Marcelo Pereira de Carvalho
O ano 2000 foi um ano movimentado na pecuária de leite do Brasil. Foi o ano em que o Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite foi de fato debatido em todas as esferas ligadas ao setor. Foi o ano em que os preços pagos ao produtor, pelo menos durante o inverno, vislumbraram alguma recuperação, ainda que tenha durado pouco tempo. Foi o ano em que as importações deram uma folga, a Itambé se tornou S.A. e, finalmente, foi o ano em que a New Zealand Dairy Board fincou o pé no país, com reflexos até então não claramente percebidos para o setor.
Há, por outro lado, setores em que se esperava muita movimentação, mas quase nada de novo ocorreu. Por exemplo, dava-se como certo que algumas cooperativas de porte não chegariam ao final do ano sem anunciar uma parceria com um sócio-capitalista de peso no mercado. Leite Paulista e Itambé, por exemplo, anunciaram ao longo do ano que estariam em busca de parceiros estratégicos, mas quem de fato anunciou a "parceria" foi a Vigor, com a entrada da New Zealand Dairy Board.
Mas qual a real importância, para as cooperativas, de parcerias com empresas capitalizadas ? Não é possível competir sem este aporte de capital? As várias notícias que publicamos neste ano envolvendo fusões e aquisições de cooperativas em outros países, indicam que quem quiser entrar com peso no mercado internacional ou mesmo no mercado nacional precisa ter bala na agulha. Veja algumas delas:
Kiwi compra outra companhia na Nova Zelândia
Em 24/11, noticiamos que a Kiwi Cooperative Dairies, uma das maiores processadoras da Nova Zelândia, comprou a Kaikoura Cooperative Dairy Co., uma outra cooperativa, com aprovação de 97,1% dos cooperados da Kaikoura.
Cooperativa de leite e organização de produtores juntam forças nos EUA
Em 23/11, publicamos que dois importantes grupos do setor leiteiro dos EUA uniram suas forças através de um acordo que deverá beneficiar todos os seus membros. A Dairy Farmers of America, Inc. (DFA) e a National Farmers Organization (NFO) assinaram um acordo que determinou a formação de uma agência comum de comercialização do leite. O acordo foi designado para aumentar a eficiência e diminuir os custos de operação para os membros de ambas as organizações.
União da Sancor e Milkaut à vista na Argentina
Dois dias antes, em 21/11, publicamos que depois de firmarem um acordo para baixar os custos e ganhar novos mercados, as empresas argentinas Sancor (cooperativa) e Milkaut estão com intenção de unir suas estruturas comerciais, objetivando o começo formal de suas operações em maio de 2001. A sociedade Sancor Milkaut SA pretende comercializar seus produtos não somente no mercado interno, mas também no mercado externo.
Aquisições na Nova Zelândia continuam a consolidar a produção industrial de lácteos
Em 31/10, anunciamos que a indústria de lácteos da Nova Zelândia continua trabalhando no sentido de se consolidar mundialmente. Além da aquisição da Vigor, pela New Zealand Dairy Board, foi anunciado no mês passado a aquisição da Peters and Brownes, na Austrália, pela Kiwi Dairies. Essas aquisições demonstram a extensão pela qual a agricultura está se consolidando ao redor do mundo e o avanço de um cenário global altamente competitivo. A Kiwi pode comprar de 50 a 100% da Peters e Brownes, que é o quarto maior processador de alimentos lácteos da Austrália e o segundo maior produtor de sorvetes do país. A Kiwi, que comprou também a Kaikoura Co-op Dairy, que era a menor cooperativa da Nova Zelândia, é a segunda maior cooperativa de lácteos do país, com cerca de 40% do fornecimento de leite. Suas vendas totalizam US$1,4 bilhão.
Cooperativas de leite entram entre as 100 mais ricas dos EUA
Em 27/10, reportamos que o National Cooperative Bank relacionou as 100 cooperativas mais ricas dos EUA, fazendo uma lista denominada de Top 100. A avaliação foi baseada no rendimento das empresas. Os primeiros lugares da lista apresentaram 4 empresas do ramo agropecuário, sendo 2 delas cooperativas de leite. Da lista final constavam 43 cooperativas, com seu rendimento combinado alcançando quase 50% do valor total agregado de todas 100 empresas. Dessas 43 empresas, 15 são cooperativas de leite.
