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Porque se debate tanto custo de produção

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 28/02/2005

8 MIN DE LEITURA

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A provocativa enquete "Custo de R$ 0,54/litro é muito alto, alto, médio, baixo ou muito baixo" gerou votação recorde, com 178 participantes, dos quais mais de 100 comentaram seu voto, gerando interessante material para análise (clique aqui para ver a matéria).

O debate já era esperado. Afinal, custo de produção de leite é um tema historicamente muito debatido e polêmico, por várias razões, algumas das quais vamos discutir.

A primeira é que, em um ambiente no qual o produtor não controla o preço do produto vendido, cabe a ele gerenciar seus custos e a escala de produção para ter lucro com a atividade. Dessa maneira, o custo de produção é uma variável importante para determinar a permanência e o crescimento de determinado produtor na atividade, visto que há pouco espaço para diferenciação do produto. Custos consistentemente acima do que o mercado paga tendem a ser fatais.

Essa constatação foi corretamente captada por diversos participantes da enquete que consideraram o custo de R$ 0,54 por litro alto ou muito alto porque simplesmente era mais do que a indústria pagava. Sob a ótica da formação de preços, estão corretos em sua análise. É de se perguntar, porém, se o custo de R$ 0,40 seria também elevado caso o mercado estivesse remunerando o leite em R$ 0,38... certamente seria, o que remete à constatação que, caso o produtor não invista em elevar seu poder de negociação, via cooperativas e associações, por exemplo, tenderá sempre a repassar seus ganhos de eficiência ao elo seguinte.

A segunda razão para a discussão de custos ser polêmica é que, em um mercado marcado pela assimetria da informação e da diferença de poder de barganha entre produtor e indústria, teme-se, por parte dos produtores, que o custo de produção reportado acabe virando, de alguma forma, referência para precificação do produto. Esse temor pode ter sido estimulado pelo fato de muitos dos levantamentos e estudos de custos de produção foram ou são realizados ou financiados pelos laticínios, que são obviamente parte interessada na matéria - e muito, visto que o leite representa item significativo de custos. Para complicar, não há como negar que grande parte do debate sobre custos de produção de leite feito no país, a partir de artigos publicados e palestras, foi alicerçada em dados pontuais, por vezes equivocados, dando margem para que a nebulosidade em torno do tema fosse ainda mais densa.

Esse motivo, embora real no que se refere à promoção do debate sobre custos de produção, a princípio não faz muito sentido. Faria caso esses dados de custos fossem utilizados para fixação de preços, como à época do tabelamento. Faria também caso o mercado fosse extremamente oligopsonizado ou monopolizado. Mas em uma condição de "relativo livre mercado", não se conseguiria impor preços mais baixos a partir de dados inconsistentes de custos - logo haveria desestímulo à produção e redução da oferta, elevando os preços. Não que isso não possa ter sido tentado ou seja de fato tentado. O ponto é que não é consistente como estratégia de longo prazo.

Há, no entanto, outras razões para o intenso debate em torno dos custos de produção. Nesse sentido, diferenças regionais não devem ser desprezadas. O que garante que, por exemplo, um produtor situado no Rio Grande do Sul, com pastagens temperadas e gado europeu, terá o mesmo custo de produção de um produtor no sul de Goiás, com temperatura mais alta, outra composição de volumosos, custo da terra distinto e outras diferenças? Nada garante. Como hoje o mercado de leite está nacionalizado, fruto do longa vida e do queijo que, juntos, representam mais de 50% da destinação do leite do país, essa discussão sobre diferenças regionais inter-afetando os produtores nas várias regiões ganha relevância.

O mesmo pode-se dizer de sistemas de produção de leite. Longe da padronização alcançada em outras atividades agrícolas, é possível produzir leite a partir de concepções distintas de raça, sistema de alojamento e intensificação, isso considerando um mesmo padrão de qualidade. Como não se tem, até então, um trabalho consistente comparando custos de produção e rentabilidade entre sistemas em uma mesma região, a discussão muitas vezes adquire um fervor quase que religioso, que pouco auxilia no conhecimento real da existência ou não de vantagens econômicas em determinado sistema, para tal região.

