Marcelo Pereira de Carvalho
A Cadeia do Leite, como muitas outras, apresenta inúmeros aspectos polêmicos, muitos deles frutos de interesses divergentes dos elos que a compõem. Nem todo mundo fala a mesma língua, por exemplo, no que se refere aos benefícios e motivações dos programas de melhoria da qualidade do leite, ou dá a mesma relevância ao efeito das importações de leite ou da produção informal. Isto é até compreensível, uma vez que, apesar da lógica dependência entre estes elos (é preciso produzir, processar e comercializar lácteos), não há dúvida que cada grupo, salvo raras exceções, visualiza o setor sob o ângulo que lhe parece mais atraente, o que, convenhamos, também é compreensível.
Colocando como ingrediente adicional neste caldeirão as diferenças históricas de poder de negociação entre produtor e indústria e, mais recentemente, entre indústria e varejo, tem-se que o setor vive sob constante medição de forças entre seus integrantes, tornando quase utópico que todos se sentem à mesa deixando as armas do lado de fora da sala.
Um dos poucos temas em torno do qual há espaço para um consenso ao menos quanto ao seu princípio básico é a promoção de lácteos. A não ser que o leite importado supra esta necessidade adicional, se o brasileiro consumir mais lácteos, todos os integrantes se beneficiarão. A promoção de lácteos ocorre maciçamente em diversos países, sendo o exemplo mais notável os EUA, no qual o leite conta com um verdadeiro exército de estrategistas, profissionais de marketing, nutricionistas, médicos e políticos sob a coordenação da Dairy Management Inc. e outras instituições que juntas, dispõe de arsenal financeiro suficiente para não fazer feio diante de indústrias poderosas como a de refrigerantes ( veja notícia desta semana sobre os benefícios destes programas).
Há quem argumente que não podemos nos comparar com os EUA. Mas a promoção de lácteos vem sendo discutida e implementada em diversos países da Ásia (inclusive sem tradição no consumo de leite) e da América Latina, principalmente a partir do setor produtivo e da indústria. Em novembro, com apoio da FAO, será realizado o 1º Congresso sobre Leite Escolar das Américas. Até onde sabemos, o Brasil não terá palestrantes no evento.
Por outro lado, nota-se uma movimentação positiva no sentido de promover os produtos lácteos no Brasil. No espaço de um ano, o setor viu lançamentos institucionais de empresas do setor e a constituição de uma nova entidade, a Láctea Brasil, cuja principal missão é justamente promover o leite.
Existe espaço significativo para este tipo de iniciativa. Talvez a classe média/alta nacional esteja entre as menos informadas do mundo ocidental a respeito os benefícios do produto, embora a percepção do leite como um alimento importante exista.
Há que se considerar, porém, do risco dos diversos elos da cadeia não concentrarem os esforços na mesma direção. A tarefa de promover os lácteos junto à população é hercúlea, caso o objetivo seja de fato elevar o consumo. Além disto, todos os elos são beneficiados, de forma que a não coordenação dos esforços fatalmente irá gerar insatisfação por parte de quem contribui em benefício do todo. Se não houver uma coordenação dos esforços dos diferentes elos da cadeia em torno deste objetivo comum, a chance de se colher fracassos sem dúvida cresce.
O setor tem a rara oportunidade de sentar-se à mesa para discutir uma estratégia benéfica para todos. Em face do caráter ainda inicial destes projetos, fica a dúvida se isto de fato ocorrerá, ou se veremos diversos projetos paralelos e isolados, dividindo recursos e esforços que poderiam ser mais produtivos se canalizados em prol da Cadeia do Leite.