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A dura realidade de quem produz leite “commoditizado”

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 27/10/2000

7 MIN DE LEITURA

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Marcelo Pereira de Carvalho

Com a redução verificada nos preços do leite nesse último mês, velhos fantasmas voltam a assombrar o setor produtivo. Denúncias de formação de cartel em determinados estados, especialmente Goiás, Ceará e Rio Grande do Sul, são veiculadas na mídia e estimulam a ação por parte de entidades como a CNA. O produtor, inconformado, argumenta que a drástica queda nos preços não se justifica, uma vez que a retomada da produção não teria sido tão rápida assim, não há produto importado a preço competitivo e o consumidor não teria reagido de forma tão enfática aos altos preços praticados na entressafra. A queda do preço pago pelo litro de leite, em alguns casos acima de R$ 0,15/litro, teria sido motivada principalmente por acordos feitos entre os demais segmentos da cadeia, visando transferir o lucro do produtor aos outros segmentos.

Independentemente da profundidade e da real procedência destas denúncias, o grande fantasma que aparece nestas horas é o fato irrefutável do produtor ser o elo mais frágil da cadeia, com poder de barganha reduzido. Além da pulverização absoluta no setor (milhares de produtores), nota-se uma concentração cada vez maior na captação (cada vez menos laticínios) e importância relativa crescente do setor de varejo, que hoje já movimenta mais do que as instituições financeiras a nível global. Isto sem falar do forte setor de embalagens cartonadas, quase que monopolizado.

É evidente que este cenário desfavorece quem produz, sendo necessário que se monitore constantemente o mercado, denunciando cartéis caso existam, combatendo importações subsidiadas e outras mazelas mais que não devem ser aceitas em nenhuma economia.

Mas, além do desbalanço de poderio econômico entre os agentes, o fato do produtor de leite estar produzindo uma "commodity" agrava a sua situação, à medida que seu produto, na prática, acaba não sendo diferenciado daquele produzido por outros milhares de produtores.

Ao se considerar o produtor especializado, a situação torna-se mais perversa, uma vez que todos os seus investimentos em genética, alimentação, sanidade e outros itens mais acabam por não ser valorizados, ainda mais ao se constatar que, em média, o consumidor brasileiro ou não tem condições de arcar com custo superior para produtos de maior qualidade (a maior parte da população enquadra-se nesta categoria), ou não sabe o que é um produto de maior qualidade.

Com tudo isto, categoria pulverizada (desunida e heterogênea, é preciso que se admita), laticínios com mais poder, varejo ditando a regra, consumidor que desconhece ou não pode comprar qualidade e produtor especializado produzindo "commodity", não é de se surpreender que esta categoria tenha sido aviltada pelo mercado após a desregulamentação do setor.

É bom que se diga que, em outros setores, a padronização foi ainda maior. Tome-se, por exemplo, a citricultura, ou mesmo a avicultura comercial. Se, por um lado, é louvável a profissionalização destes setores, tornando o Brasil competitivo mundialmente, por outro lado, criou-se um modelo no qual o produtor entrega ao seu fornecedor um produto "commoditizado", destitituído de características próprias que poderiam agregar valor a quem o produz. O resultado é que o produtor primário fica à mercê dos demais segmentos e tende a ter rendimentos diminuídos a não ser em épocas de escassez de produto.

A diferenciação, neste sentido, abre espaço para que aqueles que de fato têm algo mais, possam converter esta vantagem técnica e administrativa em receita extra, produzindo para quem pode e está disposto pagar mais. O artigo "O preço valorizado da satisfação", escrito por Maria Sylvia Macchione Saes e Luiz Hafers ao jornal Gazeta Mercantil, retrata de forma precisa as diferenças entre se produzir uma "commodity" que atenda às necessidades básicas e produzir um produto especial, que atenda a uma satisfação do consumidor. Abaixo, trechos do artigo que considero importantes à análise deste artigo.

"Enquanto o preço das commodities despenca sob a pressão da concorrência, o das satisfações explode impulsionado pelo prazer (...). A concorrência para suprir a necessidade reduz a competição a preços, fazendo com que o bem reflita somente sua qualidade intrínseca, isto é, o seu custo. O aumento da produtividade e a redução de custo são rapidamente passados ao consumidor. Para suprir um anseio da satisfação, o consumidor não compra por preço (...). O nível de satisfação que uma pessoa tem ao consumir um bem raro será mais alto quanto menor for o número de pessoas que possa vir a adquiri-lo (...). T. Veblen, em "A Teoria da Classe Ociosa", de 1899, ao mostrar as origens do consumo conspícuo de bens valiosos, já afirmava que os gastos em bens que proporcionavam bem-estar espiritual se tornam cada vez mais indispensáveis em detrimento dos que provêem das necessidades inferiores."

