A inovação tecnológica na pecuária leiteira é um diferencial na produção de leite.
De acordo com os dados do último Censo Agropecuário do IBGE, o Brasil tinha em 2017 cerca de 1,176 milhão de produtores de leite. No entanto, houve uma redução de 25% no número de produtores entre os anos de 1996 e de 2006 e de 13% no período 2006 a 2017. Isso significa que cerca de 600 mil produtores deixaram a atividade no país.
Em contrapartida, de acordo com a Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, a produção aumentou 87% saindo de 18,7 bilhões de litros para 34,8 bilhões e a produtividade das vacas praticamente dobrou de 1.095 litros/vaca/ano para 2.142 litros/vaca/ano.
Nesse artigo vou explorar uma parte dos resultados de um trabalho que publiquei em 2019 que abordei a exclusão de produtores por efeito da tecnificação da atividade. Esse artigo está na International Food and Agribusiness Management Review, que é uma revista científica especializada na área de administração do agronegócio. A referência completa do artigo original está no final desse texto.
Foram usados dados sobre a produção, importação, exportação, sistemas de produção, preços, consumo etc., oriundos fontes de dados oficiais, opinião de especialistas, além de outros trabalhos científicos.
Esses dados alimentaram um modelo de simulação computacional, que tem a seguinte lógica da figura abaixo (Figura 1). À primeira vista, pode parecer um pouco confuso, mas vamos começar pela produção de leite e pelas setas cor de laranja. Achou a produção de leite na parte de baixo da figura?
Então, vamos lá. Quanto maior a produção de leite, maior será a produção de derivados e, consequentemente, maior será o estoque das indústrias.
Se o estoque aumenta, o preço dos derivados lácteos cai e o preço ao produtor também diminui. Isso faz reduzir o lucro das fazendas, reduzir o número de vacas (setas verdes) e a produtividade (setas azuis), com isso, a produção diminui, que foi o ponto onde começamos lembra?
Por outro lado, olhando para a demanda de lácteos e iniciando novamente pela produção de leite temos: quanto menor for a produção, menor a produção de lácteos, menor será o estoque de derivados, logo, maior será o preço para os consumidores, que irão demandar menos produtos e levar a um novo aumento de estoque (setas marrons).
Além disso, para o modelo ficar mais completo, coloquei ainda algumas variáveis que vem de fora do sistema: repare nas condições climáticas, taxa de adoção de tecnologias, importações e exportações e renda da população, todas em cinza.
Em resumo, para saber o que acontece com o mercado de lácteos e em cada uma das variáveis, temos que saber qual dos ciclos de retroalimentação (círculos coloridos) está com mais força no momento, se é o da oferta ou o da demanda.
Depois que o modelo foi testado, simulamos o efeito da adoção de tecnologias feita pelos produtores em três velocidades e diferenciando entre os pequenos e os grandes produtores de leite.
Observando o Gráfico 1, podemos dizer que quando damos um choque de tecnologia nos sistemas de produção e mantemos a demanda nos mesmos níveis, o preço ao produtor tende a reduzir devido ao aumento da produção.
Se a tecnologia for adotada, tanto por pequenos, quanto por grandes produtores os preços caem de forma semelhante. Quanto mais rápida a adoção da tecnologia, maior será a queda do preço ao produtor. Lembrando que estamos mantendo a demanda de leite constante em todos os cenários.
No entanto, esse efeito de redução dos preços se espalha de maneira diferente entre os diferentes tipos de produtores, seja em função do seu tamanho ou entre os que adotam ou não a tecnologia. Vamos analisar, então, o efeito da redução do preço sobre número de vacas ordenhadas e sobre as margens líquidas dos produtores.
Nos dois próximos gráficos (Gráficos 2 e 3), podemos ver o que ocorre com o número de vacas ordenhadas quando uma parte dos pequenos produtores de leite (até 200 L/dia) adota tecnologia em diferentes velocidades. Notem que as barras azuis indicam que quando os pequenos produtores usam mais tecnologias, eles tendem a aumentar o número de vacas. No entanto, as barras vermelhas indicam que os produtores, tanto grandes quanto pequenos, que não usam a tecnologia tendem a reduzir seus rebanhos.
Os dois gráficos seguintes (Gráficos 4 e 5), também representam a variação do número de vacas, só que agora simulando quando os grandes produtores (maior que 500 litros/dia) adotam a tecnologia em diferentes velocidades.
Notem que quando os grandes adotam tecnologia (barras azuis), eles aumentam muito o seu número de vacas. Já os outros que não adotam, tanto os pequenos quanto os grandes, ficam reduzidos.
O mesmo efeito é observado em termos de margem líquida. Veja nos dois próximos gráficos que a adoção de tecnologia, tanto por pequenos (Gráfico 6) quanto por grandes produtores (Gráfico 7), aumenta sua eficiência econômica (barras azuis), mas causa redução da eficiência dos que não adotam (barras vermelhas).
Bom, mas o que aprendemos com isso tudo?
Primeiro, a adoção de tecnologia é importante, porém, o aumento de produção que ela traz pode causar queda dos preços se o consumo não aumentar na mesma proporção.
Segundo, quando há queda de preço, esse efeito é muito mais negativo para aqueles produtores que optaram por não inovar seus sistemas de produção. Aqueles que inovam e usam mais tecnologia, ficam sempre em melhor situação mesmo com os preços mais baixos.
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Referências
Simões, A.R.P., Nicholson, C.F., Novakovic, A.M., Protil, R.M., 2019. Dynamic impacts of farm-level technology adoption on the Brazilian dairy supply chain. Int. Food Agribus. Manag. Rev. 23, 71–84. https://doi.org/10.22434/IFAMR2019.0033