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O mercado internacional de leite e o preço que o produtor recebe

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 11/11/2005

6 MIN DE LEITURA

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É fácil fazer uma análise ex-post do que aconteceu no mercado de leite esse ano. Grande aumento (13,3%, segundo dados do IBGE) na produção no primeiro semestre, câmbio desfavorável, leite mais barato na Argentina e consumo interno incapaz de dar conta do recado se juntaram, como fios desencapados, usando expressão do consultor José Roberto Mendonça de Barros, para derrubar os preços do leite a partir da metade do ano. Mais difícil teria sido fazer a previsão desse cenário, mesmo porque uma variável importante, o câmbio, fugiu (e continua fugindo) de todas as previsões e expectativas. Como dizia o Prêmio Nobel Niels Bohr, "previsões são sempre difíceis, especialmente quando se referem ao futuro"...

O gráfico 1 mostra que, nessa tempestade que foi se formando (cujo início remonta ao ano passado, com melhor relação de troca, preços mais estáveis e atividades concorrentes ao leite em pior situação de rentabilidade), tivemos as primeiras trovoadas de peso em maio, mês em que houve grande importação de leite, principalmente da Argentina.

Naquela época, os preços argentinos estavam na casa dos U$S 0,16 por litro, contra valores próximos a US$ 0,25 no Brasil. Além disso, a curva de produção de leite na Argentina, que é marcada por uma estacionalidade considerável, começa a crescer justamente em abril e maio (gráfico 2). Vale lembrar que, após alguns anos de queda na atividade leiteira na Argentina, o ano passado e este ano trouxeram novos alentos ao setor, ainda mais considerando a menor rentabilidade de culturas concorrentes como a soja.
 


Gráfico 1. Exportações, importações e saldo da balança comercial de lácteos do Brasil (em volume).
Fonte: MDIC, elaborado por MilkPoint.

O resultado dessa conjunção de fatores, a verdadeira "fome com a vontade de comer", foi a entrada considerável de leite no país no primeiro semestre, a ponto do Brasil recuperar o posto de principal destino do leite exportado pela Argentina. Em valor, até setembro, as exportações argentinas para o Brasil cresceram 39,3% sobre igual período de 2004, atingindo US$ 51 milhões, ou 11,9% do total exportado pelo país vizinho no período. Em volume, foram 29,2 mil toneladas, ou 14,9% do total.

O resultado levou à indignação diversas pessoas, incluindo parlamentares que propuseram medidas para que as importações de lácteos fossem proibidas (leia aqui).

 


Gráfico 2. Curva de produção de leite na Argentina. Fonte: Direção da Indústria Alimentícia, Secretaria da Agricultura, Pecuária, Pesca e Alimentação (SAGPyA).

Embora a intenção ao se propor tais medidas possa até ter sido boa - no caso, sempre que há envolvimento político em medidas dessa natureza, fico com receio de pura demagogia - a proibição das importações teria, no longo prazo, um efeito bem mais danoso para o setor do que seus benefícios de curto prazo. A razão é simples: o país busca se posicionar no mercado internacional como um futuro grande exportador; o mercado de lácteos está entre os mais protegidos do mundo; o Brasil participa de iniciativas relevantes, como a Aliança Láctea Global, visando redução do protecionismo; em face a esse cenário, qual o argumento para, ao primeiro revés, o país adotar uma postura protecionista?

Caso as importações fossem simplesmente proibidas sob o argumento de que estariam lesando produtores nacionais, estaríamos utilizando os mesmos argumentos dos países que protegem seus produtores com subsídios e que resultam em preços mais baixos para os lácteos comercializados internacionalmente. Afinal, ao que consta, o protecionismo existe justamente para proteger os agricultores e a indústria local.

