ESQUECI MINHA SENHA CONTINUAR COM O FACEBOOK SOU UM NOVO USUÁRIO
FAÇA SEU LOGIN E ACESSE CONTEÚDOS EXCLUSIVOS

Acesso a matérias, novidades por newsletter, interação com as notícias e muito mais.

ENTRAR SOU UM NOVO USUÁRIO
Buscar

Globalização exposta

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 10/11/2000

9 MIN DE LEITURA

0
0
Marcelo Pereira de Carvalho

Tudo começou com uma menção aparentemente despretensiosa, feita na lista de discussão Graze-L, que reúne produtores de leite do mundo inteiro interessados em pastejo: "os alimentos nos EUA são mais baratos do que em qualquer outro país do mundo que produz alimentos de qualidade", afirmou um americano, batendo na tecla da eficiência da produção americana. A observação suscitou uma série de respostas, algumas reproduzidas na seqüência abaixo, envolvendo americanos, neozelandeses, ingleses e canadenses, tendo como pano de fundo as evidentes divergências de pontos de vista sobre subsídios e protecionismo, expondo de maneira singular as feridas da globalização na área agrícola.

"O fato dos EUA apresentarem alimentos baratos não seria em função da alta carga de subsídios existentes, em comparação a outros países e regiões que não subsidiam, como Ásia, África, NZ e Austrália ?", provocou, R.B., um inglês. "Por causa dos subsídios da União Européia (UE) e dos EUA, sendo também os principais mercados consumidores, os preços dos alimentos estão sendo empurrados para baixo, prejudicando produtores do mundo todo", continuou.

"Subsídios fazem com que os grãos que são produzidos no meio-oeste dos EUA, sejam empregados para alimentar vacas holandesas na Califórnia alojadas sobre 30 cm de lama e esterco o dia todo, dando leite por apenas 2,5 lactações antes de serem descartadas", fustigou, V.J., um neozelandês. "Subsídios apenas estimulam a ineficiência", completou.

"Em alguns países que não subsidiam a sua agricultura, como a Nova Zelândia, os consumidores pagam mais caro pelo alimento e ainda assim pagam mais impostos. Se eu morasse em algum destes países, estaria me perguntando o porquê desta situação", emendou R.T., o americano da primeira postagem.

"Se isto ocorre na Nova Zelândia, é por causa do dinheiro necessário para tocar hospitais, educação e seguro-desemprego, não por causa da ineficiência na produção", contrapôs R.B., inglês.

"Se é verdade que os subsídios é que derrubam os preços mundiais, porque a Nova Zelândia e a Austrália simplesmente não aumentam os preços de seus produtos no mercado externo ? Ao contrário, tudo o que têm feito é matar a concorrência estabelecendo os preços mais baixos do mercado. Se os subsídios americanos e europeus fossem os reais culpados, isto não ocorreria", observou D.G., americano.

"O fato é que a NZ produz menos de 0,5% da produção mundial de leite, de forma que não se pode dizer que ela baliza os preços no mercado externo. Além disto, alguns mercados de exportação da NZ aplicam barreiras tarifárias e subsidiam os produtores locais. Tenho certeza que os citricultores da NZ ficariam felizes se fosse colocada uma barreira tarifária dificultando a entrada de suco americano no país. A maior parte da produção de leite do mundo ocorre em países que subsidiam a atividade, gerando produção ineficiente", sentenciou R.B., o inglês.

"Os EUA determinam os preços mundiais de leite ao derramar no mercado sua super-produção de grãos e leite", afirmou V.J., neozelandês, que continua: "freqüentemente temos de reduzir os preços de exportação para competir com o "dumping" praticado pelos EUA no mercado externo. Nós precisamos vender para poder pagar aos nossos produtores, ao passo que o seu governo "socialista" compra seu excedente e despeja sobre o mundo. As tarifas impostas aos produtores da NZ custaram cerca de US$ 350.000.000 no ano passado, ou US$ 23.000 para cada um dos nossos 15.000 produtores de leite. O dinheiro destas tarifas é ainda aplicado no subsídio da atividade local, sendo ainda mais perversa". Citando um diretor corporativo da Dairy Farmers of America, principal cooperativa americana, V.J. informa que "parte das dificuldades encontradas pelos EUA no mercado externo reside no alto valor das tarifas protecionistas praticadas pela indústria leiteira mundo afora. União Européia, Canadá e Japão, por exemplo, aplicam tarifas de até 500%, contra menos de 100% nos EUA". Segundo V.J., "ao obter redução significativa de tarifas para exportações à China, agora os EUA estão se preparando para desovar US$ 135 milhões em produtos lácteos subsidiados para o mercado chinês, enquanto que a manteiga da Nova Zelândia continua pagando US$ 2,20/kg para entrar na Inglaterra", finalizou ele.

