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Os ricos e os pobres da pecuária de leite

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 29/09/2000

5 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

Em uma das últimas pesquisas do MilkPoint, abordamos um tema um pouco distinto das pesquisas anteriores, normalmente centradas na cadeia agroindustrial do leite. A questão girou em torno do efeito de democratização do conhecimento proporcionado pela internet. Perguntamos aos usuários e os resultados seguem abaixo:

Tabela 1


Pelos resultados da enquete, nove entre dez usuários do site entendem que haverá democratização do conhecimento. Apenas 10% acham que se trata de um instrumento de elitização ou não sabem ao certo.

Em uma primeira análise, a democratização é evidente, afinal, de qualquer lugar onde houver um computador e um modem, pode-se acessar informação proveniente de mais de 800 milhões de homepages espalhadas no mundo inteiro. No Curso Online de Qualidade do Leite, que estamos realizando em parceria com o Instituto Fernando Costa, temos inscritos de inúmeros estados da federação, de Roraima ao Rio Grande do Sul, bem como da Argentina, Portugal e Estados Unidos. Cada vez mais as atividades dependerão da informação fluindo pela via digital, ainda que, atualmente, tudo seja embrionário e carregado de obstáculos (poucos serviços realmente úteis, conexão lenta, falta de hábito). O rápido e ilimitado fluxo de informações é a principal marca da chamada Era da Informação, na qual a Internet desempenha papel principal.

No entanto, a democratização tem um caráter relativamente aparente, variando de acordo com o nível socio-econômico do indivíduo e da sociedade na qual este se insere. Exemplificando melhor, tomando-se a pecuária de leite nacional, da qual constam nas estatísticas algo em torno de 1.000.000 produtores produzindo 55 litros de leite diariamente (R$ 15 a 20,00/dia de receita bruta com a atividade), fica muito fácil compreender que esta multitude de serviços e oportunidades não fará parte da realidade da imensa maioria, como já não fazem muitos outros instrumentos necessários ao seu progresso. É preciso, além do computador (um investimento significativo para este perfil de produtor), uma bagagem técnica e cultural que permita a este "produtor-estatística" navegar no barco da Internet. E, para a imensa maioria, isto simplesmente não ocorrerá.

Não se trata, evidentemente, de condenar a Internet; será uma ferramenta essencial e isto não se discute. Seria burrice. Trata-se apenas da óbvia constatação de que, ao se tornar um dos impulsos à profissionalização das atividades agrícolas, entre elas o leite, à medida que envolve nossa rotina de trabalho, vai deixando um contingente de produtores à margem do processo, em direção à extinção por déficit de informação. Pode-se até afirmar, com propriedade, que o processo não só é inevitável como necessário para manter a competitividade, ou então todos pereceriam no setor leiteiro do Brasil, onde tanto os índices zootécnicos como o módulo de produção estão em média 2 a 5 décadas defasados em comparação a países com importância na atividade. Tudo bem. Os fatos a avaliar, porém, são que a) muitos não vão (já não estão) na Era da Informação e, portanto, tendem a ser eliminados do processo produtivo; b) a tendência dos "privilegiados" é não ver o problema sob esta ótica; ao menos se analisarmos o resultado de nossa enquete.

Esta última constatação é interessante e pode ser interpretada à luz do artigo escrito pelo Prof. Francisco Ferreira, do Depto. De Economia da PUC-RIO (Revista Exame, 05/09/00). Neste artigo, o Prof. Ferreira apresenta a percepção sociológica de que, no Brasil, ninguém assume que é rico, peso sempre difícil de se carregar em uma sociedade díspare como a nossa. Tal situação é facilitada pela própria definição de riqueza no Brasil. Pelas estatísticas, quem vive com mais de R$ 540,00 mensais faz parte do grupo dos 10% mais ricos da sociedade, ou seja, é estatisticamente rico. Além de ser difícil conceber onde está o cidadão pobre, o médio e o rico em uma sociedade tão desigual, com a definição acima fica ainda mais fácil não se considerar rico no Brasil. A elite, assim, se considera classe média e a classe média se auto-define como pobre.

O autor explica ainda que, considerando como linha de pobreza a quantia de R$ 65,00/pessoa/mês, cerca de 20% da população se encontra nesta situação, dos quais 63% vivem no Nordeste e cerca de metade trabalha diretamente com a agricultura, distante dos olhos e da imaginação das classes média e alta.

Somando-se tudo isto, uma elite que não se considera elite e uma classe média que se intitula "pobre" (e portanto tendo direito a uma fatia maior dos recursos públicos) e uma multidão de miseráveis invisíveis (em regiões distantes ou no campo), o resultado é a distribuição dos recursos públicos, através da qual se privilegia quem não necessariamente necessita do privilégio.

Fazendo um paralelo da situação brasileira com a pecuária de leite, considerando a ínfima média de menos de 100 litros/produtor/dia, produtores com volume de leite relativamente pequeno podem ser considerados "elite". A tabela abaixo traz a estratificação dos produtores da Itambé em 1999 e mostra que quem produz mais de 500 litros diários está entre os 10% mais ricos. Considerando que, à semelhança do país, este volume na prática não deixa ninguém rico, ficando inclusive bem abaixo da produção média de vários países, é natural que a grande massa de produtores realmente "pobres" em volume seja deixada à margem, pelos mesmos motivos expostos no artigo do Prof. Ferreira. Daí, talvez, a percepção de nossos usuários (sem dúvida a "elite" da pecuária) de que a internet democratiza o conhecimento - democratiza dentro da própria elite. O leite é, talvez como nenhuma outra atividade agrícola, reflexo da própria situação sócio-econômica do Brasil.

Tabela. Estratificação da produção de leite na Itambé, 1999

Tabela


Não é intenção renegar a Internet ou qualquer outro instrumento do conhecimento - ela é fundamental para que, no cômputo final, sejamos competitivos na economia mundial. A questão a ser levantada é que existirá crescentemente, por diversos motivos entre eles a tecnologia, uma legião de excluídos. Se a compreensão de tal realidade não vale no âmbito da consciência social de todos, certamente vale ao se considerar que, não fossem estas e outras legiões de excluídos que perfazem as estatísticas do Prof. Ferreira, o consumo de leite no país poderia ser substancialmente maior, abrindo novas perspectivas a todos nós, envolvidos com a pecuária de leite profissional, a elite do setor.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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