Talvez o fato de, historicamente, o setor ter sido vítima de importações com dumping contribua para essa visão um tanto distorcida da postura que devemos ter no comércio internacional. Nesse aspecto, nunca é demais lembrar: caso as importações sejam viabilizadas por intermédio de práticas desleais como o dumping, a situação é outra. Temos o direito de impor salvaguardas, tanto que o Brasil obteve sucesso, a partir de 2001, com as medidas anti-dumping. Qualquer coisa fora disso, porém, corre o risco de atrapalhar os planos de longo prazo do setor no mercado externo que, acredita-se, trarão ganhos muito maiores do que os potenciais benefícios advindos do fechamento de fronteiras para os lácteos.

Certamente o governo sabe bem desse jogo, mas é importante que tal análise seja conhecida em entendida pelo setor lácteo. Estar aberto ao mercado internacional, por outro lado, tem lá suas conseqüências. Uma delas, obviamente, é que o preço interno não pode permanecer por muito tempo acima do preço externo, sob o risco de que haja entrada de lácteos até que o preço esteja alinhado. O gráfico 3 traz exatamente essa análise. Nas barras amarelas, está a cotação do real em 1995 (note que, para esse ano, a série contempla apenas a média anual, ao passo que de 1998 em diante, os valores são mensais). A linha vermelha traz os preços do leite, de acordo com o CEPEA/USP. A linha azul é a novidade: trata-se de um preço "virtual" para o leite comercializado no mundo. É calculado a partir da conversão do preço das commodities lácteas vendidas no mercado internacional, em leite "in natura".

Em um mercado relativamente aberto como o nosso, a análise é simples: a linha vermelha não pode permanecer por muito tempo acima da linha azul. Caso isso ocorra, o resultado é conhecido: vai haver importação de leite (e redução nas exportações). Essa análise é de certa forma simplista, porque há outros custos envolvidos na transformação do leite externo em interno, mas mesmo assim é um bom indicativo.

Analisando o gráfico, percebe-se que, a partir do início desse ano, o aumento dos preços do leite (em real) e a valorização da moeda fizeram com que a curva vermelha desgarrasse da azul, resultando em cenário atrativo para aumento das importações e, de forma oposta, queda das exportações em um determinado momento. Da mesma forma, a linha azul não deve ficar muito tempo acima da linha vermelha, porque, nesse caso, exporta-se o produto. De 1999 a 2002, isso ocorreu, mas foi fruto provavelmente do Brasil não estar estruturado para exportar: falta de conhecimento do mercado, ausência de estruturas para exportação (como a Serlac), ausência de acordos internacionais para comercialização de lácteos. À medida que o viés exportador foi se estabelecendo, foi havendo alinhamento entre os mercados interno e externo. Isso, claro, vale para commodities. No caso de produtos de maior valor agregado, como o próprio leite condensado, é possível fugir um pouco dessa relação direta com o preço das commodities lácteas internacionais.

Gráfico 3. Conversão do Real em Dólar, preços do leite em dólar e preço "virtual" do leite no mercado internacional. Fonte: Banco Central, Cepea/USP e FIL-IDF. Elaboração MilkPoint.

 


Pode-se argumentar que o preço internacional é reduzido em função de subsídios que também criam distorções nos mercados internos - o que é verdade. Conforme pode ser lido em notícia publicada no MilkPoint (clique aqui para ler), o produtor da União Européia recebe, hoje, US$ 0,35/kg de leite, o que seria equivalente a R$ 0,756/kg com o câmbio defasado de hoje. O norte-americano, outro que tem o setor protegido, não vem atrás: US$ 0,34/kg. Para eles, a regra do equilíbrio dos preços internos com o preço externo não vale: o produto externo, ainda que mais barato, não entra em quantidades significativas a ponto de alterar o mercado, ao passo que, internamente, os produtores e exportadores recebem dinheiro (subsídio) para que possam continuar competindo.

A mensagem final é que, enquanto o Brasil luta para obter acesso a mais mercados e redução do protecionismo mundial, é necessário avaliar a competitividade dos lácteos do país no mercado internacional e trabalhar no sentido de melhorá-la, como fazem os neozelandeses e os australianos. Essa postura pró-ativa tem chances de, no médio prazo, trazer resultados muito mais interessantes e duradouros do que medidas de eficácia duvidosa como o fechamento de fronteiras para lácteos. Em um próximo artigo, analisaremos alguns aspectos a respeito da competitividade dos lácteos brasileiros no exterior.

