Utilização de Nitrogênio Não Proteico na Alimentação de Ruminantes
A utilização de nitrogênio não protéico pode ser importante como forma de reduzir o custo de dietas utilizadas na alimentação de ruminantes. A fonte mais tradicional é a ureia, que, uma vez no ambiente ruminal, é convertida em amônia e, dependendo dos substratos presentes, poderá ser utilizada e transformada em proteína microbiana que é de excelente qualidade em relação à sua composição aminoacídica.
Proporções adequadas de carboidratos de fermentação rápida e mediamente fermentáveis maximizam a utilização da ureia, o que, por sua vez, aumenta a digestibilidade da fibra da dieta, por aumento da população de microrganismos ruminais. O uso da ureia desta maneira tem potencial para estimular a síntese protéica, elevar a degradabilidade da fibra e, conseqüentemente, aumentar a taxa de passagem dos alimentos, favorecendo o consumo de matéria seca, porque o rúmen se esvazia mais rapidamente. A adição de uma fonte de enxofre melhora a síntese de proteína microbiana no rúmen, levando ao melhor desempenho animal. Geralmente se usa a mistura ureia (nove partes) e sulfato de amônio (uma parte) (Torres e Costa, 2004).
Dentre os alimentos com carboidratos prontamente fermentáveis no rúmen, a cana de açúcar se destaca (em torno de 44% de carboidratos não fibrosos corrigidos para cinza e proteína na matéria seca) e tem sido amplamente utilizada no Brasil. O sistema de alimentação cana-de-açúcar enriquecida com ureia e enxofre pode ser usado para gado de leite ou corte, em confinamento ou a pasto, durante o período seco do ano, com fornecimento de concentrado ou não, dependendo do nível de produção de leite ou ganho de peso esperado. É uma tecnologia simples, de fácil implementação, tornando-se especialmente indicada para produtores com baixa capacidade de investimento. Após um período de adaptação de uma semana, Torres e Costa (2004), recomendaram a adição de 1% da mistura ureia: sulfato de amônio (9:1) em 100 kg de cana-de-açúcar fresca. Considerando que a cana apresenta 2,8% de PB e 29% de matéria seca e que a ureia e o sulfato de amônio apresentam equivalente protéico de 281,92 e 131,25%, respectivamente e 98% de matéria seca (Valadares Filho et al., 2020); a mistura final apresentaria 11,43%PB. Logicamente variações poderão ocorrer, principalmente em função dos teores de matéria seca e PB da cana-de-açúcar.
A Palma Forrageira e Potencial de uso Associada a uma fonte de Fibra e NNP
De forma análoga à cana-de-açúcar, a palma é rica em carboidratos prontamente fermentáveis no rúmen, em torno de 60% carboidratos não fibrosos e apresenta teores de PB relativamente baixos, em torno de 4,8%. Porém, apresenta baixos teores de fibra em detergente neutro, em torno de 26,8% (Ferreira et al., 2009). O efeito positivo da fibra na dieta de ruminantes reside na necessidade de se promover adequada ruminação, movimentação ruminal, homogeneização do conteúdo ruminal e secreção salivar, que favorece a estabilização do pH ruminal, além de fornecer mais fósforo para fermentação microbiana (Mertens, 1997).
Trabalho muito interessante foi conduzido por Siqueira et al.(2019), com caprinos e ovinos, ao comparar uma dieta composta por palma forrageira (Miúda ou Orelha de Elefante Mexicana), bagaço de cana-de-açúcar, ureia : sulfato de amônio (9:1) e mistura mineral nas seguintes proporções 61,0; 34,0; 2,7 e 2,3%, respectivamente com a silagem de milho corrigida com ureia:sulfato de amônio (9:1) e mistura mineral (Tabela 1).
Considerando os resultados do estudo e as limitações de produção de forragem em regiões semiáridas, a importância da palma forrageira para os sistemas de produção. A associação da palma com uma fonte de fibra fisicamente efetiva como é o bagaço e NNP, resultou em um “volumoso” com valor energético semelhante ao da silagem de milho. Esta análise torna-se ainda mais relevante quando se leva em conta o custo do kg de matéria seca e principalmente da energia (R$ 0,25/ Mcal de EM para palma Miúda ou Orelha de Elefante Mexicana e R$ 0,54/Mcal de EM para a silagem de milho).
Tabela 1. Teores de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), fibra em detergente neutro (FDN) e energia metabolizábel (EM)
Resultados de Pesquisa com Novilhas
O estabelecimento de um sistema de recria eficiente, principalmente de fêmeas, tem sido um desafio para maioria dos produtores de leite. O manejo deficiente tem levado à idade tardia ao primeiro parto, o que contribui para redução no número de vacas lactantes e, conseqüentemente, baixa produtividade do rebanho e vida útil da vaca. A Universidade Federal Rural de Pernambuco juntamente com o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) desenvolveram trabalhos com novilhas leiteiras, associando a palma forrageira a uma fonte de fibra e ureia + sulfato de amônio com resultados muito promissores.
Carvalho et al. (2005) estudaram a associação da palma forrageira com a uréia e o bagaço de cana em dieta base para novilhas da raça Holandesa, com peso médio inicial de 216,0kg, mantidas em confinamento. A dieta foi composta por 69,8% de palma forrageira cv. Gigante, 27,6% de bagaço de cana in natura e 2,6% de mistura uréia:sulfato de amônio (9:1), com base na MS. Foram ofertados 1,0kg de farelo de trigo ou de soja por animal/dia (Tabela 2).
