Foto 1: Jeremy Casey identificando bezerra recém nascida, Back track Dairies
A estação de parição na Nova Zelândia é a estação mais trabalhosa do ano. Em inglês é chamada de “Calving Season” e é a melhor época de estar na NZ para aprender sobre práticas de manejo, pois é a época em que quase tudo acontece em uma fazenda de leite.
Na fazenda encontram-se vacas secas gestantes próximas ao parto, vacas recém-paridas no lote de colostro, vacas lactantes no lote de leite normal, vacas em tratamento, bezerros exclusivamente lactentes e bezerras lactentes se alimentando de forragem e ração. Há assunto para um livro, contudo o tema será resumido em dois textos, aproximadamente do mesmo tamanho, do padrão que tem-se publicado nesse blog.
O período de parição vai do final de julho a outubro, época que compreende a saída do inverno e primavera. Ainda faz muito frio e há chuvas com muita intensidade. Todo trabalho desprendido é pouco. Normalmente a jornada de trabalho é de 10 horas por dia, chegando a 12 hs com os intervalos de café e almoço. Contudo não são poucos os dias em que se começa às 4 da manhã e termina às 8 da noite com 30 minutos de café e 30 minutos de almoço. Depende quantas vacas parem no dia, do tempo (chuva,neve) e do pessoal. Às vezes a sensação é de ter que sobreviver.
É muito estressante tanto para os funcionários quanto para os proprietários. Uma vez que todos estão envolvidos como uma equipe. O sucesso da “calving season” depende exclusivamente disso. Se o pessoal está bem preparado os resultados vão fluindo na criação de bezerras, ordenha e manejos de pastagem e suplemento. Com isso, a estação nos ensina uma lição importante em boas práticas de fazenda que é colocar as pessoas em primeiro lugar.
Gerenciamento de pessoal
Pessoal preparado é aquele que toma a atitude certa com habilidade e conhecimento. Para fazer isso ao máximo durante a parição a equipe precisa:
• Entender qual é o objetivo da estação de parição (se aplica para qualquer estação);
• Saber o que se espera da dela;
• Sentir-se respeitada e valorizada;
• Ter um tempo para recarregar-se e manter-se eficiente no trabalho.
Geralmente quem tem uma boa “calving season” tem isso muito bem planejado e discutido com o pessoal antes de começar a estação. A partir do momento que as vacas começam a parir não se tem mais chance de reunir o pessoal e tentar mudar o sistema. Durante o período, chegam a parir mais de 50 vacas por dia e todos os cuidados devem ser tomados como se tivesse somente uma vaca parindo. O Planejamento bem feito resulta num trabalho bem realizado e através do resultado é que se planeja novamente. Sendo assim, o produtor realiza 3 etapas importantes com o pessoal envolvido:
Apesar da motivação o stress é inevitável. Contudo, pode ser atenuado com algumas estratégias. Por exemplo, essa estação o Greig e a Helen da fazenda que eu estou (em torno de 32 funcionários) levaram seus funcionários para um jantar num restaurante na cidade. Na equipe do Jeremy e da Kim, na estação passada, cada funcionário ganhou três dias em uma cidade de piscinas de águas quentes com hospedagem paga. Alem disso regularmente a equipe se reúne para jogar tênis, tomar cerveja e comer peixe frito com batata frita. Tudo isso com funcionários e patrões juntos, o que faz o funcionário se sentir valorizado e respeitado.
Foto 2 : tempo de recreação como estratégia de redução de stress da "calving season"
Manejo de pastagem e suplementação
O manejo do pasto nos dois primeiros meses de parição irá determinar a produção das vacas no pico de lactação e quão bem alimentadas elas estão para a estação de monta. No entanto, o manejo do pasto durante a primavera não é fácil. O inverno passou, mas ainda chove muito. São dias de muita nebulosidade e baixa luminosidade e temperatura.
