Bezerros nascem com o sistema imune imaturo e são dependentes da transferência passiva de imunoglobulinas através da ingestão de colostro, para sua proteção durante o período neonatal. O estado imunológico do bezerro é afetado por importantes fatores como a quantidade de colostro consumida, concentração de Ig e o tempo para ingestão após o nascimento. No entanto, mesmo quando estes fatores são controlados os animais podem sofrer falha na transferência passiva de imunidade. A transferência de imunidade está fortemente relacionada à sobrevivência e a saúde dos bezerros.
Atualmente, é recomendada a separação do bezerro de sua mãe, logo após o nascimento, e o fornecimento controlado de colostro de boa qualidade e em volumes adequados e no tempo que garante maior absorção de imunoglobulinas. O colostro é fornecido em mamadeira ou sonda esofágica, de forma que a quantidade e a qualidade do colostro fornecida são conhecidas; quando o animal é amamentado pela mãe esses dois fatores não podem ser quantificados, gerando dúvidas sobre o estado imunológico desse animal. A separação, também vem sendo preconizada para reduzir a transferência de doenças oriundas do ambiente do parto ou da própria mãe para o bezerro.
Mesmo com esses cuidados para tentar melhorar o programa de colostragem e saúde dos animais, ainda é grande o número de bezerros que apresentam níveis plasmáticos de Ig inferiores ao esperado. Um estudo realizado em 1971 com o objetivo de melhorar a absorção de Ig concluiu que os animais que permaneceram com a mãe após o parto por um período de 18 horas tiveram níveis 70% maior de Ig no sangue, quando comparados a bezerros que foram removidos após o nascimento. Neste estudo os bezerros receberam em mamadeira quantidades iguais de colostro e com a mesma qualidade.
Pensando nisso, recentemente foi realizado um estudo com o objetivo de verificar se a separação precoce do bezerro tem influência sobre a absorção de imunoglobulinas. Neste estudo, a hipótese foi de que manter o bezerro com a mãe, mas impedindo a amamentação, aumentaria a absorção de Ig, e que 6 horas na presença da mãe deveria apresentar um aumento efetivo na absorção de Ig, assim como 24 horas, considerando que a absorção de Ig é maior nas primeiras horas de vida.
Foram utilizados 30 bezerros, machos e fêmeas, divididos em três grupos logo após o nascimento. No primeiro grupo (T0,5) os bezerros foram separados de suas mães 30 minutos após o nascimento. No segundo grupo (T6) os bezerros foram removidos seis horas após o nascimento, enquanto no terceiro grupo (T24) apenas vinte e quatro horas após o nascimento. Em todos os grupos os animais foram removidos nos primeiros 30 minutos de vida para serem pesados; e então colocados em uma baia individual (T0,5) ou retornaram para a baia maternidade (T6 e T24), em um local que permitia acesso a vaca, mas impedia a amamentação.
O colostro foi coletado antes e durante o estudo e sua qualidade foi mensurada utilizando-se colostrômetro, sendo fornecido aos animais apenas colostro de alta qualidade, apresentando concentrações de IgG maiores que 70 g/L. Foram fornecidos 85 g de colostro /kg de peso ao nascimento para cada bezerro até 1 hora após o nascimento, utilizando-se sonda esofágica. Os bezerros não foram novamente alimentados até completarem 24 horas de vida quando foi coletada uma amostra de sangue, que foi analisada quanto a IgG, IgM e IgA, e eficiência aparente de absorção de Ig (EAA).
Neste estudo foi observado que o tempo que o bezerro ficou com a mãe após o nascimento tem influência (P>0,10) sobre os parâmetros IgG, IgM e IgA e EAA até 24 horas após o nascimento (Tabela 1). Por outro lado, o peso ao nascer dos bezerros afetou a concentração de IgG e a EAA (P>0,05), sendo que o animal mais pesado apresentou menor IgG e EAA, corroborando com a necessidade do fornecimento de maiores volumes para bezerros mais pesados. Também houve diferença entre os sexos, de forma que as fêmeas apresentaram maior concentração de IgG e EAA comparados com os bezerros machos (P>0,05).