Há, sempre, as velhas questões metodológicas que contribuem para o aquecimento da discussão, embora, como disse o Dr. Eliseu Alves em entrevista imperdível para o MilkPoint (clique aqui para ler), tais embates são irrelevantes e fruto da pouca reflexão sobre o que são custos de produção. O fato é que muitas análises comparativas sobre custos são feitas a partir de cálculos feitos de maneira distinta entre si, resultando na comparação de bananas versus abacaxis que, claro, não tem lógica e a mínima chance de ser bem sucedida. Utilização de preços de mercado versus preços de custo, cômputo da mão-de-obra familiar, custo da terra, depreciação, inclusão de juros sobre o capital de giro e capital investido, são itens de custo e despesas que sempre geram controvérsia.

A própria estrutura de custos da atividade também contribui para o acirramento das discussões em torno dos custos de produção. Em termos econômicos, é possível ter prejuízo e, ao mesmo tempo, fluxo de caixa positivo. Basta que custos que não tenham sido efetivamente desembolsados, como a depreciação, sejam significativos.

Vejamos o exemplo hipotético abaixo. Para facilitar, vamos considerar que não há pagamento de imposto de renda nem endividamento. A empresa hipotética teve prejuízo de R$ 10.000,00 no período. Porém, como a depreciação não é um desembolso, não saiu do caixa. Portanto, deve-se somá-la de volta para transformar o resultado em fluxo de caixa. Vamos supor ainda que essa empresa tenha vendido ativos nesse período (ex: uma fazenda que vendeu vacas). Essa venda também comporá o caixa e, portanto, deverá ser somada para que se conheça o fluxo de caixa. Ao final, o prejuízo econômico de R$ 10.000,00 resultou em um fluxo de caixa de R$ 100.000,00 positivos no mesmo período.

Tabela 1. Demonstração de resultado de uma empresa hipotética
 


Esse exemplo é bastante possível e real. Há um setor no agronegócio (não vou citar qual) em que a empresa líder de mercado tem quatro vezes mais participação do que a segunda colocada, fábricas melhor localizadas, a melhor tecnologia e a marca mais forte e, mesmo assim, não ganha dinheiro. Porquê? A capacidade instalada é o dobro do consumo atual, sendo a concorrência acirrada e centrada em preços. Por mais que haja aumento de renda ou campanhas de consumo, continuará havendo ociosidade por muito tempo. A atividade apresenta elevado custo fixo, especialmente depreciação das instalações. Nesse cenário, muitos pequenos fabricantes acabam por operar com prejuízo econômico, mas com fluxo de caixa positivo, porque a depreciação, um custo econômico, não sai do caixa a cada ano. O investimento, que não será mais reposto, já foi feito e é melhor operar com fluxo de caixa positivo, mesmo que com prejuízo econômico, do que parar. Por isso, não se tem boa rentabilidade no segmento e, por essa razão, a líder de mercado não consegue ganhar dinheiro.

No leite, dada a estrutura de custos e o alto investimento em ativos fixos, é possível que muitos produtores, mesmo sem saber, operem com prejuízo e fluxo de caixa positivo, dando-lhes a sensação de estar tendo lucro. Propriedades que tenham alto investimento em benfeitorias e maquinário e que tenham baixa geração de caixa (baixa produção de leite) estão sujeitas a essa situação. Fazendas que não repõem a fertilidade das terras também podem cair nessa situação. Em algum momento, pagarão o preço ao não conseguir repor o maquinário ou as benfeitorias, ou precisarão de correção de solo e adubação para manter o mesmo desempenho. Porém, como isso pode demorar para ocorrer, podem permanecer por um bom tempo nessa situação. Acredito que sistemas mais extensivos estão mais sujeitos a essa situação, uma vez que sistemas mais intensivos acabam por ter mais custos que envolvem desembolso efetivo, como adubo, medicamentos, ração e mão-obra, diminuindo o peso relativo de ativos fixos no custo total. Também, baixa escala de produção contribui para essa situação.