Além disso, o pasto está a quase dois meses sem gado devido à estação de vacas secas (leia o artigo Nova Zelândia: Estação de vacas secas), então cria-se a situação onde o pasto pode estar alto se inverno não foi tão rigoroso ou o contrário se o inverno foi rigoroso. Nesse caso, o que é feito é realizar a primeira rotação de acordo com a taxa de acúmulo do pasto durante a primavera independente se há forragem suficiente disponível ou não. Caso não seja suficiente complementa-se com silagem e/ou ração concentrada (palm keernal).
Caso sobre forragem, usa-se o lote de vacas secas para consumir o resíduo e/ou roçada mecânica. Algumas propriedades cortam o pasto com segadeira de feno antes do gado entrar para as vacas colherem todo material disponível. O importante é rotacionar o gado na fazenda de acordo com o período de resiliência do pasto. Via de regra, estabelece-se um período de 60 dias para realizar a primeira rotação. Contudo, esse período pode variar se fatores edafoclimáticos estão propícios a uma maior ou menor taxa de acúmulo, portanto, a um maior ou menor tempo de descanso e, por fim, a um maior ou menor tempo de rotação.
Parece complicado, mas a medida que o pasto vai sendo medido com frequência, como é feito aqui, as variáveis vão ficando mais claras. Contudo, tem mais uma variável para mencionar que é a constante entrada de animais no sistema devido à parição. Ou seja, pode entrar mais de 50 vacas na rotação todo dia, nesse caso a área de pastejo deve ser recalculada pelo menos a cada dois dias.
No nosso primeiro dia na NZ o Jeremy já me disse que cerca móvel é a ferramenta mais importante da pecuária do país. Agora se pode concluir que ele estava correto. Todos os dias o manejo muda. Eu sempre brinco com meus colegas que em biologia dois mais dois nem sempre são quatro. Temos que analisar todos os fatores que interferem no resultado.
Foto 3: manejo do pastejo com cerca móvel
Com todas essas varáveis mencionadas foi criado o SRP (springs rotation plan) que é uma fórmula para ajudar a tomada de decisão na hora de se estabelecer quantos hectares de pasto serão oferecidos ao lote na primeira rotação. A conta é o seguinte: vacas lactantes dividido pelo numero de vacas no rebanho multiplicado pela divisão da área em hectares destinada às vacas lactantes pelos dias requeridos para terminar a primeira rotação. O resultado será ha/dia para as vacas lactantes. Imagine um rebanho de 900 vacas em uma fazenda de 200ha, onde 450 já pariram, faltam 40 dias para terminar a rotação e ainda restam 80ha de pasto. A conta ficaria assim:
(450/900) x (80/40) = 1ha/dia
Note que a área vai diminuindo a medida que vai sendo pastejada, assim como os dias de rotação conforme o tempo passa. Além disso, o número de vacas em lactação aumenta de acordo com que as parições. No inicio fazíamos essa conta com papel, caneta e calculadora, a cada 3 dias. Depois de umas 2 semanas passamos a fazer de 2 em dois dias. Depois de calcular bastante resolvi colocar isso no excel onde só digitávamos os dados nas células amarelas e a planilha ia calculando tudo automaticamente. Veja abaixo como ficou o layout da planilha:
Incrementei a planilha para dar o resultado em postes por dia em cada lote de vacas lactantes, pois essa é a realidade de manejo da fazenda. A cerca móvel é feita de poste em poste e os piquetes são retangulares. Facilitou bem o manejo e ficou de fácil operação para todo mundo, o que é muito importante para compartilhar a responsabilidade com todos da equipe.
Lembrando mais uma vez que é de suma importância medir o pasto para ver se a disponibilidade de forragem é suficiente para o requerimento de consumo bem como a taxa de acúmulo para possíveis mudanças no SRP. Claro que o manejo de pasto, bem como o manejo nutricional das vacas, não é tão simples assim. Ainda tem uma série de variáveis que compõem o “feed budget”. Essa expressão traduzida ao pé da letra é o orçamento alimentar, muito usado na NZ para representar todas as metas de produção, consumo e aproveitamento de forragem mais suplemento para produção de leite de maneira rentável. E isso não é realidade somente da “calving season” por isso não será aprofundado nessa oportunidade.