Não foram observadas diferenças significativas para CMS (kg/dia ou %PV). Porém, o ganho em peso foi superior para os animais que receberam o farelo de soja, o que pode ser justificado pela superioridade quanto ao consumo de NDT. Ressalta-se o bom resultado observado com a utilização do farelo de trigo como suplemento, em função do baixo preço do mesmo.
Tabela 2.Consumo de matéria seca (CMS), energia (CNDT) e ganho em peso(GP) de novilhas da raça Holandesa
Pessoa et al.(2019) avaliaram a utilização do trinômio palma-fibra-NNP na alimentação de novilhas da raça Girolando, com peso médio inicial de 204,0kg, mantidas em confinamento. As dietas foram compostas por 64,0% de palma forrageira cv. Gigante, 30,0% de bagaço de cana in natura, 4,0% de mistura uréia:sulfato de amônio (9:1) e 2,0% de mistura mineral com base na MS. As novilhas foram suplementadas com farelo de trigo, farelo de soja, farelo de algodão (menu 38) e caroço de algodão com base no peso corporal (0,5%) (Tabela 3).
Tabela 3. Consumo de matéria seca (CMS), energia (CNDT) e ganho em peso(GP) de novilhas da raça Girolando
Observou-se maior consumo de matéria seca com maior ganho em peso para os animais que receberam farelo de algodão (menu 38) e farelo de soja, quando comparados ao tratamento testemunha. O ganho em peso médio para os animais suplementados foi de 700g/dia. A variação observada no ganho em peso das novilhas foi em função da variação no consumo de NDT. Para o tratamento onde não houve oferta de suplemento observou-se ganho em peso médio de 420g/animal/dia, evidenciando a viabilidade de utilização da palma forrageira associada a ingredientes fibrosos e fonte de NNP, na recria de bovinos leiteiros. Pôde-se observar incremento no ganho em peso de no mínimo 31,0 e de no máximo 93,0% para os animais suplementados.
Novilhas da raça Girolando com peso médio inicial de 160 kg foram alimentadas com uma dieta basal (13% PB) composta por cana-de-açúcar (38,1%), palma forrageira cv. Orelha de Elefante Mexicana (56,5%), mistura mineral (1,6%) e a mistura ureia:sulfato de amônio (3,8%), com base na MS. Os animais foram suplementados com 0,4; 0,8 e 1,2 kg de um concentrado à base de milho e soja com 13% PB(Tabela 4).
Percebe-se um aumento no consumo de matéria seca e energia com reflexo também no aumento do ganho em peso. Curiosamente, estudos realizados com diferentes volumosos, incluindo silagem de milho, cana-de-açúcar e bagaço de cana-de-açúcar, mostraram que há uma necessidade de maiores quantidades de concentrado (2,00, 1,30 e 2,90 kg/dia, respectivamente; Rangel et al., 2010; Inácio et al., 2017) para alcançar ganhos da ordem de 0,70 kg/dia.
Tabela 4. Consumo de matéria seca (CMS), energia metabolizável (CEM) e ganho em peso (GP) de novilhas da raça Girolando
Merece destaque o ganho observado quando não houve a suplementação (0,42 e 0,51 kg/dia, Tabelas 3 e 4, respectivamente), o que denota o grande potencial da palma forrageira para ser utilizada na recria de fêmeas leiteiras. Apesar de não haver gastos com concentrado, outros aspectos deverão ser levados em conta. Como o ganho é menor a idade ao primeiro parto será, consequentemente, maior, o que poderá acarretar em maiores gastos com alimentos volumosos e mão de obra, principalmente.
Considerações Finais
A associação da palma forrageira ao bagaço de cana e a uréia/SA, alimentos relativamente de fácil aquisição e baixo custo, proporciona a possibilidade de minimizar as principais deficiências da cactácea, como compostos nitrogenados e fibra em detergente neutro de alta efetividade, tornando-se tecnologia de produção altamente viável e sustentável. As fontes, bem como a quantidade de proteína verdadeira a serem associadas, estarão em função do ganho em peso que se deseja obter, além da disponibilidade e do custo de aquisição. Deve-se ressaltar que outros volumosos, não só o bagaço de cana, poderão ser associados à palma forrageira e a fonte protéica. No entanto, a relação entre carboidratos fibrosos e não-fibrosos na dieta deverá ser observada. O fornecimento de adequada mistura mineral para bovinos leiteiros em crescimento também deve ser prioridade em dietas a base de palma forrageira, seja misturada à ração total, ou fornecido em cochos separadamente.
Cuidados como a adaptação à ureia/SA, fornecimento em duas vezes ao dia e drenagem dos cochos, deverão ser observados.
A palma gigante, em função de sua susceptibilidade à cochonilha do carmim, não é mais recomendada. Atualmente as cultivares Miúda, Baiana (Ipa Sertânia) e Orelha de Elefante Mexicana são as mais recomendadas.
Autores
Marcelo de Andrade Ferreira; Prof. Titular Departamento de Zootecnia - UFRPE
Carolina Corrêa de Figueiredo Monteiro; Profa. Assistente/UNEAL - PNPD/UFRPE
Luciano Patto Novaes; Prof. Visitante Sênior/UFRN
Djalma Cordeiro dos Santos; Pesquisador do IPA - PE
Bibliografia
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