Voltando à discussão do início do artigo, em que o custo do leite poderia ser usado como base para fixação de preços, considerando o conceito recém discutido, o que pode estar ocorrendo na verdade é outra coisa. Se quantidade significativa de leite puder ser obtida a partir de produtores com altos custos não-caixa, cria-se uma condição de mercado que reduz os preços pagos e impede que produtores até mais eficientes ganhem dinheiro, como no exemplo hipotético analisado anteriormente. Considerando o alto investimento em ativos fixos apontado pelo Prof. Sebastião Teixeira Gomes, em recente artigo entitulado Capital Investido na Produção de Leite, essa possibilidade é concreta.

Resumindo, custo de produção gera tanto debate porque:

1. É uma variável essencial para se conhecer o sucesso econômico da atividade
2. Há o temor de ser utilizado como condicionador dos preços
3. Há provavelmente variações regionais
4. Há possivelmente variações relativas a sistemas de produção
5. Há diferenças de metodologia afetando as análises
6. O custo é diferente de desembolso e o lucro é diferente de fluxo de caixa

É possível que existam ainda outras razões para que custos sejam motivo de polêmica. De qualquer forma, estou convencido que as seis razões acima são mais do que suficientes para alimentar esse debate ainda por muito tempo.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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ROBERTO TRIGO PIRES DE MESQUITA

ITUPEVA - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE GADO DE CORTE

EM 06/03/2005

Recentemente pergutei a um experimentado trader do setor lácteo se a recente desvalorização cambial poderia reverter o boom de exportações de leite e derivados ocorrido em 2.004. A resposta, até certo ponto simplória para um especialista em mercado internacional, foi de que ao contrário, a valorização do real reduziria em um primeiro instante a competitividade do produto nacional mas imediatamente seria absorvida pelas fontes de produção, pois diante da indiscutível força dos compradores internacionais, os preços serão reajustados para baixo, e os contratos de exportação continuarão a ser fechados no mesmo ritmo. Claro que para ele os custos de produção "são um simples detalhe" com o qual o mercado não precisa se preocupar...

Na verdade, nesse mercado cartelizado, com produtores desorganizados, sem plano de negócio e gerindo fazendas sem "way out", ou seja, sem opção para sair do negócio pela transferência da propriedade empresarial com lucro, discutir custos de produção é no mínimo surrealista. Está na hora de começarmos a gerir nossos sistemas de produção com objetivos de agregação máxima de renda, consolidarmos a avaliação comparativa de resultados com bases de dados regionalizadas, planejar safras, suporte e composição de rebanhos estritamente comerciais e, principalmente, a partir do mercado, ou seja "on demand", sempre na busca da comercialização de produtos de marca com alto valor agregado.
HUMBERTO MARCOS SOUZA DIAS

ALFENAS - MINAS GERAIS - INDÚSTRIA DE INSUMOS PARA A PRODUÇÃO

EM 06/03/2005

Parabéns Marcelo.
Excelente...
ROBERTO JANK JR.

DESCALVADO - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 04/03/2005

Marcelo,
Você fêz uma boa reflexão do problema que, além dos seis pontos mencionados, ainda envolve alguma dose de vaidade, ingenuidade e algo inexplicável do ego na exposição dos dados.

Continuo a achar que o assunto merece outros artigos técnicos e que a exposição de casos reais com bons registros dos números é a melhor solução para o balizamento e discussão do grupo do leite.

Confesso que tenho alguma inveja do BeefPoint, onde as discussões tem sido mais técnicas, objetivas e com maior participação dos internautas.

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