Tabela 1- Concentração de IgG, IgM e IgA; eficiência aparente de absorção de IgG (EAA) e tempo que o bezerro foi afagado pela mãe após o nascimento
O tempo que o bezerros teve contacto direto com a mãe (ato de lamber, de encostar o focinho, entre outros) na primeira hora de vida apresentou diferença (P<0,001) apenas no T0,5; uma vez que esses animais ficaram apenas 30 minutos na presença da vaca (Tabela 1). Já nos outros dois tratamentos em que os animais passaram mais tempo com a mãe, o período de contato físico foi semelhante (P=0,86).
No estudo de 1971, os bezerros foram removidos de suas mães 15 minutos após o nascimento, enquanto neste estudo atual, os animais ficaram com suas mães por no mínimo 30 minutos. O período mais intenso de interação vaca-bezerro ocorre até 40 minutos após o nascimento. Assim, todos os bezerros desse estudo se beneficiaram deste período; entretanto, os bezerros do T0,5 receberam apenas 66% da ação da vaca que os animais dos outros dois tratamentos, e mesmo assim não houve diferença na transferência de imunidade entre os tratamentos. Esta é uma forte evidência de que o contato físico entre mãe e bezerro não afetam a absorção de IgG.
Por outro lado, uma diferença entre este estudo e outros estudos, é a quantidade de colostro fornecido para os animais. Assim, quando grandes quantidades de Ig estão disponíveis para absorção, como observado neste estudo, nenhum efeito materno é efetivo no aumento da absorção de Ig. Dessa forma, sugere-se que o efeito materno pode prevalecer quando há baixa ingestão de Ig, mas não quando o animal recebe os níveis recomendados. Além disso, o potencial de transferência oral-fecal de patógenos e a incerteza da qualidade do colostro consumido por bezerros que mamam diretamente da vaca, são efeitos que podem ser superados quando o bezerro é separado da mãe logo após o nascimento.
Assim sendo, este estudo conclui que a presença da mãe não influencia a absorção de Ig, e que o fornecimento de colostro com qualidade e quantidade adequada são essenciais para melhorar o transferência de imunidade passiva. A recomendação de separação do bezerro logo após o nascimento é aceitável para garantir o fornecimento de colostro e diminuir a transferência oral-fecal de patógenos da mãe para bezerro após o nascimento.
VIERA, D.M.; CHAPINAL, N.; NADALIN, A. Does the presence of the cow influence the absorption of immunoglobulins by the neonatal dairy calf?. Canadian Journal of Animal Science,v. 91, p.349-352, 2011.
Comentários
Seguindo uma tendência mundial, vários sistemas de produção tem se adequado com relação ao bem-estar animal e uma das questões sempre levantadas é o estresse causado no bezerro quando o mesmo é separado de sua mãe logo após o nascimento. Como mostra o trabalho, a maior parte da interação física vaca-bezerro logo após o parto ocorre na primeira hora após o nascimento, de forma que a manutenção do bezerro com a mãe durante este tempo seria suficiente. Parece lógico, no entanto, que a separação da mãe, mesmo que não realize mais o contacto físico direto, deva causar estresse no animal. Há que se considerar também que o ato de mamar é por si só um comportamento que traz conforto ao animal lactente e garante o contacto físico direto. Entretanto, como o enfoque do trabalho se refere a eficiência na transmissão de imunidade passiva, este tipo de avaliação não foi realizada. Interessante que deixar os animais na presença da vaca, sem que haja possibilidade de mamada, aumenta o tempo do contacto físico direto, mas não altera nenhum dos parâmetros avaliados. O trabalho corrobora as recomendações práticas atuais de que o mais importante para o sucesso no programa de colostragem é o fornecimento de colostro de qualidade, em quantidade adequada e no tempo que permita maior taxa de absorção.