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Uso do cardo como coagulante na fabricação de queijos

MAIKE TAIS MAZIERO MONTANHINI

EM 21/12/2023

5 MIN DE LEITURA

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Queijos feitos com a flor do cardo chamam muita atenção, principalmente pela sua cremosidade. O exemplo mais célebre é o queijo português Serra da Estrela. É um dos queijos mais famosos do mundo. Reconhecido por seu sabor e textura, apresenta formato redondo e pequeno (peças de aproximadamente 1 quilo), é envolto por uma cinta de tecido. Como coagulante, nada do tradicional coalho, este queijo é feito com a flor do cardo.

Cardo é o nome comum dado diversas espécies de plantas pertencentes ao gênero Cynara da família das Asteraceae. De todas as espécies do género Cynara, apenas C. cardunculus spp. flavescens (cardo) é referida como sendo usada na fabricação de queijo.

A utilização de cardo como agente coagulante é obrigatória em alguns queijos tradicionais portugueses que beneficiam do estatuto de Denominação de Origem Protegida (DOP). Alguns exemplos são os queijos “Serra da Estrela”, “Serpa”, “Azeitão”, “Nisa” e “Évora”. O mesmo se passa na Espanha com as variedades “Torta del Casar”, “La Serena” e “Flor de Guia”. Estes queijos apresentam propriedades sensoriais únicas, as quais são atribuídas a uma proteólise mais pronunciada da caseína por parte das enzimas do cardo, quando comparada com as de origem animal.

A planta do Cardo tem cerca de 1 a 2 metros de altura, apresenta folhas grandes de cor verde-vivo, que exibem espinhos rígidos de cor castanha na periferia. Apresenta flores hermafroditas de cor púrpura que ocorrem em inflorescências organizadas em capítulos compactos, com 80 a 240 flores e, em cada uma delas, é possível observar-se dois carpelos unidos no estigma.

Sua propriedade coagulante deve-se à presença de proteases presentes na flor, principalmente nas pétalas e nos pistilos. As principais enzimas de C. cardunculus responsáveis pela coagulação são as cardosinas A e B. Considera-se que a cardosina A tenha uma atividade enzimática semelhante à da quimosina e a cardosina B possui uma ação semelhante à pepsina.  A cardosina B, apesar de menos abundante na flor do cardo, apresenta uma maior atividade proteolítica e menor especificidade em relação a' cardosina A.

As ciprosinas são enzimas semelhantes às cardosinas, que também se encontram na zona do pistilo da flor, no entanto, com algumas características diferentes das mesmas. Existem três tipos de ciprosinas: ciprosina 1, 2 e 3 que se distinguem pela sua atividade proteolítica especifica. As ciprosinas 2 e 3 têm maior atividade que a quimosina e que a ciprosina 1, sendo a ciprosina 3 a que apresenta maior atividade coagulante.

As flores do cardo são colhidas quando a planta começa a ficar senescente, isto é, durante os meses de junho e agosto, sendo colhidas manualmente e armazenadas em locais secos, de forma a serem usadas na fabricação dos queijos durante o outono e o inverno. A sua colheita é uma operação importantíssima para a qualidade do coagulante, deve ser selecionada apenas a porção azul de cada flor, que corresponde ao estigma e à região superior do estilete, local onde se concentram a maior parte das enzimas coagulantes.

O processo tradicional de secagem das flores é realizado à temperatura ambiente (25-30ºC) por um período de 30 a 60 dias, protegidas da luz solar direta com movimentações regulares do material para evitar que o excesso de umidade possa promover fermentações indesejáveis, bem como o desenvolvimento de fungos e bactérias.

Os extratos geralmente são preparados no momento do uso, através da infusão das flores em água, durante um período variável, seguida de maceração em almofariz. A quantidade de flor pode variar entre 0,1 e 0,5g/l de leite, dependendo da sua atividade enzimática. A solução é filtrada, obtendo-se um líquido de cor acastanhada que é adicionado diretamente ao leite para promover a coagulação. Muitas vezes é adicionado sal para a obtenção dos extratos coagulantes.

