Durante o período seco (PS) a glândula mamária de vacas leiteiras passa por várias alterações histológicas e fisiológicas, especialmente nas primeiras duas semanas após interrupção da ordenha. Assim, o PS é uma fase de alto risco de novos casos de mastite, mas também é uma boa oportunidade para tratamento das infecções existentes.
O tratamento de vaca seca é o manejo mais convencional para tratar e prevenir infecções intramamárias durante o PS. No entanto, a preocupação global com o uso imprudente de antimicrobianos e o aumento da resistência bacteriana, tem incentivado a busca por alternativas não antimicrobianas, dentre as quais destacam-se a terapia seletiva de vaca seca, associada com o uso de selantes de tetos (SIT).
A composição dos selantes de tetos é baseada em subnitrato de bismuto, que confere proteção física contra novos casos de mastite durante o PS. O mecanismo de ação do selante de tetos se dá pela formação de uma barreira física no canal dos tetos que mimetiza o tampão fisiológico de queratina e impede a invasão bacteriana. Embora esta capacidade de proteção tenha sido proposta em inúmeros estudos, o modo de ação do subnitrato de bismuto nas formulações de SIT é desconhecido e não foi cientificamente comprovado.
Diante disso, pesquisadores da Nova Zelândia investigaram se o subnitrato de bismuto seria capaz de inibir o crescimento de bactérias durante a colonização da glândula mamária no PS e o desenvolvimento de novas infecções intramamárias. Para isso, foi avaliado o efeito in vitro do subnitrato de bismuto sobre o crescimento de Streptococcus uberis, Staphylococcus aureus e Escherichia coli, por testes de disco-difusão, medição de impedância e avaliação do crescimento bacteriano em condições de agitação. Nos três experimentos foram comparados um grupo tratado (com subnitrato de bismuto) e um grupo sem tratamento com selante.
Os resultados mostraram que ocorreu redução do crescimento bacteriano na presença de subnitrato de bismuto para todas as espécies bacterianas avaliadas (Figura 1). Strep. uberis foi a cepa mais sensível à ação do subnitrato de bismuto, o que pode seratribuído à alta sensibilidade de Strep. uberis a este composto ou às reduzidas taxas de crescimento in vitro de algumas espécies de Strep. uberis diante da disponibilidade de nutrientes.
Figura 1: Comparação das médias das contagens bacterianas para subnitrato de bismuto (SB) versus grupo controle (CON). Valores seguidos por letras diferentes foram considerados estatisticamente diferentes.
A ação do subnitrato de bismuto reduziu crescimento bacteriano nas avaliações in vitro. Esta redução pode explicar, pelo menos em parte, a eficácia de formulações à base de bismuto para a prevenção de infecções intramamárias durante o PS. Alguns estudos indicam que a eficácia de SIT é similar a da terapia de vaca seca sobre a incidência de mastite clínica no PS e pós-parto.
Desta forma, a prevenção de mastite clínica durante o PS pode estar associada a redução no crescimento de agentes causadores de mastite pela ação do subnitrato de bismuto (componente de SITs) na glândula mamária. Apesar disso, o mecanismo de ação pelo qual o subnitrato de bismuto retarda o crescimento bacteriano ainda não é totalmente compreendido. Algumas especulações sugerem o envolvimento de fatores oxidantes, interferência no metabolismo bacteriano pela redução da síntese de ATP, inibição de enzimas, da formação de biofilme e/ou inibição de ureias (essenciais para algumas bactérias).
Além do efeito dos SIT como barreira física, descrito em estudos anteriores, a inibição do crescimento bacteriano pode reduzir a colonização do canal do teto por patógenos causadores de mastite. Entender o mecanismo de ação deste composto pode ajudar no desenvolvimento de novos métodos de controle de mastite na secagem. Dessa forma, mais pesquisas são necessárias para avaliar o efeito do subnitrato de bismuto nas diferentes formulações de SIT sobre a dinâmica de crescimento bacteriano, especialmente para Staphylococcus não aureus e Streptococcus spp. uma vez que estes agentes são importantes causas de infecção intramamária em vacas leiteiras e novilhas.
NOTCOVICH et al. Journal of Dairy Science, v. 103, n. 8, p. 7249-7259, 2020.