Com o intuito de “oxigenar” o conhecimento sobre o mundo lácteo, me organizei para fazer um estágio profissional na Holanda, onde todos andam de bicicleta e cada habitante tem 2,7 bicicletas. A foto, a seguir, é do dia 11 de abril de 2018 às 9:00, dos estudantes indo para a universidade.
Foram 32 dias intensos passando por todos os segmentos da cadeia produtiva. Visitei unidades de pesquisa e treinamento, laticínios, organização da indústria, CRV, Lely e o mercado consumidor. Minha base foi a Universidade de Wageningen (Wageningen University and Research – WUR) onde tive o suporte da Yori Inovation, uma empresa que coopera com o programa MFC (Metropolitan Food Clusters) da própria Universidade.
Cada minuto vivido no país Dutch, foi muito produtivo. Tive a oportunidade de interagir com professores da conceituada WUR, que por três anos consecutivos, foi considerada no ranking da QS em primeiro lugar dentre as Universidades de Agricultura e Floresta.
A Holanda produz anualmente 14,3 bilhões de litros provenientes de 1,7 milhão de vacas de 17.500 produtores, o que confere uma produção média de 2.200 litros por produtor ao dia. Esta produção é proveniente de rebanhos com média de 73 vacas. Com esta estrutura de rebanho e escala de produção e, considerando os custos elevados das instalações, mão de obra e máquinas, muitas das quais robotizadas, o país enfrenta dificuldade para produzir leite a custos competitivos.
Os custos informados por vários players do setor variaram de 0,25 a 0,35 euros, ou seja R$1,08 a R$1,50 (1 euro=R$4,30)¹. O preço de leite praticado pelo mercado no mês de março de 2018 foi de 0,35 euros (R$1,50). ¹Valor do euro considerado para o mês de março de 2018.
A maior fazenda de produção de leite, com 2.000 vacas, pareceu muito eficiente. Ela tem custo de 0,25 centavos de euros. Neste caso o custo do frete do leite até a indústria não está incluído.
A genética do rebanho do país é excelente. Cada vaca produz em média 30 kg de leite por dia. O intervalo entre partos médio observado é de 400 dias. Cada vaca em média produz leite por 3,5 lactações.
A alimentação é a base de silagem de milho e ryegrass (azevém) inglês, fornecido a pasto, silagem e/ou feno. A beterraba e a batata também são fornecidas como suplementos em algumas propriedades no período de safra. A partir da primavera e durante todo verão muitos produtores soltam as vacas no pasto. O concentrado em boa parte é importado. A produtividade de milho para silagem é de 16.700 kg e de ryegrass 11.500 kg de matéria seca por hectare. Como pode ser visto na foto a seguir, as vacas estavam se alimentando de batata.
O sistema de manejo predominante é o de free stall. Não foi possível ver nenhum compost barn. A informação é de que existem poucos e uma das razões prováveis é que a temperatura no inverno não facilita o processo de compostagem.
Nas propriedades o que quase não existe é trabalhador. Quando existem, são poucos. O custo da mão de obra é muito elevado, cerca de 3.000 euros incluindo os encargos sociais. É por esta razão que a robotização da atividade cresce bastante. Cerca de 50% das propriedades dos produtores jovens têm ordenha robotizada. A Lely² tem uma atuação relevante neste mercado dentro e fora do país. No evento de comemoração dos 70 anos em Maassluis, sede da empresa, foi lançado a versão A5 da Astronault, foto abaixo. Trata-se de um equipamento bastante moderno. Econômico, pouco barulho, e muitas funções durante o processo de ordenha. ²A Lely é uma grande indústria holandesa que dentre outros equipamentos de elevada tecnologia, produz ordenha robotizadas.
Os produtores, em geral, estão bem preparados. Praticamente não existe serviço de extensão rural no país. Os produtores demandam as consultorias técnicas para ajudá-los. E a parceria da Universidade com o setor privado para o desenvolvimento de processos e tecnologias para aumento da eficiência da produção é intensa.
A CRV presta um excelente serviço de classificação de vacas para a indicação de reprodutores que é contratado pelos produtores. No país, são 16 classificadores e cada classificador atende cerca de 400 produtores que são visitados entre duas e três vezes ao ano. Acompanhamos o classificador abaixo. São 18 características avaliadas, havendo um score para cada uma delas. A partir daí um sistema de classificação indica os touros mais apropriados para cada vaca com o objetivo de melhorar o score da característica avaliada.
