano.
Dados PDPL/PCEPL.
Como dito acima, o resultado dessa ineficiência reprodutiva nas contas da fazenda se agrava quando avaliamos a produção de leite diária. E para exemplificar melhor isso, vamos analisar inicialmente a curva de lactação da fazenda (Gráfico 2) e fazer um exercício supondo que essas vacas aumentem em 30 dias seu DEL (Dias em Lactação) médio, passando de 170 para 200 dias de DEL. Isso acarretaria uma perda de 3,8 L/VL/D (litros por vaca em lactação por dia)! Sendo assim, considerando um preço do leite de R$ 1,50/L, estamos falando em uma queda na renda bruta diária de R$ 285,00, ou seja, R$ 104.025,00 por ano!
Gráfico 2 – Curva de lactação do rebanho.
Dados PDPL/PCEPL.
O estresse térmico ainda causa um impacto direto na produção, pois reduz o consumo de matéria seca, aumenta o gasto energético para manter a homeostase etc. Vejamos na mesma fazenda as diferenças de produção por vaca entre o verão e inverno (Gráfico 3).
Gráfico 3 – Produção diária por vaca em lactação (Verão x Inverno).
Dados PDPL/PCEPL.
Analisando esses dados, podemos notar um incremento de 2,2 L/VL/D no inverno comparado com o verão, R$ 3,30 por vaca-dia. Na fazenda acima, isso representa uma perda de R$ 165,00 por dia e aproximadamente R$ 29.700,00 por ano (considerando o verão como 180 dias - Outubro a Março).
E como usamos esses números a nosso favor? Como resolver esse problema? A partir dessa mensuração de perdas fica mais fácil você decidir qual decisão irá tomar! Por exemplo, devo iniciar a construção de um galpão de Compost Barn, investir em sombreamento, fazer uma “sala de banho” para minhas vacas? Supondo que esses investimentos sejam de R$ 150 mil reais, será que é viável investir e em quanto tempo retornará esse investimento?
Contabilizando as perdas:
- 89150 L/ano (Soma das perdas Gráficos 2 e 3) x R$ 0,25/L (margem líquida atual da fazenda) = R$ 22.287,50
- Custo da prenhês (considerando todas as vacas prenhas ao valor de R$ 94,00) = Diferença de R$ 1.000,00 (Tabela 1).
- Total = R$ 23.287,50
- Pay-Back = 6,5 anos para um galpão que durará 30 anos.
Sendo assim, é viável fazer esse investimento! Além disso, há oportunidades de ganhos muito maiores, como redução de despesas com medicamentos, mais bezerras nascidas, menor mortalidade, menor descarte involuntário etc. Portanto, acredita-se que o retorno seja ainda mais rápido! Os dados da literatura corroboram o que foi dito anteriormente, por exemplo, Pierre et al. em 2003, relatou perdas em produção de 894 até 1803 Kg/vaca/ano, atraso de 59,2 dias no período de serviço das vacas, aumento de 7,99 % da taxa de descarte involuntário e aumento de 1,72% da mortalidade de vacas.
Concluindo, “fiquemos de orelha em pé” as vacas estão nos gritando que estão sofrendo por estresse e os nossos bolsos estão ficando vazios.
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