Introdução
O movimento de migração dos produtores rurais para os centros urbanos é notado desde 2010, em especial na região Sul e Sudeste do Brasil (Hein e Silva, 2019). Estima-se que 5 mil produtores deixaram a atividade leiteira a cada ano (Cintra, 2022).Contudo, dados da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) demonstram que a demanda por commodities agrícolas e produtos de origem animal e seus derivados, apresentaram crescimento de 2% ao ano na última década. (FAO, 2022).
O Brasil é o terceiro maior produtor de leite mundial (FAO, 2017). A atividade leiteira nacional, proporciona mão de obra – das técnicas mais artesanais ou manuais às técnicas robóticas ou automatizadas (Alvim e Martins, 2004; Ferro et al., 2017). A produção mundial de leite aumentou de mais de 50% (FAO, 2019) nas últimas décadas, sendo mais de 800 milhões de toneladas produzidas.
Devido ao arranjo econômico entre governo e produção rural, que levou a liberação do preço do leite em 1991 e as políticas de transição de moeda anteriormente implantadas (Gomes, 2001; Alvim e Martins, 2004), o perfil de produção e consumo de lácteos no Brasil, sofreu alterações. Desde ganhos de produtividade, especialização, capacitação técnica, elevação dos padrões de qualidade, ideias de sustentabilidade e conhecimento dos consumidores, quanto aos benefícios do consumo de leite e derivados aliado ao poder de compra (Bastian, 2022).
Em conjunto com essas transformações na cadeia de produção de leite, outros fatores como: maior competitividade, diminuição da sucessão familiar (Boscardin et al., 2017) e aumento do padrão de qualidade do leite requerido pelas indústrias, refletiu na saída de produtores rurais provenientes da agricultura familiar.
Em resposta à essas alterações no mercado lácteo, as indústrias de leite se viram em busca de alternativas para suprir o mercado interno sem que houvesse prejuízo nos padrões de qualidade dos produtos. Desta forma, esse estudo avaliou a atitude das indústrias para atender os consumidores quanto a produção e comercialização de produtos lácteos que, por sua vez, possuem valor agregado alto frente aos produtos de origem vegetal.
Pesquisa e desenvolvimento na indústria de lácteos
A tecnologia tem sido amplamente aplicada na indústria de lácteos, até mesmo antes das demais indústrias de alimentos em geral. O leite, é um alimento completo, sendo esse um elemento “perfeito” para alcançar ao máximo a satisfação e desejo do consumidor – sendo assim, aplicável aos processos tecnológicos devido a versatilidade de criação de novos produtos (Steele, 1989).
Os centros de pesquisas das indústrias de alimentos ou, até mesmo, de instituições de ensino e pesquisa ligados às indústrias, não inovam sozinhos (Christensen, 2000), unem-se ao conhecimento técnico e científico inerentes ao processo de geração e difusão de inovações (Pinho et al., 2002) além de outras demandas encontradas dentro da cadeia de produção do alimento ou, até mesmo, dos desejos e necessidades do consumidor.
Para que o processo de inovação e criação de um produto aconteça, faz-se necessário uma motivação de toda a cadeia produtiva (Maslow, 2005), desde a cobrança do produtor quanto a melhores indicadores de qualidade do leite na produção (Brasil, 2018), quanto a elaboração de produtos que atendam os requisitos de qualidade – fazendo juízo à dedicação do produtor, e abrangendo todos os perfis de consumidores brasileiros.
A tecnologia aplicada na criação, visa também o outro lado da cadeia de produção – o consumidor, sendo das classes mais elevadas economicamente até aquelas que desejam consumir o produto lácteo, mas não possuem poder aquisitivo para compra de um produto “puro” (sem mistura de ingredientes vegetais na composição).
Já, a motivação está ligada diretamente à produtividade, porém vem dos interesses da indústria e centros de pesquisa, detentoras do conhecimento e poder de implantação (Maslow, 2005).
Figura 1 – Diagrama de modelo de conceitualização da motivação para novos projetos na indústria.
Adaptado de Maslow, A. (2005). Motivational Theories and Their Application.