Um serviço que me pareceu interessante acontece no Dairy Training Center (DTC) que é o Centro de Treinamento para produtores e trabalhadores da indústria. No dia da visita havia um grupo de 10 pessoas, de diferentes países da Ásia e da África, sendo treinados. Mas o que mais me chamou atenção foi um treinamento que é regularmente oferecido para jovens. São 45 dias de duração, mas com uma agenda intermitente, de tal forma que o técnico alterna dias de curso com trabalho em sua propriedade. Ao final do curso, cada participante, tem que passar por uma banca examinadora, se submetendo a um teste para certificação. Na conclusão do curso, o Rabobank³ participa apresentando suas linhas de crédito com vantagens para este perfil de produtor jovem e recentemente preparado para o exercício de sua profissão como produtor de leite.
A foto abaixo mostra um grupo de quatro técnicos apresentado para dois professores do DTC os seus trabalhos de conclusão do curso. ³O Rabobank é uma grande cooperativa do sistema financeiro de origem holandesa mas que tem grande presença mundial.
Os indicadores de produtividade da área e da mão de obra são elevados. A mão de obra na maioria das propriedades é familiar. Os dados do quadro abaixo são de quatro dentre as propriedades visitadas. Tomando estes exemplos como base, podemos considerar que a produtividade da área é próxima de 22.000 litros por hectare/ano e a produtividade da mão de obra ao redor de 2.000 litros por homem/dia. Vale notar que a mão de obra prevalente é familiar.
É bastante relevante o quão elevada é a qualidade do leite no que se refere a todos os parâmetros utilizados para mensurá-la. O quadro a seguir apresenta dados levantados da qualidade do leite em diferentes fazendas, na Holanda em 1917 e em janeiro 2018.
A Contagem de Célula Somática (CCS) é muito baixa, o que é bom para o rendimento dos produtos, especialmente o queijo, que é o principal produto lácteo do país. De todo o leite produzido na Holanda, 52% se destina à produção de queijos. A Contagem Bacteriana Total (CBT) também é muito baixa. Isto permite aos holandeses preferir o consumo de leite apenas pasteurizado. Aliás, o tempo de prateleira de um leite com a pasteurização convencional (baixa) é acima de doze dias. Os sólidos totais (ST) são muito elevados o que novamente confere vantagens ao rendimento de produtos como o queijo e leite em pó.
Para finalizar este artigo vou fazer uma analogia da Holanda com a Argentina, nossa vizinha do Mercosul. Ambas são importantes players do mercado internacional e apresentam algumas semelhanças como clima, utilização do pasto como fonte principal de alimento volumoso, rebanho com predominância da raça holandesa e exatamente o mesmo número de vacas de leite.
Como pode ser observado no quadro, as vacas na Holanda têm uma produção superior. É provável que a genética deve ser melhor, mas o sistema de manejo confinado na Holanda por um determinado período do ano também contribui para esta vantagem.
Em ambos países a escala de produção por produtor é relativamente elevada quando comparada com o Brasil, por exemplo. Mas isto não significa ainda que estão trabalhando no ótimo econômico. As fazendas americanas e neozelandesas têm produções por fazenda mais elevadas ainda que Holanda e Argentina, por exemplo.
O leite é um negócio bastante significativo para a economia da Holanda. Cerca de 65% da produção nacional é exportada na forma de produtos processados.
Entretanto, a condição de solo associada a topografia nas quatro províncias argentinas onde o leite se concentra (Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé e Entre Rios), o custo da mão de obra mais baixo e um menor investimento em instalações ainda proporcionam ao país latino vantagens comparativas e competitivas quando se trata de mercado internacional.
Outro ponto bastante relevante para a competitividade internacional é a escala de produção das fábricas. A indústria holandesa é muito mais concentrada, o que lhe confere custos fixos mais baixos.
Aproveito aqui para fazer um agradecimento especial aos amigos Fabio Homero Diniz (Embrapa Gado de Leite) e Marcia Thaís Melo Carvalho (Embrapa Arroz e Feijão) que fizeram seus doutorados na WUR e que me deram muitas dicas interessantes para que minha estada lá fosse tão rica.
Você também possui alguma experiência com a produção leiteira fora do Brasil? Compartilhe conosco! Envie um e-mail para contato@milkpoint.com.br e participe da Coluna Leite no Mundo.