As pastagens de inverno são ótimas opções em época de escassez de alimento para gado leiteiro e uma alternativa é a sobressemeadura em áreas de pastagens tropicais.
Em sistemas de produção animal baseados em pastagens, um dos maiores desafios para o ajuste da produção de alimento às necessidades do rebanho é a distribuição irregular da produção de forragem ao longo do ano.
Esse fenômeno é conhecido como estacionalidade de produção. Tal fenômeno decorre das variações nas condições ambientais, como temperatura, pluviosidade (chuvas), e fotoperíodo (comprimento do dia ao longo dos meses do ano), gerando épocas propícias ao crescimento das forrageiras, em que pode haver excesso de produção, e outras desfavoráveis a esse crescimento, com possível escassez de forragem.
Esses períodos são conhecidos respectivamente como as estações de “águas” (ou “verão”), normalmente de outubro a março, e “seca” (ou “inverno”), de abril a setembro na região Sudeste. Essa alternância de períodos de boa produtividade, com períodos de déficit, acaba por gerar a necessidade de se realizar algum ajuste, seja na oferta, seja na demanda de alimento, ou em ambos.
Assim, estratégias como venda de parte do rebanho, conservação e armazenamento de alimento, e ou aquisição de alimento para o rebanho na época desfavorável à produção de forragem na propriedade, são alternativas normalmente usadas pelos produtores, mas que normalmente aumentam os custos de produção e diminuem a lucratividade do sistema produtivo.
Por que usar pastagem de inverno?
A adoação de espécies forrageiras de inverno em área de pastagens tropicais, por sobreplantio ou sobressemeadura, é uma alternativa simples e econômica para minimizar a necessidade de fornecimento de alimento suplementar em parte do Brasil.
Espécies como o azevém anual (Loluim multiflorum) ou a aveia (Avena spp.), por exemplo, possibilitam aumentos na produção de forragem no “inverno” resultando em melhor distribuição da produção ao longo do ano.
Com isso, é possível prolongar a estação de pastejo no outono e permitir que os animais tenham acesso a uma forragem de alto valor nutritivo em parte do ano. Já que, caracteristicamente, as forrageiras de inverno apresentam altos teores de proteína bruta e alta digestibilidade durante esse período crítico.
A sobressemeadura é uma técnica utilizada há muito tempo na região Sul do Brasil, mas praticamente inexiste nas demais regiões do país. Isso decorre principalmente da crença de que forrageiras de clima temperado não se adaptam às condições climáticas características do Sudeste e do Centro-Oeste, com “invernos” mais quentes e secos do que os do Sul.
Isso é parcialmente verdadeiro, já que o déficit hídrico característico do Sudeste e Centro-Oeste no “inverno” efetivamente limita o desenvolvimento das plantas hibernais. Todavia, quanto à temperatura, aveias e azevéns irrigados são extremamente produtivos nas condições do “Brasil Central”, normalmente superando as produções obtidas na mesma época na região Sul.
Vantagens das pastagens de inverno:
Os benefícios da sobressemeadura de gramíneas de inverno em áreas de pastagens tropicais incluem:
- Aumento na produção de matéria seca no “inverno”
- Redução da estacionalidade forrageira;
- Melhoria na qualidade nutricional da dieta dos animais em pastejo;
- Diminuição no uso de concentrados e volumosos conservados;
- Maximização do uso da terra, com sua ocupação produtiva no “inverno”;
- Redução da área necessária à produção de alimentos conservados;
- Maximização do uso de equipamentos de irrigação;
- Redução na necessidade de uso de mão de obra e maquinário no “inverno”;
- Melhoria no controle de plantas invasoras.
Cuidados com pastagens de inverno
Pontos críticos para o sucesso da sobressemeadura e que devem sempre ser objeto de atenção por parte do produtor:
- Utilização de cultivares adaptados à região;
- Utilização de sementes de boa qualidade;
- Adequação da fertilidade do solo;
- Semeadura na época e na quantidade de sementes adequadas;
- Garantia do contato da semente com solo;
- Diminuição da competição com a vegetação existente;
- Manejo correto da espécie adotada;
- Adoção da irrigação quando necessário.
O que é sobressemeadura?
Sobressemear é estabelecer uma cultura anual em uma área já ocupada por outra cultura perene, sem eliminar a cultura perene, aproveitando um período do ano em que ela está dormente ou pouco produtiva.
No Brasil, com grande diversidade de condições ambientais, a sobressemeadura de espécies de inverno sobre áreas de gramíneas tropicais só é viável nas regiões Sul, Sudeste e parte da região Centro-Oeste. Ali, forrageiras de inverno são viáveis porque, mesmo se irrigadas, as espécies de verão produzem pouco entre abril e setembro, abrindo uma “janela” em que não competem com as de inverno.
Nas regiões Norte, Nordeste e no norte da região Centro-Oeste, gramíneas tropicais produzem bem se irrigadas no inverno, pois ali o problema é a falta de chuvas, e não as baixas temperaturas.
Como fazer a sobressemeadura de forrageiras de inverno?
A sobressemeadura de forrageiras de inverno pode ser feita em áreas ocupadas por qualquer capim de verão, desde que o manejo empregado seja adequado. A técnica tem sido mais bem-sucedida em áreas ocupadas por Cynodon (Tifton, Coastcross etc.) e Panicum (notadamente os de porte baixo), o que provavelmente se deve à melhor fertilidade e manejo em áreas ocupadas por esses capins, que são geralmente componentes de sistemas tecnificados. Mas é um engano assumir que áreas de braquiária, por exemplo, não podem ser sobressemeadas no inverno.