 

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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WAGNER OLIVEIRA SOUZA

SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA - RIO DE JANEIRO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 07/12/2005

Será que a Argentina produz tanto leite, a ponto de derrubar os preços pagos aos produtores aqui no Brasil? Será que nosso visinho não está importando leite europeu e americano, subsidiado, e reexportando para o Brasil?



Será que os governos europeu e americano, estão errados em subsidiar os seus produtores, para que fiquem no campo, ao invés de subsidia-los com muito maior custo nas periferias das cidades? Será que quem está errado não é o nosso governo que não enxerga um palmo na frente do nariz, ao permitir volumosas importações de leite, causando milhares de desemprego no campo, já que a pecuária leiteira é uma das maiores empregadoras do meio rural? Até que ponto vamos agüentar?



<b>Resposta do autor:</b>



Caro Wagner,



Obrigado pelo comentário. Diria que é pouco provável que a Argentina esteja utilizando desta prática hoje. A produção lá vem se recuperando, após uma queda de 30% e há um excedente estrutural exportável. O Brasil representa cerca de 15% dessas exportações. As importações não têm sido tão volumosas assim. São menos de 1/4 do que já foi importado em épocas passadas. O que acontece é que, em um mercado relativamente aberto, a disponibilidade de leite importado contribui para balizar o preço pago aqui.



Atenciosamente,



Marcelo
SANDRO COSTA NUNES

ITANHÉM - BAHIA - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 05/12/2005

Sim, em verdade tudo é bem conhecido, mas há muito a ser feito para se alcançar determinados índices que atendam as nossas expectativas. Todo ano é quase a mesma coisa para quem produz, primeiro é incentivado por bons preços e logo após é pego de surpresa com as ações internacionais.



O caso é que nós produtores somos desunidos mesmo, Caso contrário não sofreríamos tantas mudanças nos causando surpresas desagradáveis. O que falta realmente é uma bancada de Deputados e Senadores que represente o setor e que seja inteirado do assunto.



Fui Coordenador de 16 Cooperativas de Leite aqui da Bahia, vivenciamos tudo isso muito de perto desde o recebimento do leite do cooperado até o mercado das bolsas de São Paulo e de Minas Gerais, sabemos quais são os pontos que realmente atingem o setor.



Apesar de o assunto ser levantado todo ano, o seu comentário nos deixa muito feliz, pois nele há conhecimento e vivencia nas ações praticadas a nível nacional. Li todos os comentários e cartas em relação a esta matéria, é tudo verdade e vivenciamos a mesma coisa. Essa é a característica do Produtor Brasileiro.



Parabéns,



Sandro Nunes
VICENCIO LOMBA LIMA

RIO DE JANEIRO - RIO DE JANEIRO

EM 24/11/2005

Parabenizo o autor pela análise, mas questiono se a solução realmente passa pela possibilidadde de ampliação das exportações de lácteos.



Trabalhando no mercado de leite de 1989, primeiro como profissional de desenvolvimento de sistemas (inclusive folha de pagamento ao produtor) em dois grandes laticínios e desde 1995 como produtor de leite, tive a oportunidade de presenciar grandes conchavos nos valores a serem pagos aos produtores de leite.



A coisa realmente não é seria. É puro interesse da indústria contra o real valor dos produtos que estão comprando, certamente baseado na certeza de uma importação "sem dificuldades".



Em minha visão, além do exposto anteriormente, penso que o fortalecimento do mercado interno continua sendo o que motiva o produtor de leite a continuar na atividade.
AFONSO ANTÔNIO DA SILVA

UBERABA - MINAS GERAIS - INSTITUIÇÕES GOVERNAMENTAIS

EM 21/11/2005

Atuo no setor de laticínios há aproximadamente 25 anos e faz muito tempo que não ocorria crise tão forte quanto esta. Tenho acompanhado constantemente os artigos deste site e devo dizer que eles têm sido bastante realistas com relação ao que efetivamente acontece nas indústrias.