Maior cooperativa de lácteos do Canadá adquire concorrente
Em 16/10, noticiamos que a Agropur, maior cooperativa de lácteos do Canadá comprou a empresa Lactel Group, a quinta maior cooperativa do país. Os detalhes sobre o acordo não foram divulgados.
Land O´Lakes e Farmland anunciam joint venture no setor de rações
Em 20/07, a união entre cooperativas envolveu a produção de ração. As companhias norte americanas Land O´Lakes e Farmland Industries anunciaram um acordo para fazer uma joint venture, com a formação de uma companhia denominada de Land O´Lakes Farmland Feed LLC, a fim de consolidar todos os aspectos dos negócios na área de rações de ambas as empresas. Essa sociedade formará a maior companhia de rações da América do Norte.
Land O´Lakes e Alto Cooperative estudam sociedade em fábrica de queijos
28/06/00: duas grandes cooperativas dos EUA, Alto Dairy Cooperative e Land O´Lakes Inc., estão discutindo projeto que envolve construir uma grande fábrica de queijos em Wisconsin, com expectativa de produção em escala mundial.
Maior cooperativa dos EUA e Nova Zelândia tornam-se parceiros
22/05/00: a New Zealand Dairy Board (NZDB), da Nova Zelândia, assinou um contrato de sociedade com a cooperativa norte-americana Dairy Farmers of America (DFA), constituindo uma empresa chamada DairiConcepts, a qual irá produzir e vender queijo e ingredientes lácteos, atuando no mercado americano, que reúne uma dos maiores e mais sofisticadas facções da indústria de processamento de alimentos. A nova companhia irá combinar os recursos de tecnologia para queijos da NZDB e ingredientes lácteos neo-zelandesa NZMP Key Ingredients, com os recursos de produção e marketing da empresa americana.
Cooperativa australiana estuda aliança com Danone
12/05/00: tudo indica que a Parmalat Finanziaria (Itália) realmente perdeu a chance de associar-se a cooperativa australiana Dairy Farmers, cujas atenções agora estão voltadas para a firma francesa Danone S/A. A cooperativa, a qual tem 38% do mercado de iogurte da Austrália, conseguiu a licença para produzir iogurte Danone para o continente. O diretor da Dairy Farmers, Alan Tooth, disse que a relação entre as duas empresas tem se mostrado bastante positiva, devendo ocorrer uma aliança futuramente.
Note que pesos pesados como a Dairy Farmers of América e a Land O´ Lakes, nos EUA, estão buscando associações nacionais e internacionais para melhor se posicionarem na briga por um mercado cada vez mais competitivo. O mesmo ocorre com a New Zealand Dairy Board ou com nossos vizinhos argentinos da SanCor. Estas associações assumem forma variável: há fusões, há aquisições de empresas S.A por cooperativas e vice-versa, há joint-ventures.
No Brasil, a história parece ser diferente. Apesar do país ser considerado um dos que apresenta maior potencial de crescimento em relação a consumo de leite, um dos custos de produção mais competitivos do mundo e marcas fortes de cooperativas, as parcerias, fusões e aquisições ainda não aconteceram, ao menos entre os grandes do setor. Restaram apenas as confusões, como a briga da Paulista com suas filiadas, ficando a dúvida se esta situação não é um prenúncio de uma desintegração gradativa da cooperativa mais importante do estado (pelo menos a notícia da provável venda de duas unidades da cooperativa para a Danone sugerem esta possibilidade).
O fato é que a maior parte das cooperativas não acompanhou as rápidas mudanças no cenário nacional e internacional ocorridas desde 1990 e, daqui em diante, dificilmente serão competitivas, ainda mais se contabilizados o agigantamento de multinacionais como a Parmalat, que adquiriu grande número de empresas na década, e a própria NZDB, que continua uma incógnita. Porém, carregam marcas fortes e desfrutam em geral do apoio dos produtores, ou seja, tem presença no mercado e força na captação da matéria prima. Contudo, para que, no futuro, as cooperativas de leite possam manter ou, de forma mais realista, recuperar o papel de destaque que já tiveram no setor, será necessário deixar diferenças de lado e alinhavar acordos que visem garantir maior competitividade, como tem ocorrido com cooperativas de outros países em diversos setores do agronegócio. Antes que seja tarde.