Para que a sobressemeadura seja bem-sucedida é preciso ter em mente a grande exigência em fertilidade de solo das espécies de inverno. A adoção da técnica em áreas de baixa fertilidade e alta acidez não é recomendada, já que a produtividade será muito baixa, não trazendo retorno produtivo.
O ideal é que os parâmetros de fertilidade do solo como o pH, a saturação por bases (V%), o fósforo (P) e a matéria orgânica (MO) estejam próximos de 6, 80%; 5,0 e 12 mg/dm3, respectivamente, segundo a Comissão de Química e Fertilidade do Solo do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Além disso, a exigência hídrica das forrageiras de inverno é alta, sendo que apenas em regiões de inverno chuvoso como no sul do Brasil e no sul do estado de São Paulo é que se pode pensar no cultivo sem irrigação. Nas demais regiões, a irrigação é praticamente obrigatória (Tabela 1).
Tabela 1. Produção de forragem (kg MS/ha) para gramíneas forrageiras de clima temperado manejadas com ou sem irrigação em Piracicaba (SP).
O manejo correto é crucial para diminuir a competição, no estabelecimento das forrageiras de inverno sobre as de verão no outono, ou no momento de retorno das espécies de verão sobre as de inverno, na primavera.
Para diminuir a competição no outono deve-se proceder ao rebaixamento do pasto de verão, que está em final de estação de crescimento, permitindo a germinação da espécie semeada (de inverno) que irá ocupar a área.
Caso o produtor erre no manejo e uma grande quantidade de massa residual esteja presente nos momentos de transição, haverá competição pelos fatores de crescimento (especialmente luz) e a espécie que estiver iniciando seu ciclo será prejudicada na sua capacidade produtiva.
Isso pode ocorrer no estabelecimento das forrageiras de inverno, com má formação do estande (população e distribuição de plantas em uma área), ou seja, o pasto de inverno fica mal formado, ralo, com um número pequeno de plantas por metro quadrado. Ou no momento de rebrotação dos pastos de verão, atrasando a sua recuperação no inicio das "águas" subsequente.
Estabelecimento da espécie forrageira de inverno
Após o rebaixamento da espécie de verão (pelo menos tão drástico quanto um resíduo de pastejo normal) realiza-se a distribuição das sementes, que podem ser misturadas com material de coloração clara, como calcário ou superfosfato, para facilitar sua visualização.
Quando possível, após a semeadura, faz-se a irrigação da área de forma a levar o solo para próximo de sua máxima capacidade de armazenamento de água. Em seguida, faz-se novo pastejo, para que os animais rebaixem o máximo possível o pasto, e pisoteiem as sementes, promovendo o seu enterrio no solo.
Caso a semeadura seja mecanizada, é recomendado que se utilize apenas máquinas de plantio direto e se realize um pastejo o mais drástico possível, deixando um resíduo baixo antes da semeadura.
As taxas de semeadura recomendadas para cada gramínea forrageira de inverno e forma de plantio são apresentadas na tabela 2.
Tabela 2. Taxas de semeadura (kg de sementes por hectare) recomendadas
Pastos de aveia e azevém para vacas leiteiras
Também importante é o pastejo ou corte inicial, que para a aveia deve ser feito com 30-40 cm de altura, ou antes de 15% dos perfilhos elevarem os meristemas apicais acima da altura de corte (isso ocorre 35 a 40 dias após a semeadura). Para o azevém, o primeiro pastejo deve ser feito quando as plantas atingirem 20 a 25 cm de altura, o que normalmente ocorre entre 45 e 55 dias após a semeadura.
As forrageiras de inverno necessitam de manejo adequado para garantir a persistência (ainda que sejam anuais), qualidade e produtividade. A aveia é mais exigente que o azevém em manejo, pois tende a acumular mais colmos de forma mais rápida, o que pode comprometer sua capacidade produtiva, principalmente a aveia preta, pois o perfilhamento é baixo.
Caso o ponto de crescimento (meristema apical) seja eliminado por colheita muito baixa, as rebrotações subsequentes serão comprometidas. Por isso, recomenda-se que as desfolhações na aveia sejam feitas a cerca de 30 cm de altura, até um resíduo de 10 cm. Isso geralmente é conseguido com períodos de descanso de 28 a 35 dias.
O azevém pode ser considerado mais versátil, com tolerância um pouco maior a erros de manejo, embora também se beneficie do manejo correto. A altura ideal de colheita é de 20 cm, até o resíduo de 6 – 7 cm, com período de descanso em torno de 21 dias.
Produção de leite em pastagens de inverno
Até o momento, poucos esforços de pesquisa foram empenhados no Brasil avaliando a produtividade de leite em pastagens sobressemeadas fora da Região Sul. Mas, apesar disso, as produções de leite obtidas em pastagens exclusivas de forrageiras de inverno, ou no Sul, indicam a capacidade dessa técnica em gerar benefícios aos sistemas de produção de leite em pastagens.
Em estudo avaliando o uso de pastagem de aveia sobressemeada em área de capim Tanzânia em substituição parcial da silagem de milho em dietas de vacas de alta produção, foram obtidas produções de leite semelhantes, mas a um custo 7,4% inferior para as vacas que pastejaram a área sobressemeada. Outros trabalhos já reportaram, com aveia em pastejo rotativo, produções maiores que 3.800 kg de leite por hectare, com lotação de 1,9 UA/ha.
Os desempenhos de vacas leiteiras pastejando aveia e azevém são facilmente da ordem de 12-15 kg/vaca/dia, com 2-4 UA/ha, sem qualquer suplementação. Há relatos de desempenhos produtivos da ordem de 20 kg/vaca/dia, com consumo de MS de 16 kg por vaca, sob condições de lotação baixa e alta oferta de forragem, embora essa seja uma situação de subpastejo.