Silagem de milho para bezerros em aleitamento: quebrando paradigmas

O fornecimento de ração totalmente misturada conhecida pela sigla TMR é uma técnica bastante conhecida e utilizada que consiste em fornecer uma dieta completa contendo todos os ingredientes, concentrado e volumoso. O objetivo dessa prática é atender às exigências nutricionais dos animais para manutenção e produção (leite ou crescimento, no caso de bezerros jovens), tentando evitar ao máximo a seleção dos ingredientes que possam desbalancear a dieta que foi previamente formulada. O fornecimento de TMR é muito comum para novilhas e animais adultos, mas raramente para animais mais jovens.

Fornecer TMR para bezerros em aleitamento é uma ferramenta interessante que pode resultar em uma dieta balanceada, evitando a substituição do consumo de grãos por forragem observada quando fornecemos uma dieta de componentes (concentrado e volumoso separados). O fornecimento da TMR pode garantir a ingestão adequada de proteína e energia, além da fonte de fibra, que garante ambiente ruminal saudável, aumentando assim o desempenho em função de maior consumo de matéria seca total (Castells et al., 2012).

Bezerra se alimentando de TMR. Foto: Autores.

Os grãos de cereais e a forragem desempenham papéis diferentes, mas se complementam no que diz respeito à maturação do trato gastrointestinal, principalmente no processo de desaleitamento à medida em que o consumo de dieta sólida aumenta exponencialmente (Quigley et al., 2019). O fornecimento de feno é mais comum para bezerros leiteiros, e tem sido feito de forma separada do concentrado e normalmente à vontade.

No entanto, recentemente, se entendeu que o fornecimento controlado é mais indicado e evita que os animais substituam o concentrado por feno, especialmente quando este tem alta qualidade. Já o fornecimento de silagem é bastante questionado, não sendo recomendado pela maior parte dos técnicos e pesquisadores.

Está recomendação de não se fornecer alimentos conservados para bezerros jovens está baseada na baixa estabilidade da dieta e possível crescimento de fungos e bolores, reduzindo o consumo e a qualidade nutricional da dieta. No entanto, as melhorias no processo de ensilagem observadas nos últimos anos e a experiência prática positiva em muitas fazendas indicam que existe possibilidade de fornecimento deste volumoso disponível na maior parte das propriedades.

Nesse sentido, uma pesquisa realizada recentemente, no Bezerreiro Experimental do Depto. de Zootecnia da ESALQ/USP (Toledo et al., 2023), teve como objetivo avaliar o fornecimento de silagem de milho de planta inteira através de TMR para bezerros leiteiros durante o período de pré- e pós-desaleitamento.

Para este estudo foram utilizados 45 bezerros holandeses acompanhados desde o nascimento, garantindo adequada colostragem. Os animais receberam 6 L de leite por dia, além de concentrado e água à vontade. A partir dos 28 dias de idade, o fornecimento de concentrado foi substituído pelo da TMR com inclusão de 10 ou 20% silagem de milho. Dessa forma, foram acompanhados três grupos experimentais:

1. Controle – apenas concentrado (0SM);
2. TMR contendo 10% de silagem de milho (10SM);
3. TMR contendo 20% de silagem de milho (20SM).

Os bezerros foram desaleitados gradualmente dos 52 aos 56 dias de idade, e foram avaliados por mais 14 dias após o desaleitamento. A dieta era comporta por milho moído, farelo de soja, farelo de trigo, silagem de milho (0, 10 ou 20%) e suplemento mineral vitamínico.

Foi possível observar uma interação entre dieta e idade para consumo de dieta sólida, com efeito quadrático para o consumo de matéria seca da 7ª à 10ª semana (Tabela 1, Figura 1). Ou seja, bezerros que receberam a dieta 10SM consumiram mais dieta sólida durante esse período comparado com os bezerros que receberam as dietas 0SM e 20SM. Consequentemente, a dieta 10SM também promoveu maior ganho médio diário (GMD) nas semanas 8 e 9 em comparação com as dietas 0SM e 20SM (Figura 1). No entanto, o peso corporal ao desaleitamento e ao final do experimento (70 d) não foi afetado pelas diferentes dietas sólidas.

Tabela 1. Desempenho de bezerros nos períodos pré-desmame (d 28-56) e pós-desmame (d 57-70), alimentados com 0%, 10% e 20% de silagem de milho flint na TMR

Figura 1. Consumo de dieta sólida (g/d) e Ganho médio diário (g), de bezerros nos períodos pré-desmame (d 28-56) e pós-desmame (d 57-70), alimentados com 0%, 10% e 20% de silagem de milho flint na TMR.

*denota efeito quadrático, de forma que 10SM é superior a 0SM e 20SM.

O consumo de FDN % PC e FDN fisicamente efetivo (FDNfe) de partículas retidas acima da peneira de 4 mm, foi maior para as dietas 10SM e 20SM comparado com a dieta 0SM, da 7ª à 10ª semana (Figura 2). O maior consumo de partículas longa proporcionada pela maior inclusão de silagem de milho, sugere que inclusões mais altas de forragem, como a dieta 20SM, pode resultar em um efeito de preenchimento ruminal, atrapalhando o consumo total de nutrientes.

Figura 2. Consumo de FDN (g/d) e FDNfe > 4mm (g/d), de bezerros nos períodos pré-desmame (d 28-56) e pós-desmame (d 57-70), alimentados com 0%, 10% e 20% de silagem de milho flint na TMR.

± denota aumento linear no consume de NDFfe com a inlcusão de silage na dieta.  * denota efeito quadrático, com maior consumo de NDFfe para bezerros alimentados com 20CS em comparação as dietas 0CS e 10CS.

Em contrapartida, a inclusão de 10% SM proporcionou estímulo para controlar o excesso de fermentação no rúmen e o risco de acidose, sem atrapalhar o consumo total de dieta sólida. A inclusão de silagem na dieta dos bezerros afetou positivamente o pH ruminal (5,7; 5,9; 5,9 ± 0,095) e o tempo gasto ruminando antes (52,4; 64,5; 95,0 ± 7,45 min) e depois do desaleitamento (49,6; 106,6; 118,2 ± 9,32).

Incluir 10% de silagem de milho de planta inteira na TMR de bezerros leiteiros jovens é uma estratégia interessante para aumentar a ingestão total de matéria seca e diminuir o risco de acidose. No entanto, é necessária maior atenção ao fornecer forragens fermentadas para bezerros, trocando diariamente a dieta do cocho com objetivo de evitar o consumo de alimentos deteriorados, e ajustar a dieta de acordo com o nível de amido e FDN presentes na silagem.

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Referências

Castells, L., A. Bach, G. Araujo, C. Montoro, and M. Terre. 2012. Effect of different forage sources on performance and feeding behavior of Holstein calves. J. Dairy Sci. 95:286–293. https://doi.org/10 .3168/jds.2011-4405.

Quigley, J. D., W. Hu, J. R. Knapp, T. S. Dennis, F. X. Suarez-Mena, and T. M. Hill. 2019. Estimates of calf starter energy affected by consumption of nutrients. 1. Evaluation of models to predict changing digestion on energy content in calf starter. J. Dairy Sci. 102:2232–2241. https://doi.org/10.3168/jds.2018-15353.

Toledo, A. F., S. C. Dondé, A. P. Silva, A. M. Cezar, M. G. Coelho, C. R. Tomaluski, G. F. Virgínio Jr., J. H. C. Costa, C. M. M. Bittar. 2023. Whole-plant flint corn silage inclusion in total mixed rations for pre- and postweaning dairy calves. 106. https://doi.org/10.3168/jds.2023-23494.