"Isto não é verdade", retrucou D.G., americano. "Os 100% de tarifas ocorrem apenas para a quantidade que excede a cota de importação permitida. Além disto, se os 500% ocorrem na UE, reclame deles, não dos EUA. Em relação ao fato dos EUA ditarem os preços no mercado externo, está errado: exportamos hoje menos do que antes da Rodada do Uruguai; os EUA está abarrotado de queijos, caseína e MPC importados, ao passo que exportamos soro de leite. Sobre o efeito das tarifas americanas na rentabilidade dos produtores neozelandeses, tudo o que tenho a dizer é que durante os últimos 20 anos os produtores americanos destinaram parte do seu pagamento do leite para estimular o consumo de lácteos através de promoções e pesquisas. Não é certo que agora entrem produtos estrangeiros e tomem nosso mercado". D.G. completa: "vocês vêem as barreiras tarifárias como protecionismo, mas eu não penso assim. Vejo como a necessidade das nações em serem auto-suficientes na produção de alimentos. Thomas Jefferson (ex-presidente americano) já avisava para nunca dependermos de matérias-primas de outros países. O correto seria que fechássemos nosso mercado para produtos importados; depois, deveríamos limitar a produção interna com um sistema de quotas. Posso sugerir à NZ que foque mercados que não possam se auto-abastecer de leite devido a problemas climáticos ou outros obstáculos, em vez de despejar leite em países que podem se auto-abastecer ?", provocou o americano.

"Os fazendeiros americanos deveriam estar satisfeitos com o pacote de auxílio de US$ 22 bilhões aprovados pelo governo", coloca R.B., inglês. "Nesta soma, estão 3 bilhões para compensação de desastres e 6 bilhões para o suporte de preços mínimos. Como os EUA exercem papel predominante no mercado externo, este tipo de postura coloca o mercado mundial em risco". Ele cita um comissário da UE: "vemos pouca inclinação dos EUA em abandonar formas de suporte que estimulem a superprodução de alimentos". O inglês admite ainda que a UE está inchando, havendo muitos países do leste europeu entrando, todos ávidos pelos subsídios, o que potencialmente agrava ainda mais o comércio externo.

"Os EUA sofrem com a política comercial adotada junto ao Canadá", afirma J.S., americano. "Carne de porco subsidiada do Canadá entra nos EUA independentemente dos preços vigentes por aqui. O ideal seria que a oferta e a demanda se auto-regulassem, mas isto não existe. Não há mais livre comércio entre países, ou entre um fazendeiro e um consumidor. Vivemos em um mundo ultra-regulado, não em uma situação de livre comércio".

"Não é possível ter livre comércio enquanto as regras não forem as mesmas para todos. Custos ambientais, por exemplo, precisam ser nivelados, assim como impostos e outros custos obrigatórios. No meu estado, o governo quer aumentar os impostos para poder comprar 14 milhões de hectares com objetivo de expulsar a agricultura por fins ambientais. Poderiam fazer a mesma coisa reduzindo a burocracia e fazendo com que a agricultura fosse mais lucrativa. A carga por aqui é tão grande, que o custo com advogados faz parte do custo de produção de leite", reclamou P.D., americano.

"Se a situação dos produtores de leite dos EUA fosse tão boa quanto alguns mencionaram nesta discussão, não teríamos a cada dia 3,25 fazendas a menos em atividade. Há muita pobreza nos campos americanos. No ano passado, o governo admitiu que cerca de US$ 5 bilhões destinados à agricultura simplesmente "sumiram", indicando o alto grau de corrupção. Em suma, nós não recebemos o dinheiro que se divulga na mídia. Enquanto isto, vocês da NZ colocam seus produtos nos EUA a tarifa zero, desde que não excedam à cota permitida. E isto no mercado que durante mais de 20 anos pagamos para criar", argumentou D.G., americano.

