Figura 1. Taxas de crescimento, para o mercado de lácteos, em dois distintos cenários. Fonte: várias.
Uma das variáveis que compõe esse crescimento, o consumo per capita, isto é, o consumo por habitante por ano, calculado a partir da disponibilidade interna de leite, vem apresentando crescimento bem mais modesto do que o mencionado acima. Conforme podemos ver na primeira coluna da figura 1, desde 1989, se eleva a uma tímida taxa média de 1,36% ao ano, valendo lembrar que tal aumento está longe de ser linear, mas sim pontuado por altos e baixos que, na prática, configuram o quadro de estagnação no consumo per capita de leite no Brasil.
De 2000 a 2006 (para este ano, considerando uma estimativa de 2% de aumento na produção, além de importações e exportações em quantidade igual de litros, não afetando o dado), a taxa cresceu ainda menos, 1,02% ao ano, brecada pela frustração do baixo número apresentado pelo IBGE para 2005 - 24,6 bilhões de litros contra a expectativa de 25 bilhões ou até mais - e pelo pequeno crescimento previsto na produção para o ano que acabou de se encerrar.
Se colocarmos como meta o número cabalístico de 200 kg por pessoa/ano, seguindo as extrapolações feitas pelo setor a partir do Guia Alimentar Oficial, precisaríamos de mais 36 anos para alcançar o patamar de consumo que a Argentina, para ficar em um exemplo mais palpável, consegue hoje. Um longo tempo para que alimentemos, a partir dessa projeção, uma expectativa de ter, no crescimento do consumo per capita, uma variável relevante para o aumento do consumo de lácteos no país - se nada for feito. É importante, no entanto, fazer uma ressalva. Considerando o período de 2000 a 2006 e a pequena flutuação entre anos que caracteriza essa variável, qualquer variação mais expressiva muda de forma significativa a leitura do cenário. Se trabalhássemos com produção de 25,15 bilhões de litros em 2005 e uma expectativa de crescimento de 3,0% para 2006, chegaríamos a um aumento médio de consumo per capita de 1,6% entre 1989 e 2006 e 1,72% entre 2000 e 2006. Indo além, se, por alguma razão, o consumo per capita subir significativamente em 2007, é possível que o período mais recente tenha crescimento superior ao período anterior, prejudicando parte da análise (mas não invalidando o fato do mesmo ser baixo e estar sujeito a um cenário mais difícil daqui para a frente, como verificaremos).
Ainda nessa linha, pode-se argumentar que os dados sobre a informalidade, embutidos no cálculo do crescimento do consumo per capita, são por demais incertos para que se conclua, a partir deles, mudanças no mercado. Dentro disso, pode-se argumentar que a análise deva ser feita somente com base no leite inspecionado, dada a maior precisão da informação e pelo fato de ser, na realidade, o mercado em que nosso público participa. De qualquer forma, excetuando-se os dados de 2005, quando a informalidade caiu, segundo as informações do IBGE, esse "mercado" tem se mostrado relativamente estável no período.
Continuemos nossa análise, lembrando que não é apenas de crescimento per capita que uma economia vive. O crescimento populacional, independentemente da estagnação dos valores per capita, também contribui para o alargamento do mercado. De 1989 em diante, o crescimento populacional foi de 1,54% ao ano, caindo para 1,45% ao ano de 2000 em diante. A má notícia é que, seguramente, o crescimento populacional será uma variável cada vez menos relevante como direcionadora do consumo. O IBGE estima crescimento de 1,3% ao ano até 2010, caindo para 1,2% ao ano no período que vai entre 2011 e 2013, 1,1% até 2016, 1,0% até 2019 e 0,9% em 2020. Em outras palavras, se o crescimento populacional foi uma variável que ajudou a manter o mercado em crescimento, a despeito do baixo crescimento per capita, tudo indica que sua importância será cada vez menor daqui em diante. Se quiser crescer, o setor precisará atuar de forma mais ativa, dependendo cada vez menos do crescimento vegetativo que, até então, foi uma variável com relativa importância.
A combinação do crescimento per capita com o crescimento populacional dá o crescimento do mercado interno de lácteos, em volume. A terceira coluna mostra que, de 1989 em diante, crescemos o equivalente a 2,92% ao ano, com uma queda de 14,7% nessa taxa no período mais recente, de 2000 em diante, quando o crescimento do mercado ficou em 2,5% ao ano, fruto da redução do taxa de expansão populacional nesse período e, fundamentalmente, do menor crescimento per capita. Vale, no entanto, reaplicar aqui as mesmas ressalvas feitas para o crescimento per capita.
Olhando agora para a figura como um todo, percebe-se uma aparente incoerência. A taxa de crescimento da população, do consumo per capita e do mercado interno foi menor nos últimos seis anos em comparação ao período de 1989 a 2006; porém, a produção se expandiu a taxas superiores nesse período. A explicação está no processo de substituição de importações verificado nos últimos anos (e o início das exportações), que, na última década, serviu de alento para o fraco mercado interno. De fato, com a paulatina redução das importações de lácteos, produtores e fábricas nacionais (de capital estrangeiro ou brasileiro), ganharam mercado de seus concorrentes externos, tornando menos penoso o cenário acima descrito.