A motivação e a ideia inovadora precedem o planejamento da tecnologia a ser desenvolvida (Maslow, 2005). A tecnologia é associada ao conceito de fabricação do produto, que parte do planejamento de produto, o qual identifica as necessidades e as características de aplicabilidade do produto (gera o dinamismo entre preço e qualidade); seguido da engenharia do produto, que vem desde o conhecimento até o modo de fabricação; a engenharia de aplicação, que por sua vez busca dados de aplicabilidade no mercado e incentiva o consumo; por fim, a engenharia pós-venda, que consiste no cuidado com a comercialização e atendimento ao consumidor (Steele, 1989).
Novos produtos lácteos e a relação com a legislação
A principal legislação que regulamenta os princípios de fabricação industrial e inspeção sanitária de produtos de origem animal no Brasil, é o RIISPOA (Regulamento de inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal), MAPA (Brasil, 2017).
Além do RISPOA, a Portaria n° 146 de 1996 (Regulamento técnico de identidade e qualidade de leite e produtos lácteos – RTIQ – MAPA) traz os requisitos de qualidade, sensoriais, de produção e fabricação de leite e produtos lácteos. Essa Portaria permite o uso de ingredientes – de origem não animal, como o caso de amidos, farinhas e óleos vegetais e ingredientes de origem animal (Brasil, 1996; Brasil, 2017), com o próprio soro de leite e o leitelho, considerados coprodutos da indústria de leite.
Essa alternativa, que permite a criação das misturas e dos compostos lácteos, não só traz inovação para o mercado – com a criação de novos alimentos, mas ajuda a suprir a demanda, de tal forma que haja equilíbrio entre o leite produzido para atender o mercado interno e atingir o consumidor que busca consumir produtos lácteos. Como exemplo desse cenário, conseguimos observar a inovação por trás do “leite condensado”, que por sua vez deve apresentar como ingredientes obrigatórios: o leite fluido ou o leite concentrado ou ambos e sacarose, segundo o definido pela Instrução Normativa n° 47 de 2018 do MAPA (IN 47).
Embora o § 4º do Art. 5° da IN 47/18 não permita o uso de gordura ou óleo vegetal, maltodextrina e amidos no leite condensado, é permitido pelo RIISPOA a criação de compostos e misturas lácteas, que por sua vez podem ser vistas no mercado como “mistura de leite condensado com amido”. Nesse caso, o produto lácteo não é o leite condensado propriamente dito, mas uma mistura, que em níveis sensoriais atende ao desejo do consumidor ao mesmo tempo que consegue manter o preço até 35% mais barato que o leite condensado “puro”.
Em resumo, a tecnologia avança na criação de novos produtos ou alteração de fórmulas já existentes de forma que o mercado seja suprido. É intuitivo que essa necessidade nasceu, primeiramente para “corrigir” a demanda industrial de leite nas épocas de escassez, de forma que mantivessem as condições de negociação e fixação dos preços na relação comercial entre produtor e indústria, além de presar pelo baixo custo das adequações na sua produção (Bánkuti et al., 2008), o qual seria reflexo na mesa do consumidor.
Considerações finais
O desenvolvimento de novos produtos pela indústria de lácteos, parte dos requisitos dados à qualidade, resguardando três princípios: garantia de qualidade do produto pelos Serviços de Inspeção, garantia de qualidade pelo controle de produção e a garantia de qualidade dada pelo consumidor final. A garantia aprovada pelo consumidor final é caracterizada pelos requisitos de qualidade e complementada pela relação custo e benefício.
Sendo assim, a indústria de lácteos no Brasil, busca alternativas para estar presente na mesa do consumidor, mesmos nos momentos de escassez da matéria prima (leite) e de forma que atenda tanto o público de alto padrão econômico quanto aos padrões mais inferiores, contudo, a indústria e a legislação cobram por produtos de qualidade e que assegurem a saúde do consumidor.
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Referências
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BÁNKUTI, F. I; SOUZA FILHO, H. M; BÁNKUTI, S. M. S. (2008). Mensuração e análise de custos de transação arcados por produtores de leite nos mercados formal e informal da região de São Carlos, SP. Organizações Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 10, n.3, 343-358.
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