Se perguntarmos às pessoas que trabalham nas indústrias se há importância na qualidade do leite para a produção de derivados, invariavelmente a resposta será a afirmativa, ou seja, que a qualidade é importante.
Mas será que existe maneira de quantificar o benefício da qualidade? Valeria a pena para uma indústria pagar mais por um leite de melhor qualidade?
Para tentar responder à estas perguntas, neste artigo iremos utilizar o exemplo de uma indústria que produz queijo, um dos derivados lácteos mais produzidos no Brasil. Nosso foco será o impacto da qualidade no rendimento industrial. Em outras palavras, quantos litros de leite são necessários para se fazer um quilo de queijo. Desejo a todos uma boa leitura.
Proteína: fator determinante no rendimento industrial
A concentração de proteína no leite é uma das principais variáveis de avaliação da qualidade do leite. De acordo com a IN-62 do MAPA, o leite deve apresentar um teor mínimo de 2,90% (2,9 gramas de proteína para cada 100 gramas de leite), sendo que a média anual observada pela Clínica do Leite – ESALQ/USP é de 3,26%. Ao longo do ano, este teor varia entre 3,12 a 3,38% como pode ser visto no gráfico abaixo.
Gráfico 1. Variação do teor de proteína total ao longo do ano
Estes resultados representam o teor de proteína “total” ou “bruta” presente no leite. No entanto, esta proteína pode ser dividida em diferentes frações.
Como podemos observar no gráfico abaixo, a mais representativa é a caseína, representando em média 78% da proteína total, ou seja, se um leite possui 3,40% de proteína total, tem em média 2,65% de caseína.
Gráfico 2. Frações da proteína total do leite
Existem vários estudos que correlacionam o rendimento industrial com o teor de caseína no leite para diferentes tipos de queijos, que discutiremos a seguir.
Figura 1. Micela de caseína em suspensão no leite
Fonte: https://www.projects.science.uu.nl/fcc/peopleindex/kees/kees.htm
Impacto da caseína no rendimento industrial
No simulador abaixo, desenvolvido pela Clínica do Leite – ESALQ/USP é possível quantificar o impacto do teor de caseína no rendimento do queijo muçarela.
O teor de caseína x teor de proteína total
Discutimos até agora que o principal fator que afeta o rendimento industrial é o teor de caseína. Por sua vez, a caseína é uma das frações da “proteína total” e representa na média 78% desta.
No entanto, existe uma variação nesta porcentagem de caseína na proteína total (conhecido como PCAS). Abaixo, podemos ver o exemplo de uma indústria com cerca de 400 fazendas. O gráfico mostra a relação entre a proteína total e a porcentagem na forma de caseína.
Podemos observar que existem produtores com proteína total de 3,50%, mas com porcentagem na caseína (PCAS) variando de 75 a 79. Ou seja, apesar de terem 3,5% de proteína total, o teor de caseína é de 2,62 e 2,77%, respectivamente.
Gráfico 3. Distribuição dos produtores em função da proteína total e PCAS
Mas o que afeta a porcentagem de caseína ?
Existem alguns fatores que podem afetar o PCAS como nutrição, genética, estágio de lactação, etc. Iremos chamar a atenção aqui para o principal deles e que merece atenção especial: a sanidade da glândula mamária, ou seja, a contagem de Células Somáticas (CCS ).
Durante o processo de infecção da glândula mamária ocorrem alterações na composição do leite. A concentração de proteína total geralmente permanece igual em função do aumento das “proteínas do soro” e da diminuição da caseína. Ou seja, a mastite que leva o aumento da CCS, provoca a diminuição do PCAS. No gráfico abaixo, é mostrada a correlação entre aumento da CCS e a diminuição do PCAS.
Gráfico 4. Impacto da CCS no PCAS (porcentagem da proteína na forma de caseína)
Por exemplo, se um rebanho que possui CCS de 100 mil e PCAS de 78%, tiver problema de mastite e a CCS se elevar para 800 mil, o PCAS irá diminuir cerca de 3 unidades, ou seja, cairá para 75%.
Portanto, a mastite tem um impacto também na qualidade do leite (menor teor de caseína) e consequentemente no rendimento industrial.
Como monitorar a caseína no leite ?
Há cerca de 5 anos seria praticamente inviável realizar a análise de caseína em grande escala considerando-se os métodos de análise disponíveis (demorados e de alto custo). Porém, com os avanços tecnológicos e novos equipamentos a análise tornou-se acessível às indústrias.
A mesma amostra já coletada para realizar as análises de gordura, proteína total, sólidos totais e ureia pode ser analisada num equipamento de infravermelho “FTIR” que também poderá fornecer o teor de caseína. No caso da Clínica do Leite – ESALQ/USP, a análise passou a ser disponibilizada em 2009 com a aquisição de um equipamento FTIR que foi devidamente calibrado e validado para a nova análise.
A adesão das indústrias para a nova análise ainda é pequena, cerca de 20% das amostras são testadas também para caseína, mas é um cenário com forte tendência de mudança. A maioria das indústrias estava focada até então em problemas “básicos” como a redução da contagem bacteriana total.
Por outro lado, outras indústrias já iniciaram o monitoramento do teor de caseína há 2 anos e que provavelmente deverão adotá-la como critério de qualificação e de remuneração do produtor em breve, assim como é feito em outros países na Europa.
Com a análise de caseína (CAS), porcentagem da caseína (PCAS) e CCS é possível elaborar relatório de diagnóstico de situação estimando-se a perda na produção de queijo muçarela (Figura 2).
Figura 2. Relatório R401 de diagnóstico da qualidade da proteína total (Software LeiteStat).
Considerações finais
Neste artigo mostramos um dos exemplos de como a má qualidade do leite pode interferir na qualidade do derivados lácteos, usando o exemplo do rendimento industrial na produção de queijo. Existem inúmeros outros exemplos que se somados certamente podem representar o sucesso de uma indústria no mercado.
O acesso a novas análises permitem às indústrias aferir a importância da qualidade da matéria prima para o seu negócio, e consequentemente, repassar estes benefícios aos seus fornecedores de forma precisa.