Recomenda-se padronizar o pH da solução de extração. A extração em condições ácidas resultam num extrato com maior atividade proteolítica em comparação com a extração em pHs superiores a 5,5 que é o pH que normalmente se obtém quando a extração é feita com água. Alguns estudos sugerem que o pH da solução de extração afeta significativamente as propriedades das enzimas e permite a obtenção de extratos mais purificados e pigmentos menos oxidados. A extração com uma solução de sal a 5% também apresentou resultados tecnológicos superiores ao extrato feito apenas com água.

Ainda assim, a maioria dos produtores de queijo continuam a utilizar o cardo de forma tradicional, empírica, sem outra medida de padronização que não seja a quantificação da quantidade da flor. A flor do cardo naturalmente apresenta composição e características enzimáticas muito variáveis; somado a isso está a falta de processos padronizados para o preparo do extrato. Esta variabilidade pode levar à obtenção de extratos com diferentes forças de coagulação que vão afetar o processo de fabricação dos queijos, causando a falta de homogeneidade entre os lotes.

Isto acontece porque a atividade proteolítica das enzimas exerce uma grande influência sobre as características sensoriais dos queijos, pois além da hidrólise da ligação Phe105- Met106 na κ-caseína, outras ligações peptídicas são quebradas a taxas que variam de acordo com a enzima utilizada. Uma elevada atividade proteolítica pode ser responsável pelo desenvolvimento de sabores amargos durante a maturação, além de modificações indesejáveis na textura do queijo.

As proteases do cardo apresentam uma forte atividade proteolítica não específica promovendo uma hidrólise mais acentuada das caseínas αs, β e γ, quando comparadas com outras enzimas coagulantes. Esta atividade proteolítica não específica muitas vezes é apontada como um aspecto negativo, estando associada a alguns defeitos ao nível da textura e sabor, e a uma quebra de rendimento.

Uma fração de 15% e 30% do coagulante permanece ativo na coalhada após a dessoragem. Esta fração residual de proteases que fica retida na coalhada influencia a proteólise ao longo da maturação, sendo muito importante para definir certas características dos queijos, como a textura (cremosidade) em queijos feitos a partir de leite de ovelha.

A ação das proteases do cardo nas regiões hidrofóbicas das caseínas resulta na formação de maior proporção de peptídeos com características diferentes dos formados aquando da adição de outros coagulantes, devido à pronunciada proteólise das caseínas. Isto resultará no desenvolvimento de algumas características comuns, em particular em queijos produzidos com leite de ovelha, que estão relacionadas com um sabor amargo ou por vezes picante e uma pasta mole.

A flor do cardo é uma matéria-prima bastante onerosa para o setor; o preço depende da qualidade, variando geralmente entre 25 e 60 euros por quilo, mas podendo chegar até aos 100 euros em situações de escassez. Nos últimos anos, diferentes estratégias têm sido desenvolvidas em busca de formulações mais padronizadas das enzimas nativas, bem como o desenvolvimento de sistemas alternativos para a produção das proteases aspárticas do cardo, de modo a obter coagulantes padronizados, seguros e econômicos.

 

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MAIKE TAIS MAZIERO MONTANHINI

Tecnóloga em Alimentos, especialista em Higiene, Vigilância e Processamento de Produtos de Origem Animal, mestre em Ciência de Alimentos, doutora em Tecnologia de Alimentos e com pós-doutorado na Universidade Federal do Paraná.

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YASMIN FIGUEIREDO SPERANDIO

SÃO PAULO - SÃO PAULO - ESTUDANTE

EM 01/02/2024

Seus textos são muito bons, parabéns.
MAIKE TAIS MAZIERO MONTANHINI

TOLEDO - PARANÁ - PESQUISA/ENSINO

EM 25/01/2024

Muito obrigada Yasmin!

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