TURÍBIO MENDES BARBOSA

SÃO PAULO - SÃO PAULO

EM 20/11/2005

Senhores, a independência do Brasil aconteceu, embora um século atrasada, após os brasileiros sentirem que unidos conseguiriam a liberdade.Da mesma forma entendo que, quando a classe produtora de leite exigirem de seus sindicatos, que a representam perante ao governo e grandes distribuidoras multinacionais, uma postura com dignidade, honra e respeito ao seu trabalho, conseguirão conquistar a independência do preço de seu produto.



Então, pergunto: quando será esta independência? Até quando os produtores de leite vão aceitar, que o "cartel" das multinacionais vão decidir o preço do leite neste país?

Quando era criança lembro que o governo militar decidia o preço do leite pago ao produtor.



Após a abertura, um país com idéias democráticas, vários seguimentos industriais conseguiram adequar o preço de venda de seus produtos. Por exemplo, o cimento, o aço, energia elétrica, telefonia, etc. Definiram uma margem de lucro para seus produtos e em hipótese nenhuma abrem mão dela.Entendo, que é assim também, que a classe produtora de leite deve proceder.

ANTONIO PEROZIN

VALINHOS - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 18/11/2005

Falar em planejar o futuro do setor leite, com a situação presente, que se repete ciclicamente, agora com períodos cada vez mais curtos, é planejar algo que talvez nem mais existirá.Falar em produtores desorganizados politicamente é ser repetitivo, já que precisamos separar quem são os produtores, e quem são os tiradores de leite.



Nós produtores em termos de política de classe, somos tiradores de leite. Falar em não proteger a produção nacional, alegando problemas futuros como mercado externo, e sobrevalorizar o leite nacional, que não tem regras higiênico-sanitárias implantadas, para atender as exigências do mercado externo.



A atual política econômica do governo federal, com juros altos e dólar baixo, é catastrófica, pois, não temos competição nas exportações, e somos um alvo totalmente indefeso nas importações. A meu ver precisamos:



1-Proteção com prazo determinado;

2-Controles sobre as importações, para acabar com fraudes, dumping e outros artifícios que prejudicam os produtores nacionais;

3-Implantação e fiscalização constante sobre a aplicação das regras contidas na Instrução Normativa 51;

4-Combate ao Leite informal;

5-Organização do setor.



Vale acrescentar que hoje temos estes problemas, amanhã poderemos ter empresas estrangeiras entrando pesado na produção de leite, e sem regras sem organização sucumbiremos de vez.

FERNANDO JOSÉ RIBEIRO KACHAN

NOVA GRANADA - SÃO PAULO - PRODUÇÃO DE LEITE

EM 16/11/2005

Os motivos que levaram a pecuária leiteira a tal situação, muito bem explícitos no artigo, já são bem conhecidos da maioria. Os fatos estão aí, mas se nada for feito, tenho a certeza de que mais uma vez muitos empresários do setor irão abandonar a atividade, pois os preços recebidos não remuneram sequer os custos operacionais para se produzir leite.



Diz um ditado "isso deve ser meio de vida e não meio de morte". Até quando o empresário do setor lácteo vai viver de esperanças de que um dia as coisas irão melhorar e teremos em fim uma política bem definida para o setor, que organizado em toda sua estrutura possa passar menos traumaticamente pelas tempestades (ou furacões).



A classe produtora é realmente desorganizada e carece de legítima representatividade. Digo legítima, pois legítima é a representação, quando feita segundo diretrizes oriundas de organizações de base, nas quais os produtores possam realmente manifestar suas opiniões a cerca das decisões que envolvem seu negócio.



Tal desacerto enfraquece este elo da cadeia produtiva. Prova disso é que o maior ônus de toda a conjuntura demonstrado pelo autor recai sobre a classe produtora, que não pode nem "reclamar para o Papa".

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