Em nutrição, a qualidade da forragem ou da forrageira talvez seja um dos pontos mais valorizados e buscados por técnicos e produtores, sendo muito comum que se considerem questões sobre qual capim tem maior ou menor qualidade, ou que cultivar tem mais proteína, por exemplo.
Ocorre que, da mesma forma que é um dos pontos mais valorizados, é um dos assuntos onde mais ocorrem erros ou enganos de interpretação. De forma geral, a maioria das pessoas, quando pensa em qualidade de forragem, está se referindo ao valor nutritivo, como se qualidade e valor nutritivo fossem a mesma coisa quando, na verdade, não são.
Esse material busca um melhor entendimento desses conceitos. Principais pontos abordados:
- Valor nutritivo não é o único ponto
- Como estimular consumo
- Subpastejo x Sobrepastejo
- Maturidade da forrageira
- Modelo de pastejo
Valor nutritivo não é o único ponto
A qualidade de qualquer alimento empregado na alimentação animal é definida basicamente pelo potencial desse alimento em gerar desempenho animal, ou seja, ganho de peso individual ou produção de leite por vaca, por exemplo. Já o valor nutritivo pode ser estimado por análises laboratoriais, incluindo digestibilidade in vitro, e teores de proteína bruta e de frações fibrosas (FDN e FDA). Assim sendo, “qualidade” é algo muito mais abrangente do que o valor nutritivo.
No caso específico das plantas forrageiras, a qualidade é o resultado dos efeitos combinados do valor nutritivo da forragem ingerida, com a capacidade de consumo de forragem pelo animal, e modificada ainda, pelo potencial genético de desempenho desse animal.
O valor nutritivo passa então a ser apenas um dos componentes para determinar a qualidade da forragem, existindo outros aspectos como a presença de fatores antinutricionais (por exemplo taninos ou alcalóides cianogênicos), o perfil dos compostos resultantes processo digestivo (como aminoácidos e ácidos graxos voláteis), e principalmente os aspectos relacionados à estrutura da pastagem, como composição morfológica (percentual de folhas, colmos e material morto) e a organização espacial com que esses diferentes componentes são apresentados (altura, densidade etc.) que, por afetarem o consumo de forragem pelo animal, acabam resultando na real qualidade dessa forragem.
Em estudos nos quais o desempenho produtivo dos animais foi avaliado em função da dieta de forragem fornecida, de forma geral, o desempenho individual foi menos dependente do valor nutritivo da forragem (10 a 40% das vezes) e mais afetado pelo consumo (90 a 60% das vezes).
Isso não quer dizer que o valor nutritivo não seja relevante. Muito pelo contrário, ele é muito importante, e ações de manejo devem ser tomadas para se obter forragem com valor elevado. No entanto, ênfase tem que ser dada no manejo do pastejo para aumentar o consumo de forragem pelos animais, pois a resposta produtiva será maior.
Como estimular o consumo de forragem em vacas leiteiras?
Para dar essa resposta é importante entender cada um dos diversos aspectos que se combinam para determinar o consumo de forragem pelos animais.
O primeiro deles está ligado ao ajuste entre o suprimento de forragem e a demanda de alimento do rebanho ao longo do ano, de forma que se garanta que a demanda nunca seja superior ao suprimento. Ou seja, garantir forragem de qualidade aos animais, é garantir que não existam épocas sem forragem suficiente para alimentar todos os animais.
O segundo ponto está ligado à relação entre quantidade de forragem disponível em uma determinada área e a quantidade de animais, normalmente expressa em unidades animais (convencionalmente se considera uma UA igual a um animal de 450 kg de peso vivo) colocados nessa mesma área. Esse conceito é conhecido como oferta de forragem.
Quanto maior a quantidade de alimento (por exemplo, forragem no pasto) oferecido ao animal por dia, maior é a oportunidade desse animal selecionar os locais da pastagem e as partes da planta que deseja consumir. Isso permite que seu desempenho individual não seja limitado pela quantidade de alimento, contudo normalmente resulta numa contrapartida indesejável, que é o desperdício de forragem.
Por outro lado, quando se restringe a oferta de forragem aos animais, reduz-se a oportunidade de seleção, forçando os animais a consumirem forragem de menor valor nutritivo, diminuindo seu desempenho individual, mas melhorando o aproveitamento da forragem pela menor perda (desperdício) daquilo que é produzido.
Subpastejo e Sobrepastejo
Nos dois extremos deste processo é que ocorrem o subpastejo e o sobrepastejo (às vezes conhecido como “superpastejo”), condições que podem resultar em forragem de má qualidade e até na degradação das pastagens. Forragem de alta qualidade é produzida dentro da faixa de amplitude ótima de pastejo, entre a taxa de lotação máxima e a taxa de lotação mínima.