"O fenômeno de redução do número de produtores não é restrito aos EUA. Na Nova Zelândia, por exemplo, há 25 anos atrás ordenhar 60 vacas em 30 ha era suficiente. Hoje, são necessárias 200 vacas em 75 ha para obter a mesma receita. Os subsídios dos EUA e Europa são de fato largamente responsáveis pelos baixos preços dos alimentos no mundo. Agora, você pode ser tão patriota quanto quiser. Na semana passada, uma revista britânica criticou as Forças Armadas por consumirem carne bovina argentina e uruguaia, carneiro da Nova Zelândia e vegetais do continente europeu, afirmando que os alimentos ingleses são os melhores e mais seguros. A edição anterior da revista falava sobre os riscos de BSE na carne britânica. Parece que eles esquecem rapidamente. Eu prefiro comer carne da América do Sul e da NZ" disse R.B., inglês.

"Apoio o livre mercado, mas acho improvável que ocorra em função da política de alimentos baratos da América do Norte.. Também, normas ambientais e de mercado precisariam ser uniformizadas antes de se liberar o comércio ...", disse D.R., canadense.

**************


A discussão acima parece interminável - e é mesmo, continua acontecendo no Graze-L. Em meio a posições carregadas de parcialidade, muitas vezes descambando para ataques pessoais, é possível captar posturas que refletem de forma exemplar a percepção da globalização nos diversos países. Primeiro, com exceção do inglês, cuja visão se mostra isenta e abrangente e, ironicamente, oposta aos pronunciamentos usuais da União Européia sobre o assunto, os demais debatedores defendem claramente seus países, muitas vezes com argumentos frágeis e com certo grau de desconhecimento daquilo ue se passa além de suas fronteiras, principalmente no caso das opiniões postadas pelos americanos.

Para se avançar em discussões comerciais, é preciso que alguém ceda. Para ceder, é preciso se esforçar para se livrar de posturas excessivamente parciais. No caso dos EUA e da União Européia, historicamente isto não tem sido a regra.

Outro ponto evidente é a utilização de acusações mútuas, por parte dos protagonistas, como argumento para pouco se avançar na efetiva redução dos subsídios e do protecionismo. Ninguém quer dar o primeiro passo. Afinal, nem os produtores europeus, nem os americanos representam o grupo mais prejudicado por esta situação. Mas, então, quem de fato acaba sendo mais prejudicado pelas distorções de mercado ? São os produtores de países que não possuem condições econômicas e força política para subsidiar a agricultura, além do fato de, via de regra, não disporem de políticas agrícolas que sustentem uma postura diplomática alinhada com a defesa de seus produtores. Estamos falando de produtores latino-americanos, asiáticos e africanos. Não por simples coincidência, assim como nos fóruns mundiais de discussão do comércio, tais países quase não são lembrados nas discussões.

Por outro lado, é provável que todos têm algum grau de razão em seus argumentos. No caso dos EUA, por exemplo, é fato notório que o êxodo de produtores é grande. Não necessariamente é fácil a vida do produtor de leite americano, que tem lá seus problemas. É de se lamentar, contudo, que raramente são expostas as mazelas causadas pela globalização nos países menos favorecidos, assim como ocorreu na discussão acima, polarizada entre Europa, EUA, Canadá e Nova Zelândia. É como se os menos favorecidos não fizessem parte do mundo.

A discussão acima, enfim, reflete as principais características da globalização: nenhum dos lados está disposto a ceder terreno, os países que mais aplicam tarifas e subsídios são os que têm a visão mais distorcida à cerca das relações comerciais e os mais prejudicados pela globalização não participam nem são devidamente lembrados.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

0

DEIXE SUA OPINIÃO SOBRE ESSE ARTIGO! SEGUIR COMENTÁRIOS

5000 caracteres restantes
ANEXAR IMAGEM
ANEXAR IMAGEM

Selecione a imagem

INSERIR VÍDEO
INSERIR VÍDEO

Copie o endereço (URL) do vídeo, direto da barra de endereços de seu navegador, e cole-a abaixo:

Todos os comentários são moderados pela equipe MilkPoint, e as opiniões aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos leitores. Contamos com sua colaboração. Obrigado.

SEU COMENTÁRIO FOI ENVIADO COM SUCESSO!

Você pode fazer mais comentários se desejar. Eles serão publicados após a analise da nossa equipe.

Assine nossa newsletter

E fique por dentro de todas as novidades do MilkPoint diretamente no seu e-mail

Obrigado! agora só falta confirmar seu e-mail.
Você receberá uma mensagem no e-mail indicado, com as instruções a serem seguidas.

Você já está logado com o e-mail informado.
Caso deseje alterar as opções de recebimento das newsletter, acesse o seu painel de controle.

MilkPoint Logo MilkPoint Ventures