Na fabricação dos queijos ocorre a separação da caseína do leite, juntamente com uma parte da gordura, formando a massa do queijo. O que sobra desse processo é conhecido como o soro de queijo, um líquido que contém a lactose e o restante das proteínas, gordura e sais minerais do leite (Fox et al., 2017). As proteínas do soro de queijo são consideradas mais nutritivas para os seres humanos quando comparadas a outras fontes proteicas, como soja, ovo, carne, ou mesmo a caseína, pois são ricas em aminoácidos essenciais, principalmente os de cadeia ramificada (valina, leucina e isoleucina) e os sulfurados (cisteína e metionina). Esse aminoácidos o corpo humano não é capaz de sintetizar, devendo ser fornecidos pela dieta (Smithers, 2015).
Além da importância nutricional, as proteínas do soro de queijo também apresentam funções biológicas, como por exemplo, atividade antimicrobiana, principalmente por ação da lactoferrina e da lactoperoxidase. Já as imunoglobulinas, a α-lactalbumina e a β-lactoglobulina estimulam a performance do sistema imune. Além disso, a incorporação das proteínas do soro de queijo na alimentação é considerada adequada para a prevenção de doenças cardiovasculares ou para o controle do nível de glicose sanguínea em indivíduos diabéticos (Gupta et al., 2012).
A partir da aplicação das proteases, enzimas específicas para a clivagem de ligações peptídicas, as proteínas presentes no soro de queijo são hidrolisadas em pequenos fragmentos, denominados peptídeos. Por meio da ação de enzimas proteolíticas é possível ampliar as atividades já conhecidas do soro do queijo ou até mesmo desenvolver novas funções biológicas, como a atividade anti-hipertensiva, na qual peptídeos presentes têm a capacidade de reduzir a pressão arterial. Outros exemplos seriam as funções anticolesterolêmica e antioxidante, possibilitando que essas partículas possam ser empregadas no desenvolvimento de alimentos funcionais (Brandelli et al., 2015).
Pesquisas indicam que peptídeos do soro com atividade antibacteriana também atuam contra o câncer. Isso ocorre pois as células cancerígenas alteram a constituição da membrana de forma que esta se torne semelhante a membrana bacteriana (com carga negativa). Assim, os peptídeos antibacterianos/antitumorais – normalmente carregados positivamente - têm a capacidade de atuar de forma seletiva sobre as células tumorais (Gabernet et al., 2016).
Com base nesta característica, os peptídeos derivados do soro de queijo com atividade antitumoral poderiam ser utilizados em tratamentos quimioterápicos, como tratamento adjunto ou complementar. Assim, agiriam potencializando o efeito terapêutico da droga convencional e, por conseguinte, seriam necessárias doses menores e menos efeitos prejudiciais. Dessa forma, é possível diminuir ou até mesmo evitar os efeitos colaterais da quimioterapia, como náusea, vômito, alopecia ou doenças cardiovasculares, que enfraquecem os pacientes e dificultam a recuperação, ou em alguns casos levam à morte (Dullius et al., 2019). Por isso, o consumo dos hidrolisados do soro de queijo durante o tratamento do câncer pode se tornar uma alternativa benéfica, uma vez que suas proteínas diminuem lesões oxidativas, fortalecem as funções do sistema imune e inibem o crescimento do tumor, além da formação de metástases (Gupta et al., 2012).
Pesquisas estão avaliando os benefícios destes peptídeos antitumorais e alguns já estão sendo submetidos a testes clínicos. Entre esses encontra-se o peptídeo do soro de queijo mais estudado e mais popular, a lactoferricina, um componente do leite materno, que naturalmente protege os bebês contra infecções e também contra tumores. Nesta perspectiva, o soro de queijo é um verdadeiro multitalento, pois além de ser uma fonte completa de proteínas, tem um expressivo poder terapêutico.
Referências
Brandelli, A., Daroit, D. J., & Corrêa, A. P. F. (2015). Whey as a source of peptides with remarkable biological activities. Food Research International, 73, 149-161.
Dullius, A., Rocha, C. M., Laufer, S., de Souza, C. F. V., & Goettert, M. I. (2019). Are peptides a solution for the treatment of hyperactivated JAK3 pathways?. Inflammopharmacology, 1-20.
Fox, P. F., Guinee, T. P., Cogan, T. M., & McSweeney, P. L. (2017). Fundamentals of cheese science (pp. 185-229). Boston, MA, USA:: Springer.
Gabernet, G., Müller, A. T., Hiss, J. A., & Schneider, G. (2016). Membranolytic anticancer peptides. MedChemComm, 7(12), 2232-2245.
Gupta, C., Prakash, D., Garg, A., & Gupta, S. (2012). Whey Proteins: A Novel Source of Bioceuticals. Middle-East Journal of Scientific Research, 12(3), 365-375.
Smithers, G. W. (2015). Whey-ing up the options–Yesterday, today and tomorrow. International Dairy Journal, 48, 2-14.