Não há dúvida sobre a importância da promoção, mas é necessário lembrar que a promoção é apenas um dos "Ps" do marketing: há também o Produto, a Praça (ponto-de-venda ou canal de distribuição) e obviamente o Preço. Pouco adianta investir em propaganda se os produtos lácteos não são atraentes ao público, não estão disponíveis nos locais adequados, não atendem aos diversos mercados existentes ou são produzidos a preços incompatíveis com o benefício sentido pelo consumidor. Em resumo, a propaganda tende a ser menos eficaz se o conhecimento a respeito do mercado em si por parte das empresas de laticínios for insuficiente para permitir que o setor capitalize a partir de ações de propaganda.
Esse conceito é válido obviamente para qualquer segmento de mercado, não apenas lácteos. Tampouco, ao citá-lo, deixo implícito que se trata da realidade do setor hoje - para tal, seria necessário conduzir uma análise mais profunda, que está além do nosso objetivo nesse artigo. O que se pode dizer, com toda certeza, é que há oportunidades de mercado inexploradas e que têm o potencial de oferecer retornos interessantes ao setor.
No workshop de planejamento estratégico promovido pela ABIQ (Associação Brasileira das Indústrias de Queijo), ao qual tive a oportunidade de participar, conhecemos uma destas oportunidades. Trata-se do segmento de "Food Service", que envolve todo o processo de preparação de refeições fora de casa, independentemente se o seu consumo ocorrerá em casa ou fora dela. Trata-se de uma forte tendência aqui no Brasil e uma ampla realidade em outros países, à medida em que fenômenos como o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho se consolidam e que o tempo dedicado ao preparo de refeições em casa diminui consideravelmente. Em 1971, o tempo médio dedicado ao preparo de alimentos em casa no Brasil era de 2 horas por refeição. Hoje, é de apenas 15 minutos. Essa diferença significa aumento das refeições fora de casa - e grandes oportunidades para empresas de alimentação.
O especialista em Food Service Enzo Donna trouxe aos participantes do evento informações muito relevantes a respeito do que é este segmento, do potencial de crescimento e do posicionamento do setor de lácteos (em especial o de queijos) ao fornecer produtos e serviços para esse setor.
O Food Service é um segmento que movimenta nos Estados Unidos a quantidade astronômica de US$ 520 bilhões ao ano, de um total de US$ 1 trilhão gastos com alimentação. No Brasil, as estimativas sugerem a participação do Food Service como sendo de 24%, número que vem crescendo, a ponto de se apontar que, dentro de 15 anos, deverá ultrapassar 50%.
Ao se pensar em Food Service, logo vem a mente lanchonetes como o McDonald's e afins, mas é interessante perceber que o segmento vai muito além disso: restaurantes, lojas de conveniência de postos de gasolina, que oferecem sanduíches e lanches prontos, escolas, exércitos, presídios, serviços de refeição para empresas, catering (para refeições áreas), rotisserias de padarias - reparem como as padarias vêm mudando o foco de seu negócio, de forma que a rotisseria vem ganhando cada vez maior espaço - hotéis e hospitais, rotisserias de redes varejistas, e assim por diante.
Nas redes varejistas, o setor de Food Service vem se destacando: nos últimos dois anos, as rotisserias dos grandes varejistas cresceram nada menos do que 130%. O canal é também lucrativo. Apesar de envolver 7 a 10% das vendas totais, representa 17 a 18% do lucro. As grandes redes perceberam a existência de produtos substitutos que representavam uma grande ameaça ao seus negócios. Mais importantes do que seus concorrentes diretos seriam os restaurantes, que eliminavam a necessidade de compra de produtos no varejo por parte dos consumidores. Com essa percepção em mente, trataram de aumentar os serviços de Food Service.
O Food Service apresenta características próprias em comparação às vendas para o varejo tradicional e para o setor industrial, mostradas na figura 1. A marca do fabricante, por exemplo, se perde. Ninguém sabe de onde veio o queijo que está na pizza consumida no domingo à noite, por exemplo, o que não ocorre no varejo, onde a marca do fabricante aparece. Também, a logística é extremamente complexa - são 1,3 milhão de estabelecimentos - representando um obstáculo para para novos entrantes e uma barreira interessante para que a domina.
Por outro lado, o custo do canal de distribuição é bem mais baixo do que o custo do varejo, que cobra altas taxas para a exposição das mercadorias, não há a necessidade de se trabalhar com grandes volumes e, mais importante, a rentabilidade de quem atua neste segmento é superior aos demais canais.
Figura 1. Matriz de vantagem/desvantagem por canal de distribuição (fonte: Enzo Donna)
Esse setor complexo, crescente e dinâmico apresenta inúmeras oportunidades para empresas que souberem nele operar, fugindo da mesmice representada pela tradicional e em geral pouco rentável venda ao varejo, ainda que atributos como a marca sejam perdidos. Entre estas oportunidades, está até a de mudar a concepção estratégica dos negócios de alimentação. Muitas empresas que fornecem alimentos para o Food Service caracterizam-se mais como empresas de serviços do que indústrias. Em alguns casos, são responsáveis por encontrar soluções adequadas para os clientes e mesmo formular os cardápios através de seus nutricionistas. Não se trata, nesses casos, de vender o queijo para o sanduíche de uma loja de padaria, mas eventualmente produzir o sanduíche inteiro.
Enzo deu o exemplo de uma empresa que propôs a uma importante padaria de São Paulo passar a servir alguns tipos de sopas a seus clientes. O empresário topou a idéia e durante algumas semanas a empresa fornecedora da sopa deslocou um chefe de cozinha para o cliente, ensinando como preparar e analisando a repercussão junto ao mercado. O resultado foi um sucesso e a sopa foi incorporada ao cardápio. Não é preciso dizer que o dono da padaria ficou extremamente satisfeito com o fornecedor. Também, não é preciso muito para entendermos que o preço do produto passou a pouco crítico na negociação: afinal, o fornecedor estava claramente comprometido com o sucesso do seu cliente, ajudando-o a ganhar dinheiro.
Dada a importância estratégica desse segmento, várias grandes empresas de laticínios têm criado estruturas próprias para atender ao Food Service. A figura 2 traz alguns desses exemplos. Todas essas empresas, pesos pesados mundiais do setor de laticínios, criaram serviços para atender clientes que servirão ou venderão refeições prontas ao cliente final. Segundo o Rabobank, o Food Service é o setor que apresenta as maiores taxas de crescimento entre todos os mercados.
Figura 2. Iniciativas de empresas de laticínios no setor de Food Service (Fonte: Rabobank)
Várias empresas aqui no Brasil já se atentaram para esse mercado. Das nossas exportações, 40% vão para o Food Service, em aplicações tão diversas como a carne do exército inglês, preparada com alta tecnologia e qualidade por um frigorífico nacional, que percebeu a chance de agregação de valor ao fornecer esse serviço.
Em grande parte, porém, nota-se desconhecimento a respeito desse enorme mercado que já existe, que vai crescer mais ainda e que oferece grandes oportunidades. Em geral, as empresas de alimentação se portam mais como indústrias tradicionais, vendendo ao varejo, que representa 75% das vendas do setor. Ao não conhecer a fundo esse importante canal, deixam de criar alternativas de mercado que podem representar excelentes oportunidades de negócio, melhorando a atratividade do setor como um todo.