Pois bem, chegamos a 2007 com uma nova realidade. A essa altura, fica evidente que o processo de substituição de importações foi concluído (já há 2 anos) e que, desse mato não sairá mais coelho algum. Há, sem dúvida, o mercado externo como opção de crescimento da produção e da industrialização, que deve e será visado pelas empresas, embora a dependência de variáveis não controladas pelo setor, como a taxa de câmbio, subsídios e preços externos dos lácteos deixam certa apreensão ao se considerar essa alternativa como única forma de crescimento para o setor no país.
Mas voltemos ao mercado interno. Vimos, no início do texto, que a expansão per capita tem sido baixa e, nos últimos anos, menor do que as taxas anteriores e que a substituição de importações já foi concluída. Se quisermos crescer sem aumentar o mercado total, há ainda a alternativa de redução da informalidade, assim como ocorreu como a substituição das importações. Nesse caso, o ganho de mercado pode advir, nos próximos anos, pelo aumento da taxa de formalização, com benefícios para empresas e produtores que já participam ou que venham a participar desse mercado.
Mas a análise não deve, nem pode, parar por aí. Conforme já abordamos em análise anterior, o consumidor tem à sua disposição um número cada vez maior de opções de consumo, não só em alimentos, mas em bens de consumo em geral, que competem pelo mesmo orçamento familiar. Para ficar em um exemplo próximo a todos, basta lembrar que em 1996, tínhamos 1 telefone celular para cada 57 habitantes; hoje, apenas 10 anos depois, temos mais de 100 milhões de telefones celulares no mercado, uma proporção de menos de 2 para 1! Considerando que, em média, gasta-se R$ 20 por mês em cada linha, fica fácil entender como o telefone celular entrou em nossas vidas e, nisso, comprometeu parte do nosso orçamento mensal. Como o telefone, ainda que em menor magnitude, pode-se acrescentar outros itens que servem ao mesmo propósito nesta análise.
Trazendo brevemente a realidade do aumento de opções de consumo para os alimentos e bebidas, as opções crescem continuamente, criando produtos substitutos como as bebidas de soja e sucos prontos. Nesse ponto, é necessário mencionar a preocupação crescente com a saúde, o fluxo cada vez mais rápido da informação, o papel relevante de grupos de interesse e a interferência governamental, muitas vezes criando distorções que podem custar caro ao setor, sendo exemplos a lei 11.265 e, mais recentemente, a consulta pública 71, da Anvisa, objeto do último artigo.
Nesse contexto, a renda, variável até então das mais relevantes para o consumo de lácteos, parece não ter a mesma força que outrora tinha como propulsora do consumo. Embora necessária para o incremento do consumo, o contexto acima descrito, embasado recentemente por um trabalho da Embrapa, sugere que não mais é suficiente ter dinheiro no bolso para que o consumidor incremente seu consumo de lácteos, uma vez que sua disposição ao consumo está hoje dividida - e assim deve ser no futuro - por uma gama maior de opções, tanto de alimentos e bebidas, como de outros produtos.
Em linhas gerais, os fatores que promoveram o crescimento do setor nos últimos anos não mais estão presentes ou, se estão, o fazem em menor intensidade do que no passado. Soma-se a isso o fato de novos fatores entrarem em cena, como a questão da mudança dos hábitos de consumo e do próprio envelhecimento da população, que embutem mudanças sólidas no perfil do consumidor. Temos, portanto, um desafio considerável a superar caso nosso objetivo seja o crescimento do mercado de lácteos, o que necessariamente interessa aos produtores e às empresas.
Não se trata de pintar um cenário pessimista da realidade, afinal a análise se baseia em variáveis concretas, cujos efeitos já se fazem sentir. Trata-se, na verdade, de chamar a atenção que, talvez como nunca antes ocorrera, cabe ao setor moldar seu futuro. Em outras palavras, se, daqui a 15 anos resolvermos caracterizar o setor lácteo no Brasil, muito do que seria dito estaria diretamente relacionado às ações feitas pelo setor nesse período.
É, pois, a hora da verdade para o setor. Será necessário abrir mercado, aqui e lá fora, a despeito da concorrência crescente; para tal, será necessário reposicionar os lácteos como produtos saudáveis e atrativos para a população, em seus diversos segmentos; será necessário inovar em produto, canal de distribuição e embalagem; será necessário abordar a questão da qualidade como uma bandeira fundamental, entre outras ações que deveriam compor uma agenda setorial e empresarial.
Essa percepção de que é preciso agir, creio, está se consolidando junto a diversas lideranças do setor, de produtores a indústrias multinacionais, passando pelas cooperativas. Afinal, o quadro acima descrito não é ficção, mas sim, a realidade. Arrisco-me a dizer que está se criando um ambiente favorável para que o setor comece a dar um passo determinado em direção à construção de seu futuro, através do marketing institucional. Quem sabe, no início de 2008, estaremos novamente analisando o futuro do mercado de lácteos, porém sob a influência concreta das ações que terão sido iniciadas em 2007.