É interessante observar como a maior parte das pessoas analisa o Leite Tipo A apenas como uma forma de evitar intermediários no caminho ao consumidor. É muito raro alguém dizer que, mais do que isto, o Leite A significa uma oportunidade de atuação em um nicho de mercado, diferenciando seu produto quando, por questão de volume e estratégia comercial, os grandes laticínios nem sempre oferecem a mesma possibilidade. Não se trata de estimular a produção de Leite A, apenas de mostrar que aqueles que conseguirem atrair o seu consumidor por motivos mais relevantes do que exclusivamente o preço do produto, certamente estará em melhores condições de competir em mercados concorrenciais.

Mais do que a qualidade, hoje há a tendência, especialmente em países mais desenvolvidos, de se adquirir produtos que se insiram na filosofia de vida das pessoas. Daí surge mercado para produtos de empresas que não agridem o ambiente, não exploram crianças, não usam defensivos e outros predicados mais. Em um artigo recente publicado em uma revista americana sobre o crescimento do leite orgânico, o autor menciona que, embutido no "pacote orgânico" estavam outros princípios como a produção familiar e o respeito ao meio ambiente, ou seja, o consumidor segue cada vez mais princípios para adquirir produtos.

É evidente que tais produtos diferenciados custam mais caro, assim como o Leite A custa mais caro e, portanto, não serão a regra de mercado, ainda mais em países mais pobres. Isto, no entanto, não invalida esta abordagem; pelo contrário, a reforça, visto que os produtores em condição de diferenciar seus produtos, os chamados produtores especializados, também são minoria no cenário nacional. Com a minoria especializada produzindo para uma minoria disposta a pagar mais por um produto melhor, cria-se, tem tese, condições mais favoráveis para o produtor de leite para o produtor especializado.

É provável que alguém argumente que as tentativas de diferenciação do leite não deram certo no Brasil e que o consumidor não está disposto a pagar por ela, ainda mais em um país de baixa renda como o nosso: o Leite B encolheu nos últimos anos, o Leite Top (do Leite Paulista) não emplacou e os produtores de Leite A de sucesso cabem em uma mão, por exemplo. Em relação às duas primeiras constatações, qualquer pessoa que acompanha o setor sabe que depositar a culpa de eventuais fracassos em uma suposta insensibilidade do consumidor à qualidade é uma atitude muito simplista. No caso do Leite A, é evidente que o raio da ação de produtores individualizados é pequeno, sendo poucos aqueles que, de uma forma ou outra, extrapolaram os limites municipais ou regionais.

Melhor seria se houvesse uma ação conjunta, unindo vários produtores, criando uma certificação para produção, talvez terceirizando a produção em laticínios, investindo em marcas próprias e na fixação de conceitos que visem minimizar a importância do preço e maximizar a importância do que está por trás de cada produto. Isto, no entanto, não tem sido feito no setor leiteiro.

O fato é que, embora o consumidor urbano brasileiro esteja pouco sintonizado com a qualidade do leite produzido, não se pode eternamente ter a postura de que diferenciar o leite ao consumidor é a mesma coisa do que vender "gelo ao Alasca". No caso do café, por exemplo, a tão falada baixa qualidade do café brasileiro vem abrindo espaço para produtos selecionados, destinados a um mercado "premium", com possibilidades de receita bem superiores.

Programas que envolvam a melhoria da qualidade do leite do país são extremamente importantes do ponto de vista de saúde do consumidor e mesmo de criar condições de inserção do país no mercado internacional. Também, ao elevar o padrão médio da qualidade, tendem a favorecer o produtor especializado. Lamenta-se, porém que, na história recente do leite do país, praticamente inexistiram tentativas organizadas e abrangentes, por parte do produtor especializado, no sentido de realmente diferenciar o seu produto junto ao mercado consumidor. É evidente que ser bem sucedido nesta estratégia não é fácil e exige grande esforço, organização e obstinação. Mas, em se tratando do setor mais frágil, que precisa brigar cada vez mais por seu espaço, não se poderia esperar outro tipo de postura.

Se este enfoque fosse adotado, assim como vem sendo feito em outros setores também tidos como tradicionalmente problemáticos em relação à qualidade, como o setor de pecuária de corte e a cafeicultura, talvez o produtor especializado pudesse já ter alcançado seu lugar ao sol e não ser afetado de forma tão drástica pelos vai-e-vens do mercado de leite.

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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