Contudo, é importante salientar que a parição é um período muito delicado para vaca devido ao balanço energético negativo, portanto, a atenção com a alimentação é essencial. Além disso, existe alguns problemas de saúde animal decorrentes do período de parição como febre de leite, partos distócicos, etc.
Lidando com distúrbios metabólicos ocasionais do parto
Distúrbios metabólicos no parto geralmente envolvem três síndromes distintas: a febre do leite (hipocalcemia), Grass stargers (hipomagnesemia) e cetose. Geralmente as vacas são afetadas por um destes distúrbios ou por uma combinação destes.
A Febre do leite é causada quando os níveis de cálcio no sangue são muito baixos para a função normal do corpo (especialmente nervos e função muscular) . As vacas podem obter cálcio de sua dieta e de seus ossos (chamado de reabsorção óssea). Acontece que as vacas secas exigem muito pouco cálcio e seus mecanismos de absorção de tornar-se "preguiçosos". No parto, a demanda por cálcio aumenta rapidamente. Se ela não puder absorver o cálcio dos ossos e da dieta rápido o suficiente, ela vai ter febre do leite. Ações para realizadas prevenir a febre do leite:
• Suplementam-se vacas secas com magnésio por pelo menos 3-4 semanas pré- parto
• Suplementam-se vacas do colostro e leiteiras com magnésio
• Suplementam-se vacas do colostro com cálcio. 150 g / vaca / dia com calcário
• Evita-se pastoreio de vacas em pré-parto em piquetes onde fertilizante de potássio ou cal foram aplicadas dentro dos últimos 3 meses, além de áreas com aplicação constantes de efluentes.
• Em alguns casos aplica-se doses de arranque de cálcio e energia para vacas de mais de 7 anos, muito gordas ou com histórico de distúrbios metabólicos
A cetose é a falta de glicose disponível (energia), de modo que a vaca utiliza gordura corporal, convertendo-a como uma cetona que é uma fonte de energia alternativa. Isso geralmente ocorre quando as condições de alimento são restritas. Ações realizadas para prevenir a Cetose (DairyNZ 2011):
• Restringir o consumo das vacas em pré-parto para aproximadamente 80% das suas necessidades, duas semanas antes do parto
• Certificar-se de que as vacas colostro são bem alimentadas.
“Grass stagers” (hipomagnesemia) ocorre quando os níveis de magnésio no sangue são insuficientes para atender a demanda. Pode ocorrer em qualquer época do ano. Magnésio não é armazenado e assim é fornecido diariamente. A suplementação de magnésio é importante tanto para a prevenção de “Grass stagers” quanto para febre do leite. É uma prática tão comum quando colocar sal no cocho no Brasil. Contudo, aqui o magnésio junto com os outros minerais é fornecido na água mais a aplicação de óxido de magnésio ou calcário dolomítico sobre o pasto, momentos antes do pastejo. Pode ser fornecido também cloreto de magnésio misturado no vagão de silagem.
foto 4: fornecimento de magnésio sobre o pasto
foto 5: fornecimento de magnésio no vagão de silagem
Particularmente não acho esses meios os mais adequados. Tendo em vista que o consumo de água é baixo em dias chuvosos e não dá para aplicar calcário no pasto quando está chovendo, pois o produto será lavado das folhas e as vacas não vão consumi-lo. Além disso, nem sempre as vacas precisam ser suplementadas com silagem. Se o dia tiver bonito pode-se fazer os procedimentos, caso contrário vai ter vaca caída no pasto para tratar. Geralmente aplica-se coquetéis metabólicos na veia da vaca quando esta caída com sintomas de febre de leite e “Grass stagers”. Quase sempre as vacas se levantam instantaneamente. Muito raramente uma ou outra demanda um tratamento mais longo.
Foto 6: tratamento com coctel metabólico como rotina em época de chuva na estação de parição.
Os distúrbios metabólicos não são os únicos problemas durante a estação de parição. Como dito anteriormente, a primavera é uma período de alta umidade, o que favorece a ocorrência de mastites e problemas de casco. No próximo artigo será abordado como lidar com esses casos além de todo manejo de cria, desde o nascimento até à desmama. Espero encontrá-los no próximo texto.