Figura 1. Relação entre oferta de forragem e desempenho por animal e por área (Adaptado de Mott 1960).
Maturidade da forrageira
O ajuste da demanda ao suprimento é no aspecto quantitativo, mas adequações também podem ser realizadas em outros pontos, como em relação à fase de desenvolvimento em que a planta se encontra, e em à estrutura com que a forragem é apresentada aos animais.
A idade (maturidade) da planta forrageira no momento do pastejo afeta as suas características qualitativas e, com o avanço da maturidade, menor o seu valor nutritivo (Tabela 1), exigindo mais tempo para que ela seja digerida, mantendo o rúmen cheio por mais tempo e levando o animal a um menor consumo diário.
Tabela 1. Evolução do valor nutritivo de três gramíneas forrageiras tropicais com o aumento da maturidade (forragem com 28, 35, e 54 dias de idade).
* CT- carboidratos totais; CNF- carboidratos não fibrosos;
Fonte: Sá et al., 2010
Plantas mais jovens apresentam maior proporção de folhas e menor proporção de colmos em sua composição, o que favorece a ingestão de forragem, por ser mais fácil realizar o bocado, e devido à digestão das folhas ser mais fácil e rápida, permitindo que o animal coma mais.
Folhas são mais nutritivas que colmos, folhas verdes são mais nutritivas que folhas mortas e colmos novos são mais nutritivos que colmos velhos. A queda no valor nutritivo com o tempo decorre do acúmulo de compostos estruturais como celulose e lignina, que não só “diluem” a concentração dos demais compostos na forragem, mas que também tem por função dar rigidez estrutural à planta (algo que ela precisa para se manter em pé e interceptar luz solar), e com isso são de digestão mais difícil (Figura 4).
Um fato que sempre deve ser lembrado, é que a adubação aumenta a produção, acelerando o crescimento e desenvolvimento da planta, e, portanto, o momento ótimo para pastejo também é atingido mais cedo, pois com a adubação, o processo de “envelhecimento” e acúmulo de lignina nos tecidos também é acelerado.
Figura 2. Digestibilidade nos tecidos de uma planta forrageira.
Manejo do pastejo
Os principais objetivos do manejo do pastejo, no que diz respeito à obtenção de forragem de qualidade, são maximizar a produção de folhas pelas plantas forrageiras, e obter o máximo consumo dessas folhas pelos animais. Na busca desses objetivos, foi proposto um modelo de manejo do pastejo.
Esse modelo é baseado na premissa de que os fatores ambientais para o crescimento das plantas (CO2, N, água, radiação solar e temperatura) e de manejo (adubação, intensidade de desfolhação) alteram a taxa de crescimento e desenvolvimento das pastagens, o que, por consequência, gera alterações em sua estrutura (altura do dossel, densidade de perfilhos, relação folha/colmo e etc.), que condicionam o ajuste de lotação e o comportamento ingestivo dos animais.
Assim sendo, passa-se a considerar que o desempenho animal tem uma dependência direta da ingestão diária de forragem e uma dependência indireta, através dos efeitos do processo de pastejo, da composição morfológica (folhas, colmos e material morto) da pastagem, estrutura e produtividade da pastagem.
A estrutura de uma pastagem diz respeito ao arranjo e à distribuição dos componentes da parte aérea das plantas dentro de uma comunidade vegetal. A distribuição espacial pode afetar a produção animal por influir sobre a facilidade com que a forragem é apreendida.
Essa forma de manejo do pastejo, determina que, além do ajuste de lotação, é necessário considerar também a velocidade de crescimento das plantas, ajustando-se o momento de entrada dos animais e início do pastejo ao desenvolvimento da planta.
A partir daí, relaciona-se o período ótimo de descanso entre pastejos não mais a uma premissa de tempo fixo como dias, mas a uma premissa estrutural fixa, por exemplo a uma altura do pasto, que será atingida mais cedo ou mais tarde, dependendo da época do ano.
Segundo essa proposta, o pasto não segue um calendário, substituindo-se as recomendações de manejo por intervalos de dias entre pastejo e dias de ocupação dos piquetes, por alturas de referência a entrada e saída dos animais desse piquetes (Tabela 2), levando os animais a consumirem a forragem sempre em uma condição fisiológica semelhante.
Tabela 2. Alturas de referência para manejo de algumas espécies forrageiras
Os resultados que vem sendo obtidos pela pesquisa mostram que esse novo enfoque no manejo do pastejo tem possibilitado a obtenção de forragem de melhor qualidade para os animais, garantindo altas produções de forragem, com grande participação de folhas e pequena participação de colmos na massa produzida, e principalmente, permitindo que os animais aumentem o consumo de folhas e melhorem o aproveitamento da forragem produzida (utilização da forragem, balanço entre produzido e consumido), levando a maiores produções.