Autores do artigo* > Jonas T. Guimarães e Hugo E. de Oliveira > Universidade Federal Fluminense (UFF), Faculdade de Medicina Veterinária
Eric Keven Silva e Maria Ângela A. Meireles > Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Adriano Gomes da Cruz > Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Departamento de Alimentos
Nos dias atuais, os consumidores estão cada vez mais preocupados com o que consomem, a sua origem e as propriedades nutricionais. As tecnologias emergentes não térmicas estão sendo estudadas com o objetivo de eliminar ou reduzir os efeitos negativos do tratamento térmico convencional nos alimentos, mas sem comprometer sua segurança microbiológica.
O processamento por ultrassom surgiu como alternativa para o processamento convencional de alimentos. Esta tecnologia é conhecida por causar reações físicas e químicas em materiais desde 1920, entretanto, a ciência e os equipamentos por trás desta tecnologia somente começaram a se desenvolver em 1970.
O ultrassom é definido como ondas sonoras de frequências que ultrapassam o limite audível do ser humano (~20KHz). As aplicações do ultrassom no processamento de alimentos e análise e controle de qualidade são divididas de acordo com a frequência das ondas utilizadas e a intensidade da energia aplicada em ultrassom de alta intensidade (baixas frequências, 20-500KHz e >1 W por cm2) e ultrassom de baixa intensidade (altas frequências, >1 MHz e <1 W por cm2). No entanto, o ultrassom de alta intensidade se mostra mais promissor para o processamento de produtos lácteos.
O ultrassom de alta intensidade (UAI) produz ondas capazes de induzir alterações físicas e químicas nos alimentos, diferentemente do ultrassom de baixa intensidade que é mais usado em métodos analíticos não invasivos; portanto, esses efeitos são promissores no processamento, preservação e segurança de alimentos. Em produtos lácteos, a capacidade do ultrassom de alta intensidade de operar em temperaturas mais baixas que a de pasteurização, possibilita o processamento de leite e derivados reduzindo as alterações induzidas pelo calor como: desnaturação de proteínas; degradação de vitaminas; degradação da lactose; entre outras.
O principal mecanismo envolvido no UAI é a cavitação acústica, que pode ser entendida como a formação e implosão de bolhas microscópicas, induzidas pela diferença de pressão durante o processo de ultrassonificação, sendo responsável pela maior parte das alterações físico-químicas e microbiológicas. O UAI pode atuar nos componentes do leite de diferentes formas, reduzindo o tamanho dos glóbulos de gordura, cristalizando a lactose, destruindo células somáticas e quebrando agregados proteicos, entretanto, o ultrassom não se mostra capaz de reduzir o tamanho das micelas de caseína.
Uma das utilidades mais reconhecidas dessa tecnologia é a homogeneização e emulsificação das gorduras, pois oferecem mais benefícios que os métodos convencionais de emulsificação, como o de agitação mecânica, o de homogeneização de alta e ultra alta pressão e o de microfluidificação. Portanto, consiste em uma técnica muito versátil para produtos lácteos, pois melhora a viscosidade, além de manter maior estabilidade que os métodos convencionais.
"Em produtos lácteos, a capacidade do ultrassom de alta intensidade de operar em temperaturas mais baixas que a de pasteurização, possibilita o processamento de leite e derivados reduzindo as alterações induzidas pelo calor como: desnaturação de proteínas; degradação de vitaminas; degradação da lactose; entre outras".
A capacidade do UAI de inativar micro-organismos é atribuída à dois eventos:
(a) A cavitação acústica, na qual o colapso das bolhas, criadas pela cavitação, gera jatos de líquido sob alta pressão saindo do centro da bolha, causando severos danos à parede celular;
(b) E a cavitação intracelular, que ocasiona a ruptura das estruturas e dos componentes celulares até o ponto da lise celular, que são efeitos principalmente do aquecimento localizado e da formação de radicais livres.
Entretanto, ainda há controvérsias quanto ao uso do ultrassom para o processamento de leite cru ou a elaboração de produtos lácteos. Um dos principais obstáculos para o uso desta tecnologia como único método de processamento é a necessidade do uso de altas densidades energéticas para inativação de micro-organismos mais resistentes, o que causa significante alteração sensorial nestes produtos. Portanto, muitas pesquisas estão voltadas para o uso concomitante do ultrassom com tratamentos térmicos ou até mesmo outras tecnologias emergentes.
Ainda não existem no mercado produtos lácteos processados por ultrassom, mas a grande versatilidade do ultrassom faz desta tecnologia uma ótima opção para a elaboração de produtos inovadores. No meio científico, pesquisas inovadoras estudam a elaboração de produtos lácteos processado por ultrassom de alta intensidade. Atualmente podem ser encontrados estudos de bebidas lácteas achocolatadas e com frutas, queijos, leites fermentados, sorvetes, sobremesas lácteas e produtos lácteos de origem não-bovina como leite de ovelha. Estes estudos concluíram que o UAI pode ser usado na elaboração de novos produtos, pelo fato de alterar a textura, estabilidade, sabor e aroma de forma positiva e sem degradar seus principais compostos nutricionais
O UAI também pode ser utilizado na elaboração de produtos funcionais. Alguns estudos demonstraram que o uso do ultrassom de alta intensidade pode aumentar a atividade de compostos bioativos (compostos com atividades antioxidantes, anti-hipertensivas, anti-inflamatórias, imunomoduladoras, entre outras) em alguns produtos. Estes compostos são encontrados normalmente em produtos lácteos contendo frutas (bebidas lácteas e iogurtes de frutas), especiarias (queijos com orégano, pimentas e outros temperos) e leites fermentados; e segundo estudos, o ultrassom é capaz de aumentar a atividade destes compostos, principalmente pelo rompimento de células e mudança na conformação de alguns compostos.
De forma geral, esta tecnologia é promissora na área de processamento de produtos lácteos e para que ela seja finalmente utilizada na produção de produtos comerciais, por um lado ainda falta investimento em equipamentos de larga escala e por outro, ainda faltam estudos clínicos sobre o consumo prolongado destes novos produtos a fim de comprovar a alegação nutricional/funcional desta tecnologia.
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